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Bancos versus Bitcoin

por: Afonso Bazolli
em: Opinião
fonte: Valor Econômico
20 de novembro de 2016 - 14:11

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Por: Tatiana Ticami e Danilo Dias Ticami

As repercussões econômicas e sociais das inovações tecnológicas costumam ser bastante variadas, podendo ser desde a aceitação e encantamento até a supressão e rechaçamento por parte daqueles que lucram com a manutenção do status quo e temem a evolução. Como não poderia deixar de acontecer, as moedas digitais igualmente sofrem com a referida discriminação, sobretudo o bitcoin.

Esta espécie de criptocurrency foi criada por Satoshi Nakamoto em 2008 e introduzida no mercado em 2009. Diante de seu imenso potencial, atraiu a atenção de muitas instituições financeiras, gerando um complexo e confuso tratamento: enquanto se busca desenvolver e aperfeiçoar a tecnologia, concomitantemente são adotadas obscuras e veladas políticas anticoncorrenciais para eliminar eventuais competidores.

Evidentemente, a atividade empresarial pressupõe o interesse pela combinação entre maximização da eficiência com redução de custos. Por este motivo, os estudos que envolvem o “blockchain” (banco de dados público descentralizado) demonstram a busca destas instituições é adquirir para si tecnologia, para estudá-la e desenvolver um outro sistema (“distributed ledger technology”) que possa fornecer às partes a confiança para transigirem, sem que necessite de intermediários para realizar a comunicação e liquidação de empresas diferentes.

Curiosamente, nota-se uma tendência das instituições financeiras de implementarem dificuldades para empresas que operam com moedas digitais, tais como o cancelamento de suas contas bancárias ou de toda pessoa que tiver qualquer conexão com bitcoins e/ou que a adote como forma de pagamento.

Inclusive, foi objeto de sentença do Dr. Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, em processo em curso na 22ª Vara Cível, do Fórum Central de São Paulo, um caso relacionado a presente temática, de modo que MM. Juiz determinou que a instituição financeira “abstenha de encerrar, imotivadamente, as contas dos requerentes, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela”. Em outro caso semelhante em curso 3ª Vara Civil, do Fórum Regional III, Jabaquara, a MM. Juíza, Dra. Lidia Regina Rodrigues Monteiro Cabrini, proferiu decisão deferindo a antecipação da tutela “para que o Banco Réu se abstenha imediatamente de efetivar o encerramento da conta corrente (…), mantendo esta mesma conta ATIVA, até decisão final, sob pena de multa diária (…)”.

Com efeito, o contrato de abertura e manutenção de conta celebrado entre uma pessoa e a instituição financeira possui natureza voluntária e sem prazo determinado para expirar as obrigações decorrentes do acordo, podendo ser encerrado unilateralmente a qualquer tempo. Entretanto, o ato de fechamento de uma conta bancária por iniciativa da instituição deve ser motivado e somente aceito quando constatada a ocorrência de fato considerado grave, devendo tal acontecimento ser encaminhado ao Banco Central do Brasil.

Além da indicação das razões do rompimento, existe ainda o dever de comunicar expressamente ao titular da conta bancária acerca do fechamento, possibilitando a adoção das medidas de regularização do saldo restante.

Em mencionado comunicado, deve constar a previsão da manutenção de fundos suficientes, por parte do correntista, para o pagamento de eventuais compromissos com a própria instituição financeira e terceiros, isto nos termos do artigo 12 inciso I da Resolução nº 2.025/93 do Conselho Monetário Nacional.

O modelo de negócio de empresas que operam com bitcoin tende a se assemelhar a práticas no mercado já consolidadas pelas próprias instituições financeiras, como forma de coibir fraudes e os desvios de seus serviços para atividades ilícitas. Muitas, inclusive, têm o costume de reportar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Portanto, alegações a respeito dessas empresas estarem relacionadas certos crimes financeiros, por vezes podem ser infundadas.

Conforme apontado no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, é considerada prática abusiva o fornecedor que se “(…)recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento (…)”. Por sua vez, a jurisprudência tem caminhado para a concretização do artigo 187 do Código Civil, ou seja, o entendimento dos tribunais sinaliza para estabelecimento de limites aos fornecedores ao seu direito de encerrar um contrato.

Vale destacar que o inciso X do art. 22 do Decreto nº 2.181/97 (diploma legal que regula a organização nacional do sistema de proteção do consumidor) dispõe que nas situações em que a presença de cláusula que possibilite o rompimento do contrato de longa duração de forma desmotivada será considerada abusiva, ainda que igual direito seja conferido ao consumidor.

Tal conduta também vai contra o art. 36, IV, da Lei nº 12.529/2011, isto é, há um evidente abuso de posição dominante e uma clara infração contra a ordem econômica, já que estas práticas têm por objeto, direita ou indiretamente, limitar, falsear ou prejudicar empresas que operam com as moedas digitais, de modo que as instituições financeiras possam continuar dominar/dominando o mercado relevante de bens ou serviços, aumentando substancialmente os lucros.

Essas práticas, limitam e/ou impedem o acesso de novas empresas ao mercado, por criarem dificuldade ao funcionamento e/ou desenvolvimento da empresa concorrente.

Vale ressaltar que a Constituição Pátria, em seu artigo 170, tentou preservar a livre concorrência e a defesa do consumidor, por assegurar que tais institutos estejam constituídos na ordem econômica nacional.

Portanto, nota-se que a rescisão unilateral imotivada constitui ato ilícito passivo de responsabilização civil, tendo em vista que fere a normativa do Bacen e do Código de Defesa do Consumidor.

O emprego desse expediente almeja apenas arquitetar um cenário para impossibilitar as operações de startups, cujas pequenas estruturas não se encontram preparadas para suportar o impacto financeiro de ser tolhida do direito de manter conta bancária. Logo, tal prática anticoncorrencial visa impedir o crescimento de um mercado de risco para instituições financeiras, afinal, a reativação da conta normalmente pode ser obtida por intermédio de intervenção jurisdicional.

Tatiana C. B. de M. B. Ticami e Danilo Dias Ticami são, respectivamente, advogada do escritório Advocacia S. Barbosa, integrante do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV, organizadora e coautora do livro “A Revolução das Moedas Digitais: Bitcoin e Altcoins”, advogado do Rodrigues e Ticami Advocacia Criminal, especialista em direito e processo penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Conselho Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

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