Nem a Anatel escapa das cobranças indevidas na conta do telefone. Só que, ao contrário de você, a agência reguladora tem Ricarlos – o funcionário que flagra os malfeitos das operadoras
O técnico em eletrônica Ricarlos de Moraes é o herói desconhecido dos 100 milhões de brasileiros que usam telefone. Há sete anos, desde que virou funcionário da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Ricarlos se dedica, tal qual um Quixote 2.0, a desfazer os agravos cometidos pelas empresas de telefonia brasileiras. Seu Rocinante é um simples computador de mesa; sua Dulcineia, os cofres públicos. Seu chuço não é um iPhone. É um programa de computador criado por ele assim que entrou na Anatel, por um concurso de nível médio, quando tinha 27 anos. Chama-se ADT, ou Atesto de Despesas Telefônicas. Com o tal ADT, Ricarlos, trabalhando numa salinha no subsolo da Anatel, em Brasília, consegue verificar se as empresas de telefonia que têm contratos com a agência cobram corretamente pelos serviços que prestam. Claro que elas cobram (bem) mais do que deveriam – até da instituição responsável por fiscalizá-las. Quando Ricarlos flagra os malfeitos das telefônicas com a Anatel, não tem essa de “0800”, de “aguarde na linha, por favor, que vamos estar resolvendo seu problema”. Ricarlos fala grosso, a Anatel glosa as faturas irregulares – e as empresas telefônicas aceitam a decisão sem abrir chamado nem dar número de protocolo. Ricarlos, infelizmente, trabalha em dedicação exclusiva à Anatel. Você não pode contratá-los.
Ricarlos recebe, mensalmente, R$ 7.600, salário modesto se comparado ao dos principais engravatados da Anatel. Foi do próprio Ricarlos que partiu a iniciativa de criar o ADT, em 2005. Ele queria criar um sistema capaz de fiscalizar as ligações telefônicas originadas da Anatel e dos celulares em posse de servidores. O objetivo era identificar quais chamadas eram a serviço e quais eram particulares, de modo a reduzir os custos da Anatel com telefone e a cobrar dos funcionários gaiatos que usavam a agência como orelhão para falar com tias e namoradas. Um segundo objetivo tornou-se inevitável: comparar as informações obtidas por meio de sua invenção com as faturas entregues pelas operadoras telefônicas, aquelas contratadas pela Anatel para oferecer os serviços de telefonia fixa e celular. Ricarlos precisou de pouco tempo para confirmar que Claro, Oi e Embratel tungavam sistematicamente a agência. (A Embratel não tem mais contrato com a Anatel.)
As irregularidades identificadas por Ricarlos são idênticas às encontradas por muitos brasileiros em suas faturas mensais. Ricarlos descobriu três tipos de cobranças indevidas: cobranças que somavam mais do que o preço combinado, cobranças por serviços que nunca existiram e cobranças por serviços não previstos em contrato. Sempre a mais, nunca a menos. Parece familiar? Entre julho de 2010 e junho de 2011, o programa de Ricarlos detectou cobranças indevidas à Anatel no valor de R$ 211 mil – dentro de faturas que alcançaram R$ 771 mil. Juntas, portanto, as operadoras apresentaram valores 27% mais altos do que deveriam nesse intervalo de tempo. Exemplo: em janeiro de 2011, a Claro cobrou R$ 14.229,65 da Anatel pela conta dos celulares, quando deveria ter cobrado apenas R$ 7.479,13. O que mais contribuiu para a diferença foi a assinatura básica. A Claro apresentou fatura de R$ 2.261,88 para esse item. O valor aferido pelo ADT, contudo, foi de R$ 1.552,08. O segundo fator mais importante para a diferença foi o adicional por deslocamento. O valor correto, checado pelo ADT, seria de R$ 289,32. A quantia cobrada pela Claro foi de R$ 572,24. Com base nas informações do ADT, a Anatel pôde glosar quase metade do valor dessa conta. E deixou de pagar os valores indevidos cobrados a mais pela Claro. Em nota a ÉPOCA, a Claro afirmou que a relação da empresa com a Anatel é satisfatória, “tanto que o contrato foi renovado quatro vezes consecutivas”. A Oi afirmou que corrige os valores das contas quando o cliente tem razão. A Embratel informou que não comenta contratos de clientes. Nenhuma empresa respondeu, portanto, sobre os valores cobrados a mais da Anatel.
O grau de confiabilidade do sistema ADT é tamanho que a Anatel passou a usá-lo para justificar o bloqueio de qualquer valor diferente do obtido pelo sistema. Ricarlos e outros nove colegas da Anatel até ganharam um prêmio da agência, que qualificou a invenção de “revolucionária”. Estranho, portanto, que a Anatel seja incapaz de lançar mão dessa ferramenta para punir as operadoras que a lesaram. Ao contrário. Mesmo tungando a Anatel, seus contratos foram prorrogados com a agência reguladora – prova de que a leniência da Anatel com as empresas fiscalizadas começa em casa. Segundo funcionários da Anatel, o sistema ADT poderia ser usado em larga escala, de forma que o consumidor não precisasse de um Ricarlos. Por que a Anatel não faz isso? E por que não pune as empresas que a tungaram?
ÉPOCA tentou por dez dias obter respostas a essas perguntas. É mais fácil, porém, conseguir sinal de celular num elevador que arrancar explicações da Anatel. Há duas semanas, a reportagem pediu explicações por e-mail. Depois cobrou por telefone. Pediu de novo na segunda-feira. Pediu na terça-feira. Pediu na quarta-feira da semana passada. Na quinta-feira, ÉPOCA foi à sede da Anatel em busca de respostas. Não passou da portaria. Não abriram nenhum chamado – e nem deram número de protocolo. Que falta faz um Ricarlos.
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