Por: Adriana Mattos
Não anda nada fácil convencer o consumidor a gastar mais com moda no pior ano para o varejo na última década. Roupas e calçados, produtos na liderança da lista de itens de compra por impulso, sofreram com os cortes no orçamento do consumidor. Por conta dessa desaceleração nas vendas, esses varejistas deveriam sentir, de forma unânime, o baque em seus resultados. Mas há consideráveis diferenças de desempenho entre as cadeias de capital aberto.
Enquanto Marisa e Hering perdem vendas, encolhem margem operacional e lucros caem de janeiro a março, a Renner apurou alta de 24% na receita, ganhou rentabilidade (quase quatro pontos, para 13%) e o lucro subiu 44%. Na Guararapes, controladora da Riachuelo, com resultados melhores que Marisa e Hering, as vendas com mercadorias cresceu 16,8%, o lucro subiu, mas a margem operacional diminuiu.
Números já entregues e perspectivas de curto prazo também se refletem no valor em bolsa. Desde o começo do ano, a cada virada de mês, a Renner rompe um novo patamar de preço de ações. Entre fim de fevereiro e início de março, passou da faixa dos R$ 70 por papel e atingiu cotação superior a R$ 80. Em abril, entrou no patamar dos R$ 90, até que saltou, no começo de maio, para mais de R$ 105. A cada trinta dias, a ação se valoriza, em média, 10%, levando-a a um valor de mercado de R$ 14,3 bilhões na segunda-feira – 50% mais que o registrado no fim de 2014. No intervalo, a bolsa subiu 12,4%.
É um movimento oposto ao de suas concorrentes. Hering perdeu cerca de um terço de seu valor neste ano, e valia R$ 2,2 bilhões na segunda-feira. Na Marisa, a desvalorização foi de 12%, para R$ 2,4 bilhões. Guararapes, dona da Riachuelo, perdeu 12,6% do valor.
O que analistas passaram a relatar em relatórios são as razões das discrepâncias. São várias, e se estendem desde a origem do negócio das companhias até medidas estratégicas mais simples, como a agressividade da comunicação. A Renner parece errar menos. “Há uma combinação de fatores, sendo a gestão do negócio como fundamental. A rede tomou decisões corretas nos últimos anos que a colocam nesta posição atual e a ajudou a colocar num movimento anticíclico, oposto ao da dinâmica do resto do mercado”, disse João Mamede, analista do Santander.
A Renner tem uma espécie de “colchão de segurança” maior. Especialistas citam, por exemplo, o fato de a cadeia ter mais lojas em shoppings do que nas ruas. Esses empreendimentos têm crescido numa velocidade, pelo menos, três vezes superior à média do varejo. Analistas calculam que 93% dos pontos da Renner estejam em shoppings, uma das mais altas taxas entre as cadeias. Apesar do custo de ocupação maior nos shoppings, como as redes de moda são lojas-âncoras, que atraem tráfego, os contratos são melhor negociados. “O shopping cresce mais, e a Renner cresce junto”, diz Mamede.
O perfil mais variado de público da Renner também ajuda a resistir na crise atual. Redes como Marisa e Hering seriam mais afetadas pela fuga da classe C das lojas. A Marisa tem foco principal nesse segmento, e já admitiu que sentiu retração na demanda. Na Hering, o impacto é maior nas lojas multimarcas (são 18 mil unidades, muitas em pequenas cidades, que respondem por quase a metade da receita trimestral da marca), onde boa parte da oferta é de itens básicos, que atendem a classe de menor renda.
Além disso, entra nessa conta o modelo de operação das redes. A Hering ao contrário das outras cadeias, opera o sistema de franquias, que pode reagir mal às crises. A companhia vendeu R$ 155 milhões em suas franquias no primeiro trimestre e menos de R$ 50 milhões em lojas próprias. Outros R$ 190 milhões vieram de pontos multimarcas. Portanto, mais de 1/3 de suas vendas são determinadas pela estratégia de franqueados, que, em tempos mais difíceis, reduzem a agressividade, protegendo caixa e buscando comprar mercadorias de menor valor, e às vezes, também de menor margem. “Hering tem menor controle da compra do que a Renner ou Riachuelo” diz o analista da Votorantim Corretora, Luiz Cesta.
Especialistas também observam que as aberturas de novas lojas da Renner há dois ou três anos foram mais acertadas do que de Marisa ou Riachuelo. Esses resultados entram no índice de vendas “mesmas lojas”, que na Renner subiu 16,5% neste ano, ou duas vezes e meia acima da velocidade de crescimento na Riachuelo, a rede com o segundo melhor indicador de “mesmas lojas”, com alta de 5,8%.
A rede ainda tem conseguido oferecer coleções que caem mais no gosto do consumidor. Com isso, acaba fazendo menos queimas de estoque, o que joga a margem para baixo. Já a rede Marisa teve que reposicionar sua coleção em 2014, tentando apostar mais em itens de menor preço, o que ainda não gerou o volume de vendas esperado. E a Riachuelo sentiu problemas de falta de produtos básicos em suas lojas no ano passado.
Análise da gestora de recursos Dynamo, com 5,1% das ONs da Renner, aponta razões da trajetória de resultados da rede. Menciona a contribuição relativa do resultado financeiro menor na Renner, “sugerindo uma exposição comercial mais robusta e menor exposição às flutuações dos ciclos econômicos”. Numa avaliação do passado recente, a Dynamo cita um processo de mudanças de comando na empresa, após a saída da J.C.Penney, em 2005, que aconteceu sem solavancos.
“Enquanto a propriedade das ações trocava de endereço, o ‘papel de dono’ foi preenchido pela atuação de executivos competentes”, escreveu, e sem perdas de peso da equipe que tem liderado a empresa na última década. Sobre possíveis riscos, a gestora menciona o volume de capital investido na Renner, pois o aumento de recursos comprometidos exige retornos em momento econômico difícil e cita ainda o processo de sucessão de José Galló, presidente da companhia, embora considere a possibilidade de transição tranquila.
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