Por: Vívian Soares
Na era da informação e da transparência, os esforços das empresas para proteger seus projetos dos olhos curiosos do mercado fazem cada vez menos sentido. Em um cenário marcado por rupturas nos tradicionais modelos de negócios, serviços e tecnologias, as companhias vêm adotando políticas opostas à dos “arquivos confidenciais” e criando espaços coletivos de inovação aberta e aceleradoras, convidando startups para participar de projetos conjuntos de desenvolvimento de produtos e serviços. O objetivo é criar um ambiente amigável às novas ideias, estimulando uma cultura interna de criatividade que garanta a competitividade e a sobrevivência do negócio.
“Os projetos corporativos de inovação aberta no Brasil são um fenômeno recente, de pouco mais de cinco anos”, afirma Luiz Guilherme Manzano, diretor de apoio a empreendedores da Endeavor. Ele afirma que vem crescendo o interesse das companhias em desenvolver programas de atração de startups, seja por meio de soluções simples como a criação de espaços de coworking, chegando a modelos mais sofisticados como os de aceleradoras e fundos de investimento. “As empresas perceberam que, por mais que tenham milhares de funcionários, sempre haverá inovação acontecendo do lado de fora. A lógica é fazer com que essas pessoas trabalhem a favor do negócio, por meio de parcerias ou troca de conhecimentos”, diz.
Uma das primeiras companhias a lançar um programa de inovação aberta no Brasil foi a Telefônica. Além de um fundo de investimento com foco em novos negócios, a empresa tem uma aceleradora de startups, a Wayra, que surgiu em 2011 como um projeto piloto na Colômbia e hoje está presente em 17 países.
De acordo com Renato Valente, country manager do Telefônica Open Future, todos os anos a companhia seleciona até 15 startups brasileiras para receber consultoria externa gratuita, além de mentoria com altos executivos da Vivo. “Selecionamos projetos que tenham um encaixe estratégico com o nosso negócio e nos ajudem a resolver problemas. Ao mesmo tempo, damos apoio para que essas empresas consigam construir um grande case”, explica.
Um dos objetivos estratégicos da aceleradora, segundo Valente, é estimular os executivos da Telefônica a desenvolverem uma visão diversa e holística de negócios ao conviverem diretamente com empreendedores e suas ideias. “Estamos vivendo uma grande transformação no mercado. Os ciclos de desenvolvimento de produtos tendem a ser mais rápidos e o contato com as startups traz esse aprendizado para a nossa companhia”, diz.
Desde o começo da Wayra no Brasil, 90 profissionais da Telefônica estiveram envolvidos na aceleradora, entre executivos mentores e equipe diretamente responsável. A empresa tornou-se um caso de sucesso em inovação aberta e hoje recebe consultas de outras companhias interessadas em desenvolver programas similares. “O mercado percebeu que esse é um caminho sem volta”, diz.
Na Braskem, o projeto de inovação aberta começou em 2015 com uma chamada para novas empresas que desenvolvessem soluções na área de plásticos. “Buscamos ideias inovadoras que também tenham um componente de sustentabilidade”, explica Luiz Gustavo Ortega, um dos coordenadores do Braskem Labs. O laboratório de empreendedorismo oferece um programa de capacitação de seis semanas às startups e mentoria com executivos da Braskem durante quatro meses. Na última edição, que aconteceu no ano passado, 12 novos negócios compartilharam seus desafios com seis diretores e seis gerentes da empresa.
Para participar do projeto, os mentores também passam por um processo de seleção – os interessados inscrevem seus currículos, passam por entrevistas com uma aceleradora parceira da Braskem e são alocados para trabalhar com as startups em que possam contribuir de forma mais eficiente. “A ideia é fazer um processo de engajamento do mentor com o desafio que a empresa está enfrentando”, afirma Ortega.
O objetivo inicial da Braskem, conta ele, era identificar novas aplicações e tecnologias para o negócio, mas outros benefícios foram sendo percebidos com o passar do tempo. “O retorno é muito positivo. Os executivos ganham uma nova energia e um senso diferente de oportunidade”, diz. Como os mentores nem sempre trabalham diretamente em suas áreas de especialidade, desenvolvem outras habilidades técnicas e formas de relacionamento.
No ano passado, o Braskem Labs começou a dar frutos. Inspirado pelo contato com as startups, um dos mentores lançou em junho um projeto interno chamado Empreendedor do Futuro, em que convidou funcionários de todas as áreas da empresa para desenvolver soluções inovadoras. Em três meses, surgiram 150 ideias. “Fizemos uma banca de seleção, filtramos os projetos e no final mantivemos sete equipes, com um total de 40 funcionários envolvidos”, diz Walmir Soller, responsável pelo projeto e diretor da área de negócios de polipropileno da companhia.
