Consumidores emergentes buscam marcas tradicionais, querem qualidade e diferenciação. Acesso à informação, crédito e importação facilitam o consumo destes bens
Por: Luisa Medeiros
O consumidor brasileiro passa por um processo de amadurecimento e busca produtos e serviços mais sofisticados no seu dia a dia. O movimento conhecido como premiumrização atende a esta maior demanda por qualidade, experiência e atendimento diferenciado. Especialmente a classe C, que no início da sua ascensão social se preocupava basicamente com preço e preferia comprar produtos em quantidade, muda os seus hábitos e passa a buscar marcas renomadas que apresentem um diferencial. Estas pessoas começam a considerar aspectos que antes não eram levados em conta na hora da escolha como design, conforto, valor de marca e personalização. E estão dispostas a pagar mais por itens que considerem de maior valor agregado.
Atentas a este movimento, as empresas começam a mudar seu posicionamento. É o caso da Apple, que no Brasil é reconhecida por trabalhar seus produtos focada no público A e B, mas que lançou em 2013 uma linha de smartphones com foco no consumidor emergente. O inverso também acontece: para satisfazer o desejo por produtos premium, até as marcas que já nasceram focadas nas classes populares buscam se adequar, inserindo ingredientes especiais, reformulando suas embalagens e criando novas apresentações para ganhar um lugar de destaque na hora da escolha.
A Cacau Show, por exemplo, investe em pesquisas para identificar ingredientes vistos como nobres pelo seu público alvo e conta com linhas que possuem maior concentração de cacau para agregar valor ao produto. Na rede Croasonho, o típico salgado de padaria se transforma em refeições premium com versões com Nutella e creme de camarão. “O consumidor, independente da sua classe social, compra primeiro com os olhos. Nós transformamos um produto comum vendido a R$ 2,00 com queijo e presunto na padaria em um item de desejo com elementos sofisticados. O cliente emergente está disposto a um consumo de experimentação e quando percebe a diferenciação, passa a pagar R$ 15,00 em um croissant”, conta Elis Oliveira, Sócia da Franquia da Croasonho do Shopping Nova América, no Rio de Janeiro, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Sofisticação do consumo
O consumidor emergente está disposto a pagar mais por produtos que julgue de qualidade superior. Além disso, ele deseja consumir marcas consagradas. Este novo perfil nasce a partir de multifatores como a facilitação do crédito e ampliação da importação por meio de e-commerces que vendem direto da China ou dos Estados Unidos. “Enquanto a cabeça do consumidor popular estava em preço, ele priorizava produtos falsificados, ao invés das marcas que eram muito caras. O surgimento de pequenos importadores viabilizou a compra de produtos originais por preços mais acessíveis”, comenta Anderson Martin, Diretor da Agência M Propaganda e Marketing, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Outro fator importante é o acesso ao conhecimento do universo da empresa, o que gera maior reconhecimento do valor da marca. A internet é um grande agente da difusão da informação para o consumo, permitindo o acesso às novidades em tempo real. Outro fator que aproximou os novos consumidores de marcas tradicionais foi a possibilidade de começar a viajar ao exterior e encontrar produtos considerados de luxo em outlets a preços promocionais. “Os processos de premiumrização das marcas populares e a busca destes consumidores por marcas de luxo são duas faces de um mesmo fenômeno: o conhecimento. As pessoas só conseguem avaliar que uma bolsa da Victor Hugo é melhor do que uma da Arezzo quando conhecem a história da marca. Existe toda uma comunicação agregando valor e antes isso era inacessível”, avalia Michel Alcoforado, Antropólogo especialista em consumo da Consumoteca, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A busca por produtos diferenciados implica em uma transformação cultural destes consumidores. O diálogo com pessoas que já consumiam itens especiais aproxima o universo premium das camadas populares. “A empregada doméstica que trabalha na minha casa sempre pedia que a minha mãe trouxesse Victoria Secret´s do exterior. Ela atualmente utiliza maquiagens L’Âncome e perfume francês. O que motivou este consumo foi ver a patroa utilizando, o que lhe permite conhecer estas marcas e entender a sua qualidade em contraposição dos produtos populares. A quebra desta distância entre popular e luxo está retratado no funk ostentação, que mostra marcas famosas no contexto da periferia”, diz Michel Alcoforado.
