Por: Nei S. Zelmanovits, Thais de Gobbi e Pedro Eroles
O termo “Fintech” é comumente empregado em pelo menos dois sentidos, ora significando as novas tecnologias desenvolvidas para a prestação de certos serviços financeiros, ora significando entidades (muitas vezes start-ups) que ou desenvolvem formas tecnológicas inovadoras para a prestação de serviços financeiros, ou simplesmente atuam de forma predominantemente digital no relacionamento com seus clientes.
A forma de atuação das Fintechs sugere que o crescimento dessas entidades no Brasil está relacionado, ao menos em parte, a suas propostas inovadoras de interação com os consumidores, indicando um novo paradigma de atuação e uma potencial mudança no cenário de prestação de alguns serviços bancários.
Em seu Relatório de Estabilidade Financeira publicado em setembro deste ano, o Banco Central manifestou-se sobre as Fintechs declarando que “está vigilante em relação à introdução de inovações na medida em que elas possam ter consequências sobre a solidez do Sistema Financeiro”, e ainda que, caso necessário, “estará pronto para adotar tempestivamente as medidas necessárias para a manutenção da estabilidade do SFN”.
Diante desse posicionamento, surge a questão sobre quais seriam as perspectivas para a regulamentação das Fintechs, considerando o surgimento e expansão do número de empresas desse segmento.
Um primeiro aspecto a ser levado em conta nessa análise diz respeito ao fato de que há uma gama bastante heterogênea de entidades, cada uma com um modelo de negócio próprio, caracterizadas como Fintechs. Assim, há entidades que já se encontram amplamente regulamentadas e sob o âmbito de supervisão do Banco Central (como as emissoras de moeda eletrônica como a Zuum e a ContaSuper, e de cartões pós-pagos, como o Nubank, bem como algumas e-wallets, como o PayPal e a PagSeguro), outras que são indiretamente reguladas (como é o caso daquelas que atuam como correspondentes bancários), chegando até a entidades não reguladas, como é o caso dos agregadores financeiros (por exemplo, o GuiaBolso).
A experiência acumulada até agora, especialmente com as instituições de pagamento e os arranjos de pagamento, sugere que o regulador deverá usar abordagem específica para cada segmento de operação, à medida que houver justificativa suficiente para submetê-lo a regras mais rígidas.
Um segundo dado a ser considerado é o que respeita os potenciais impactos e riscos que essas Fintechs podem trazer ao Sistema Financeiro Nacional. Assim, por exemplo, há entidades que, apesar de aparentemente serem completamente novas, são na verdade amplamente conhecidas do ponto de vista regulatório e já atuam dentro dos parâmetros definidos pela regulação (é o caso de algumas das principais plataformas de crédito em atuação no país, como o Biva e o Nexoos, as quais atuam como correspondentes bancários).
Por outro lado, há Fintechs com forma de atuação inovadora, ainda não suficientemente conhecida pelos reguladores, pelo Poder Judiciário e pelo mercado, como, por exemplo, os agregadores financeiros e as plataformas que atuam com moedas virtuais, como o bitcoin.
Os agregadores financeiros, por exemplo, os quais atuam acessando dados bancários sigilosos de clientes mediante anuência, já suscitam uma discussão quanto à possível responsabilização das instituições financeiras por fraude ou uso indevido de tais informações. Já as plataformas que atuam com bitcoins, conforme já apontado pelo Banco Central em Comunicado de 2014, apresentam riscos relativos à volatilidade de seu valor e a seu potencial uso para atividades ilícitas, dentre outros. Ainda não está suficientemente claro, contudo, se o regulador irá propor parâmetros específicos para a atuação de tais entidades, ou se deixará que o legislador (Poder Legislativo) ou mesmo a jurisprudência (Poder Judiciário), definam modelos operacionais para elas.
Portanto, a discussão quanto à regulamentação das Fintechs deverá ter em vista a complexidade e heterogeneidade dessas entidades, tanto do ponto de vista regulatório quanto do ponto de vista de riscos apresentados ao Sistema Financeiro Nacional e aos consumidores.
Soma-se a essa uma outra dificuldade, relativa à necessária reflexão pelo regulador sobre quais seriam as questões relativas à atuação das Fintechs que realmente demandariam uma maior regulação, de modo a evitar qualquer intervenção que implique efeitos inibitórios no crescimento dessas entidades e nos consequentes benefícios concorrenciais trazidos por sua atuação.
Nei Schilling Zelmanovits, Thais de Gobbi e Pedro Eroles são, respectivamente, sócio e advogados da área bancária e securitária de Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
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