Por: Paula Furlan
O termo ‘cidadão’ foi cunhado pelos antigos gregos e significa ‘aquele que goza o direito de cidade’, por meio de obediência civil e cumprimento de deveres a fim de ter o direito à proteção do governo.
A tão famosa ‘cidadania’ é, portanto, o conjunto de direitos e deveres políticos e sociais de um indivíduo.
O consumidor, por sua vez é o indivíduo que consome, não necessariamente o que compra, uma pessoa que demanda bens e serviços proporcionados por um produtor ou provedor.
Portanto, apesar de consumo e cidadania serem teorizados separadamente, os dois conceitos estão profundamente interligados, afinal, o que é o cidadão senão o consumidor do Estado?
Mas os conceitos vão além de meras definições semânticas, existe uma relação multifacetada entre consumo e cidadania, com limites tão tênues que fica difícil entender onde acaba um e começa o outro.
E a maior simbiose entre os dois conceitos se dá por algo que tem ganhado força no Brasil: o direito do consumidor, que nada mais é que uma ferramenta de cidadania fornecida pelo Estado para fazer valer os direitos e deveres do consumidor, exercendo assim sua cidadania.
E o ano de 2013 foi definitivo para que os dois conceitos fossem atrelados, com o lançamento do Plandec: Plano Nacional de Consumo e Cidadania, com a definição, na ocasião, da presidente Dilma Roussef, de “as relações de consumo devem ser construídas por meio de valores morais. É essa troca de valores que aumenta a qualidade dos produtos e das relações entre os diversos agentes da sociedade”.
Para o Idec, consumidor não é apenas aquele que tem poder aquisitivo e participa do mercado de consumo, mas todos os cidadãos que têm direito ao acesso a bens e serviços essenciais para uma vida digna.
O empoderamento do consumidor concomitantemente com uma maior conscientização dos direitos de cada indivíduo enquanto cidadão não pode ser considerado mero acaso. As redes sociais são em parte responsáveis por disseminar tais ideias.
Recentemente, em 2011, houve uma demonstração deste superpoder do consumidor numa rede social. Uma marca famosa anunciou uma coleção de bolsas, calçados e acessórios confeccionados com pele de animais, como raposas e coelhos. Os consumidores imediatamente se insurgiram, mobilizando a rede social por meio de uma campanha, visando o boicote da coleção.
A marca, que investiu pesado no desenvolvimento dos produtos (design, produção, campanha de marketing, aquisição de matéria prima legalizada etc.), após a mobilização dos consumidores, anunciou a retirada dos produtos do mercado. O motivo que levou a marca a amargar um prejuízo gigantesco foi um só: a imagem da merca perante os consumidores, que ameaçaram não adquirir mais nenhum produto daquela empresa.
No entanto, a advogada Ana Paula Oriola de Raeffray, especialista em Direito do Consumidor, vê diferenças essenciais entre consumidor e cidadão. “O cidadão é aquele titular de direitos civis, políticos e sociais dentro de um determinado Território que adota os preceitos da democracia. Sua origem está na Revolução Francesa e na Declaração dos Direitos do Homem, movimentos dos quais sobressai a pessoa física titular de direitos. Um cidadão pode ser ou não ser consumidor”.
Isto porque, segundo ela, para ser consumidor o cidadão precisa preencher as condições previstas no artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Para ser consumidor, portanto, segundo a advogada, não basta ser cidadão, pois ele terá que estabelecer uma relação de consumo. A prioridade da proteção é esta, sem relação de consumo não há consumidor, ainda que ele seja cidadão.
Mas, então, por que consumo e cidadania hoje estão tão atrelados um ao outro?
“Cidadania e consumo são conceitos que têm por princípio o fato de que as pessoas precisam exerce-los para que eles existam”, é o que afirma Tomás Carmona, gerente de relações institucionais da Serasa Experian. Segundo o cientista político André Degensszajn, “o exercício da cidadania é, fundamentalmente, um exercício público”. A origem do conceito de cidadania está na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão. Ao longo dos tempos este conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão, diz Carmona.
“Cabe aqui apenas trazer uma outra reflexão sobre consumismo e cidadania. Os apelos consumistas dos dias de hoje tendem a passar uma ideia errada que só tem cidadania quem tem poder de consumo, principalmente aquele que usa a ostentação como forma de autoafirmação em uma comunidade ou círculo de convivência. Mas o consumo também implica em direitos e deveres, pois cidadãos e produtores de bens e serviços tem ao seu lado as leis e os códigos que os protegem de eventuais abusos de qualquer parte. A sociedade de hoje tende a passar a ideia que só temos cidadania de formos consumidores – mas o exercício da cidadania pode ser feito sem o consumo atrelado”, finaliza.
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