A experiência com os empreendedores do Braskem Labs, segundo Soller, foi essencial para o desenvolvimento do projeto. “Um grande aprendizado foi entender que, mesmo se uma ideia não der certo, ela já traz resultados em termos de engajamento e liberdade de inovar”, diz.
Os impactos dos projetos de inovação aberta no capital humano das empresas podem ser transformadores, afirma Luiz Manzano, da Endeavor. Os executivos de organizações tradicionais, segundo ele, tendem a ser expostos aos mesmos paradigmas em seu cotidiano de trabalho e precisam desse contato com novos empreendimentos para enxergar riscos e oportunidades. “É melhor poder observar e participar da criação de tecnologias que vão matar o seu negócio do que assistir a distância. A exposição à dinâmica de uma startup diminui complexidades e burocracia, além de gerar uma percepção de urgência e da necessidade de se reinventar”, afirma.
Na Algar Telecom, os resultados do programa de aceleração de startups na cultura interna também já começam a aparecer. Em 2013, a empresa criou uma área de gestão da inovação, e dois anos depois, lançou a aceleradora, que oferece acompanhamento técnico, mentoria e recursos financeiros aos empreendedores selecionados.
De acordo com Rodolfo Ribeiro, especialista em inovação da empresa, os executivos da Algar Telecom participam de treinamentos antes de iniciar os projetos com as startups e, muitas vezes, precisam buscar conhecimentos e ativar sua rede de contatos para ajudá-las a solucionar seus desafios. Os impactos já podem ser observados nos processos seletivos mais criativos, na melhora do relacionamento dos mentores com suas equipes e na eficiência dos processos internos.
“As métricas de avaliação e os espaços internos da empresa também estão ficando mais abertos”, diz. Além da aceleradora e da Algar Ventures Open, que atua com empresas que já deixaram de ser startups, a Algar Telecom tem três espaços de coworking: um na sede da empresa, um em uma universidade e outro no centro da cidade, todos em Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Na Telefônica, a parceria com o setor acadêmico também é parte da estratégia de inovação aberta – a empresa tem laboratórios em seis universidades brasileiras, onde trabalha em conjunto com pesquisadores, alunos e professores para resolver desafios do negócio. “O Brasil tem uma produção científica importante que não é colocada em prática. Nossa proposta é transformar essa criação em inovação real”, afirma Renato Valente.
Para muitas das empresas que desenvolvem programas de aceleração e empreendedorismo, as universidades são também um ponto de captação de talentos. Na Votorantim Metais, por exemplo, a divulgação do lançamento do projeto Mining Lab, em outubro do ano passado, aconteceu em universidades parceiras, além da plataforma iTec, do Ministério da Ciência e Tecnologia, muito utilizada por acadêmicos e pesquisadores. “Também comunicamos em redes sociais e feiras de empreendedorismo”, afirma Rodrigo Gomes, gerente de inovação e tecnologia da Votorantim Metais.
A empresa recebeu 115 inscrições e selecionou as 20 ideias mais aderentes aos desafios do negócio. “Buscamos projetos de nanotecnologia e energias renováveis aplicadas à mineração, porque sabíamos que o mercado já vinha produzindo soluções nessas áreas”, afirma Gomes. As startups receberam apoio jurídico e de documentação, fizeram imersões em aceleradoras e trabalharam em um espaço de coworking junto com orientadores da empresa. “Nessa fase, discutimos modelos de negócios e demos treinamentos de gestão. Cada startup tinha um desafio diferente: algumas precisavam de consultoria em marketing, outras em finanças”, diz. Nesse momento, a primeira “turma” de empreendedores está na fase de testes industriais de seus projetos e de fechar contratos.
Os modelos de parceria nessa fase final de relacionamento com os empreendedores variam de acordo com o projeto de aceleração e podem incluir contratos como fornecedores ou participação da empresa organizadora em uma porcentagem da startup. Os mais bem-sucedidos, segundo Luiz Manzano, da Endeavor, não criam “amarras” para o empreendedor e se baseiam em relacionamento e cocriação.
“Não se trata de uma relação tradicional de chefia, mas de liderança. Essa é a grande lição para as empresas ao lidarem com esse perfil empreendedor: elas reavaliam sua relação com seus diferentes ecossistemas e os estimulam a crescer, pensar grande e a negociar”, diz.
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