Por: Renata Leite
Oito em cada 10 consumidores afirmam que o atendimento ruim é a principal razão que faz com que deixem de comprar de uma determinada marca, segundo levantamento do Centro de Estudo e Pesquisa da Atento. Em contrapartida, uma experiência diferenciada pode levar clientes até a escolherem a companhia como o local para seu casamento, como aconteceu com a Zappos. O e-commerce costuma se apresentar como uma empresa de atendimento ao cliente que, por acaso, vende sapatos.
Há um segredo por trás do serviço capaz de alcançar esse grau de qualidade? Sim, ele está na cultura empresarial. Além de contar com um propósito muito claro, a Zappos definiu 10 valores norteadores de suas atividades tão logo notou que seu quadro de funcionários estava crescendo. Entre eles, estão “abrace e conduza a mudança”, “seja aventureiro, criativo e tenha mente aberta”, “faça mais com menos”, “tenha paixão e determinação” e “seja simples”. Com essa condução dos negócios, a companhia tornou-se mundialmente famosa por ser capaz de reverter experiências ruins em excelentes.
Entre os cases de atendimento ao consumidor, estão o envio de um par de sapatos gratuitamente para uma cliente que havia recebido um produto com defeito e a indicação de uma pizzaria aberta de madrugada para um consumidor que ligou para o SAC da companhia solicitando essa ajuda. A estratégia tem como objetivo criar “experiências uau”. Ainda assim, a marca se dá o direito de demitir clientes, caso essas pessoas não estejam sendo razoáveis. “Deixamos claro que não podemos entregar o nível de serviço que elas desejam e provavelmente há algum outro varejista que pode. É; como terminar o relacionamento com alguém. Falamos: o problema está conosco e não contigo”, afirma Jon Wolske, executivo responsável pelos eventos de treinamento promovidos pela Zappos Insights, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O executivo palestrará no Relate Live, evento da Zendesk que acontece em São Paulo no dia 15 de março. Leia a entrevista completa com o executivo da Zappos:
Mundo do Marketing: O que as companhias fazem de errado para, na maior parte das vezes, não conseguirem sequer chegar perto do nível de atendimento da Zappos?
Jon Wolske: Muitas empresas, quando crescem, passam a focar no negócio e esquecem os clientes. Embora eles continuem guiando algumas decisões, por comprarem os produtos ou usarem os serviços, internamente, as companhias passam a dar mais atenção à busca pelo aumento de vendas e pela redução de custos em si. Cortar gastos significa, tipicamente, tornar a experiência do consumidor pior.
Nosso segredo é que, à medida que crescemos, mantivemos os consumidores no primeiro plano de tudo o que fazemos. Embora estejamos preocupados com o crescimento da companhia, em toda decisão que tomamos nos perguntamos se isso vai nos ajudar a construir a “experiência uau”. Inclusive internamente, procuramos ver se as interações no escritório ocorrem desta forma. Se uma pessoa vem à minha mesa com uma pergunta, faço de tudo para que ela tenha uma “experiência uau”.
Mundo do Marketing: No atual momento econômico brasileiro, as verbas das empresas estão ainda mais restritas. Como evitar que o corte de custos atinja essa área?
Jon Wolske: Tudo se resume a uma maior compreensão do todo. É; preciso entender que um custo envolve recursos e fundos que não retornarão para a empresa. O atendimento deve ser encarado como um investimento. Quando damos para um cliente um produto após ele receber outro com defeito, sabemos que estamos fazendo um investimento para que ele tenha uma “experiência uau”.
O livro A Cauda Longa (de Chris Anderson) mostra que os negócios podem realizar uma série de mudanças imediatas para ganharem mais dinheiro e que algumas delas os farão sofrer depois de um tempo. A dedicação que temos em construir essa experiência nos faz perder parte das margens de lucro, mas estamos investindo para que a Zappos se torne top of mind para seus clientes.
Mundo do Marketing: Para alcançar esse resultado, a marca depende de profissionais comprometidos e muito bem treinados. Como esse quadro é construído?