Produtos de entrada, o caminho para um novo público
Quando o público passa a desejar uma marca, não necessariamente terá poder aquisitivo para adquirir seus produtos top de linha. Para não perder estas vendas, marcas criam linhas de entrada com características de produtos mais sofisticados. A Ford, por exemplo, inseriu características de sedan no modelo KA, que integra a sua linha de compactos. O intuito é atender quem compra o seu primeiro carro, mas que tem exigências na hora da escolha. Outras empresas reconhecidas pelo luxo como a Channel investem paralelamente em itens de menor custo como maquiagens. “A entrada de novos consumidores se dá pelos produtos que chamamos de luxo acessível, cabendo no orçamento. O maior faturamento da Channel no último ano, por exemplo, foi com perfume e maquiagem”, avalia Michel Alcoforado.
O caminho que muitas empresas encontram para a premiumrização são as parcerias. É o caso da Cacau Show, que para reforçar o seu posicionamento de levar chocolates premium para as classes populares firmou recentemente uma parceria com a Swarovsky para a produção de kits de chocolates e acessórios da marca para datas sazonais.
A empresa foca no aspiracional e para isso investe no conhecimento do seu público quanto aos seus hábitos de consumo, para além das camadas sociais. “Não buscamos o rebuscado ou tradicional. Buscamos ser inovadores e a premiumrização está no topo disto. As classes B e C emergentes trazem uma perspectiva para desenvolvermos produtos diferenciados, embalagens inovadoras e design minimalista. Ao consumir produtos premium, a pessoa se sente mais valorizada por buscar algo que acredita ser melhor. É um consumo mais consciente e que passa a permear o âmbito cultural. A marca endossa a qualidade da escolha”, Raquel Massagardi, Diretora de Marketing da Cacau Show, em entrevista ao Mundo do Marketing.
De itens comuns a objetos de desejo
A premiumrização muda paradigmas de consumo por meio das marcas e transforma a maneira que os consumidores percebem determinado produto. É o caso das Havaianas: no início dos anos 2000, os chinelos eram um produto simples e sem qualquer valor agregado. A partir de um eficiente trabalho de Marketing, ganhou status de fashion e se transformou em uma das marcas nacionais mais bem sucedidas. Atualmente, a Havaianas possui flagship stores, participa de desfiles de moda e possui versões até com elementos nobres, como pedras preciosas. “Usar Havaianas passou a ser coisa de gente bacana. O reconhecimento evoluiu junto com o produto que deixou de ter a sola branca e as tiras de outra cor e passou a contar com uma infinidade de formatos. Continua sendo sandália de borracha, mas a percepção é outra”, avalia Anderson Martin.
No caminho para a valorização dos produtos, as empresas devem sempre levar em conta que a imagem transmitida e a comunicação mais sofisticada precisam ser acompanhadas por qualidade melhorada para que a entrega seja satisfatória. “Quando damos uma roupagem diferente ao produto, o consumidor o percebe de forma nova. Se uma caneta que já era boa passa a ser vendida em uma caixinha de madeira, se torna um presente considerado diferenciado. Mas a caixinha sozinha não será capaz de fazer uma caneta ruim se tornar premium”, comenta o Diretor da Agência M Propaganda e Marketing.
Assim como toda mudança, o processo de sofisticar produtos e serviços exige atenção para que o resultado não saia às avessas, perdendo reconhecimento junto ao cliente. Toda mudança deve ser planejada para que o cliente continue enxergando suas pretensões de forma clara. “O consumidor estava acostumado a comprar roupas de uma marca que mostrava a Sabrina Sato com peças leves e coloridas. De repente, a mesma loja passa a adotar tons nude com uma Sabrina Sato com cara de revista Vogue, usando jaqueta de couro. Mudanças bruscas fazem ver o consumidor de forma míope e pode comprometer os resultados”, complementa Michel Alcoforado, Antropólogo da Consumoteca.
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