Por: Felipe Marques

Na concessionária Saga Motos, revendedora de motocicletas Yamaha, a regra é não deixar o cliente ir embora sem a moto na mão. Uma meta não tão fácil de cumprir desde que a maior seletividade dos bancos se instalou nas operações de financiamento de veículos. A saída, costurada em conjunto com a área financeira da montadora, foi apostar no consórcio.

“Nossa concessionária Yamaha vende cotas de consórcio para quem não tem sua proposta de crédito aprovada ou mesmo está ‘negativado’ [com nome sujo]“, afirma Marcos Goldstein, presidente do Grupo Saga, que reúne concessionárias de autos e motos nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. “Hoje 20% das minhas vendas de moto são consórcio. Acredito que vá chegar a 30% em pouco tempo.”

Não é só a Yamaha que aumentou a aposta em consórcios. As demais montadoras também reforçaram a oferta do produto, que, por muito tempo, foi deixado de lado pelo financiamento. Por trás do movimento está a necessidade de melhorar a previsibilidade de vendas futuras – uma vez que as cotas compradas hoje só serão contempladas meses ou até anos depois -, o que cria um colchão que protege a capacidade produtiva da indústria. Também deixa as fabricantes menos reféns do apetite dos bancos por financiar.

A Renault e a Nissan, por exemplo, firmaram uma parceria com a administradora de consórcios Embracon para reforçar sua operação. A Honda, tradicional no segmento, ainda consegue aumentar a proporção de motos entregue na modalidade, assim como a Volkswagen tem feito com carros.

No acumulado de janeiro a novembro, último dado disponível, foram vendidos o equivalente a R$ 48,7 bilhões em cotas de consórcios para veículos leves (carros, motos e camionetas), um avanço de 4,3% na comparação com igual período de 2012. Entre 2012 e 2011, quando os bancos de varejo colocaram o pé no freio no financiamento, o setor havia avançado 13,1%. Os dados foram compilados pela Abac, associação do setor de consórcios.

O segmento ainda exibe um ritmo de contratação melhor que o do financiamento, embora a base de desembolsos de consórcio seja consideravelmente menor. No crédito de veículos foram liberados R$ 83,3 bilhões em operações de empréstimos para veículos na pessoa física, queda de 1,3% na comparação com o ano anterior, segundo o Banco Central. Cabe ponderar que os dois não são intercambiáveis, uma vez que no consórcio o cliente não sai com o veículo na hora, e precisa esperar ser sorteado ou dar um lance.

“Cerca de 33% das entregas de motos Honda em 2013 foram feitas via consórcio”, afirma Ricardo Tomoyose, presidente do Banco Honda. Esse percentual estava em 31% em 2012 e 25% em 2011. “O consórcio sempre foi importante na estratégia de venda de motos, mesmo em momentos de crédito mais acessível. Só que, mesmo atendendo públicos que o crédito não atende, não é imune à variação da economia”, diz o executivo.

Para a montadora, consórcio traz previsibilidade de vendas para os próximos anos, é uma entrega futura garantida para produção, afirma Tomoyose. O presidente da associação do setor de consórcios (Abac), Paulo Rossi, afirma que essa é uma das razões que têm levado ao aumento do interesse das montadoras em operar com consórcios. “As operações de financeiras de montadoras têm apostado mais em consórcio, para criar um colchão de vendas futuras”, diz.

A RCI – financeira que atende as marcas Renault e Nissan – fechou no ano passado a parceria com Embracon, que também administra o consórcio da Mitsubishi. A Embracon vendeu o equivalente a R$ 4,5 bilhões em cotas em 2013, um crescimento da ordem de 25%. Para 2014, espera um avanço de 20%, afirma Rogério Pereira, diretor da Embracon. “O crescimento do consórcio nos últimos dois anos foi muito puxado pela restrição e dificuldade em tomar crédito”, diz.

O consórcio da Volvo, voltado para venda de veículos pesados, atua de forma complementar ao crédito. “É uma porta de entrada para quem está sem acesso ao crédito convencional e uma forma de construirmos um histórico de pagamento do cliente”, afirma Adriano Merigli, diretor da área de serviços financeiros da Volvo para consórcios. A Volvo vendeu cerca de 2,3 mil cotas novas em 2013, crescimento de 25% na comparação com ano anterior. Isso equivale a cerca de R$ 800 milhões em consórcios vendidos no ano.

Em termos de ativos administrados, o sistema de consórcios reunia R$ 131 bilhões em junho de 2013, segundo dados do BC, avanço de 13,9% na comparação com igual período do ano anterior. Não há separação dos dados por tipo de consórcio, então a cifra inclui, além de veículos, consórcios imobiliários e de eletrodomésticos.

Os bancos de montadora têm aumentado a proporção de carros vendida via consórcio no bolo, segundo a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). “Em veículos novos, cerca de 8% das entregas foram feitas via consórcios. Em 2008, eram apenas 4%”, afirma Décio Carbonari, presidente da Anef e também do Banco Volkswagen. Segundo ele, a instituição financia 22 mil veículos novos por mês e entrega outros 15 mil com consórcios. “É uma fatia que tem se elevado ao longo dos últimos anos.” Para Carbonari, contudo, a participação da modalidade nas vendas está próxima de um nível mais “maduro”.

Embora o consórcio cresça, o financiamento segue de longe como a principal forma de comprar veículos a prazo. Dados levantados pela Cetip mostram que, em dezembro de 2013, 10,6% das vendas a prazo de veículos foram feitas com consórcios, enquanto 85,8% foram financiamento. Na comparação com março de 2013, quando o consórcio atingiu a maior participação da série histórica, 14,1% das vendas foram via consórcio e 82,6% financiamentos.

“No mercado como um todo, o consórcio chegou ao pico em 2013 e foi perdendo espaço gradativamente. O financiamento está retomando parte do espaço”, afirma o diretor comercial e de produtos da unidade de financiamentos da Cetip, Iroilton Medeiros. “Já o mercado de motos continua sendo sustentado pelo consórcio, que responde por cerca de metade das vendas a prazo.”

Se o consórcio ganhou prestígio entre montadoras, embora tenha perdido um pouco do fôlego, está longe da trajetória de declínio por que passa o arrendamento mercantil (leasing) brasileiro. Em novembro, o estoque das operações na modalidade para pessoa física registrava R$ 8,32 bilhões, acumulando uma queda de 56% em 12 meses. Em dezembro de 2011, esse saldo estava em R$ 34,75 bilhões.

“O leasing perdeu competitividade e o mercado migrou para o CDC”, afirma Osmar Roncolato Pinho, presidente da associação do setor (Abel), afirmando que hoje a modalidade só encontra mercado entre empresas. Discussões tributárias entre Estados e questionamentos jurídicos sobre a responsabilidade em casos de não pagamento de multas e IPVA, fizeram com que os bancos abandonassem o arrendamento. O temor era criar um perigoso passivo jurídico.

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