Jon Wolske: Antes mesmo do treinamento, é tudo uma questão de contratar as pessoas certas. E, ainda antes da contratação, definir o propósito da empresa. Se olharmos apenas para a sua função, a Zappos é uma companhia que vende sapatos e acessórios em um site para ganhar dinheiro. Mas a cultura da empresa está relacionada a serviço. Antes mesmo do cliente aparecer, essa característica aparece na forma como tratamos nossas pessoas. Nosso propósito é entregar a “experiência uau” não só no momento de venda, mas em todas as direções.
Definido isso, passamos a buscar profissionais alinhados a essa cultura. Independente da posição para a qual estamos contratando, perguntamos aos candidatos questões que tocam o coração deles. Eles entendem por que uma experiência primorosa é tão importante? Pode haver pessoas com muitas habilidades, mas se elas nos mostrarem que não entendem por que a experiência é tão valiosa, não conseguirão um emprego na Zappos. Habilidades, treinamos, mas não há como treinar alguém para que esteja alinhado ao nosso propósito.
Mundo do Marketing: Conseguir estabelecer um relacionamento próximo com os clientes atuando no mundo virtual tende a ser ainda mais difícil do que no mundo real, não?
Jon Wolske: Há desafios em estar online. Em uma loja física, o cliente vê um rosto, um sorriso, fala pessoalmente, o que facilita a criação de uma conexão. Quando estamos sorrindo ao telefone, o cliente pode até ouvir, mas não tem o mesmo efeito de quando o sorriso é visto. Solucionar um problema é provavelmente mais fácil ao vivo do que online. Mas temos que achar a melhor maneira de lidar com esse relacionamento não presencial. Gastamos muito tempo fazendo com que os funcionários entendam que o trabalho deles é encontrar maneiras de como ajudar os clientes hoje, de verdade.
Mundo do Marketing: Atualmente, existe o desafio extra de gerenciar uma grande variedade de canais de contato. Muitas marcas, por exemplo, buscam dar respostas mais rapidamente nas redes sociais, por conta do impacto das reclamações postadas ali. Como a Zappos lida com isso?
Jon Wolske: Temos que fazer o melhor para passar uma mensagem consistente independente do canal. Para nós, sabemos que a forma mais fácil de estabelecer uma conexão real é por telefone. A interação no chat ao vivo é um pouco menos pessoal, porque o cliente nem pode ouvir a voz do atendente. Ainda assim, tentamos fazer com que as interações ali sejam o mais próximas possível da experiência ao telefone. Os e-mails, por sua vez, subtraem ainda mais dessa conexão, sendo tipicamente mais transacionais, mais direcionados para uma solução.
Aproveitamos qualquer informação colocada nesses canais que não estejam tão relacionadas a compra em si para tornar a interação o mais próxima possível. O cliente pode perguntar sobre o prazo de entrega de um sapato e mencionar que precisa dele com uma certa urgência porque é para um casamento. Faremos o necessário para que ele saiba que prestamos atenção ao que ele disse. Para isso, não padronizamos as respostas.
Também temos uma equipe monitorando as menções à marca nas redes sociais. Se alguém diz que recebeu seus sapatos muito rapidamente, vamos lá responder que ficamos felizes com a satisfação de nosso cliente. Partimos do princípio de que, quando alguém tece esse tipo de comentário, quer receber uma resposta. Quando há uma reclamação, afirmamos que temos um telefone disponível em 24 por sete e que, se a pessoa ainda não nos ligou para ter uma solução, que por favor o faça, porque essa é a única forma de realmente ter aquilo resolvido.
Mundo do Marketing: E como reagir quando um cliente não está sendo razoável em seu pedido? O cliente tem sempre razão?
Jon Wolske: Não, mas o cliente é sempre o cliente e merece respeito. Se ele não está sendo razoável, podemos explicar qual é a nossa política e como a situação irá se desenrolar, da forma mais amigável possível. Em última instância, se há pessoas que estão realmente abusando da Zappos e da “experiência uau” que entregam – e isso ocorre muito raramente -, podemos demiti-las como clientes. Deixamos claro que não podemos entregar o nível de serviço que elas desejam e provavelmente há algum outro varejista que pode. É; como terminar o relacionamento com alguém. Falamos: o problema está conosco e não contigo.
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