Por: Fernando Torres
Em um país que figura na posição de 72º num ranking de corrupção com 177 países, conforme pesquisa da Transparência Internacional, não deveria ser surpresa saber que, onde existe o agente passivo da corrupção, também há o agente ativo, que é aquele que corrompe ou aceita corromper.
Mas não deixa de chamar a atenção um levantamento inédito feito pela KPMG durante um evento neste mês, realizado em São Paulo, sobre a nova lei anticorrupção brasileira, que entrou em vigor em janeiro deste ano.
Para uma plateia com presença de cerca de 500 altos executivos de grandes empresas do país, foi feita a seguinte pergunta: sua organização poderia participar de atos de corrupção?
Entre os presentes, que se manifestaram de forma anônima, com um controle remoto, 62% admitiram que sim, enquanto apenas 21% negaram a possibilidade e 17% não souberam responder.
Quando a pergunta foi sobre os concorrentes, a crença de que eles se valeriam de práticas ilegais para obter vantagens em contratos com o setor público foi ainda mais difundida. Para 85% dos respondentes, seus competidores corrompem agentes públicos, sendo que 60% consideram que eles fazem isso frequentemente e 25% de forma rara ou eventual.
“Esses dados sintetizam o que está ocorrendo no Brasil e explicam por que o governo está engajado com a lei anticorrupção”, afirma Gerónimo Timerman, sócio-diretor da área forense da KPMG, que revelou os dados.
Ainda durante o evento, segundo ele, 33% dos executivos admitiram que, nos 15 meses anteriores, tinham conhecimento de casos reais de pagamento de suborno em suas companhias, enquanto 67% negaram esse tipo de ocorrência.
Richard Girgenti, líder da área forense da KPMG no mundo, diz que há três fatores que estão colocando o tema da corrupção cada vez mais em evidência. Um deles é a globalização, por aumentar os riscos de relacionamento das empresas com membros de governos de diversos países.
Um segundo é o surgimento de leis como a brasileira em inúmeras jurisdições, com intuito de evitar práticas ilegais, que vem acompanhado do crescimento da cooperação global na investigação de casos de corrupção.
Por fim, ele menciona que a existência de bases de dados informatizadas, que aumentou muito na últimas décadas, facilita a prevenção e a detecção de atividades ilegais. “Temos rotinas e algoritmos que permitem identificar transações fora do padrão ou operações de alto risco de suborno”, explica o especialista.
Ed Goings, também da KPMG, que desenvolve investigações eletrônicas e análise de dados no combate a fraudes empresariais, destaca que sempre que há pagamento de suborno é preciso que tenha havido também algum tipo de fraude no sistema de controle interno da empresa, para que o dinheiro possa sair da organização. “E isso pode ocorrer com um fornecedor ou um empregado falsos, ou com desvio de estoque, por exemplo”, afirma.
Ainda segundo ele, embora algumas áreas das empresas sejam naturalmente mais arriscadas, não é apenas no setor de compras que os desvios podem correr. “Quando se começa a investigar, você encontra anomalias como uma conta de um jantar que custou US$ 5 mil, ou a corrida de taxi que saiu por US$ 2,5 mil”, conta o executivo, citando casos que diz ter visto em seu trabalho.
Segundo ele, as fraudes normalmente são feitas com valores um pouco abaixo dos limites estabelecidos para se pedir uma autorização adicional no nível hierárquico dentro da empresa. “Se despesas acima de US$ 5 mil precisam de um aval superior, você deve verificar se há despesas não apenas de US$ 4.999, mas também de US$ 4,1 mil ou US$ 3,8 mil”, exemplifica Goings, que diz conseguir rastrear muitos dos casos de fraude nos computadores das pessoas. “É surpreendente como as pessoas acham que e-mails não podem ser lidos e o que colocam lá”, afirma.
E os desvios podem ser tanto de dinheiro, como de outros bens. Em um caso eles descobriram que em uma empresa da América do Sul, mas não do Brasil, uma siderúrgica fazia baixas anuais de US$ 2 milhões por ano em estoques, dos quais apenas US$ 600 mil eram perdas efetivas, e o restante ia, em barras de aço que depois eram vendidas, para o gerente da fábrica e para policiais da região.
De acordo com Girgenti, embora oficialmente as áreas de fiscalização e de auditoria interna sejam as principais executoras dos processos antifraude dentro de uma companhia, todos que atuam na empresa são responsáveis pela detecção de problemas. “O conselho de administração deve estar atento à gestão de riscos, a diretoria precisa estar envolvida e é importante garantir que não só funcionários, mas também os fornecedores, estejam bem treinados.”
A questão dos prestadores de serviço é importante porque a lei brasileira, assim como as legislações americanas e britânicas que tratam do assunto, não fazem distinção se a empresa se beneficia de um ato de corrupção praticado por ela diretamente ou por meio de um fornecedor.
Já o envolvimento dos funcionários de diversos níveis da organização é importante porque a maior parte dos casos de fraude são identificados e relatados por pessoas da própria empresa, normalmente por meio de um canal de denúncias, quando ele existe.
Girgenti admite, contudo, que todos os controles que podem ser criados para se evitar casos de corrupção são feitos empresas e indivíduos que estão dispostos a agir corretamente, que ele chama informalmente de “regra dos 90%”, que não tem base em nenhuma pesquisa, mas na sua experiência profissional. “Cerca de 5% das pessoas nunca vão fazer nada de errado, mesmo que a oportunidade apareça. Outros 5% acordam pensando em como montar um esquema. E 90% só vão agir corretamente se souberem que podem ser pegas. É com esse grupo que a gente deve lidar”, afirma o executivo.
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