Por: Jairo Saddi
Com desconcertante naturalidade, o CEO do grupo financeiro HSBC, Stuart Gulliver, desistiu do Brasil. No México, ao contrário, o banco continuará de portas abertas. Para explicar a atitude de concentrar atividades na Ásia, mas, ainda assim, não deixar a América Latina, o executivo argumentou que o “quadro é diferente no México, onde a economia é aberta e há 11 reformas em curso”. O Brasil tem PIB quase 35% maior e população 70% mais numerosa, mas, ainda assim, Gulliver prefere o México. “Brasil (e Turquia) são economias mais fechadas, com pequeno percentual das exportações sobre o Produto Interno Bruto”, disse, citando dados do comércio exterior: as exportações brasileiras, por exemplo, respondem por 10% do PIB, enquanto no México atingem 31%.
A atitude difere, e muito, das expectativas originais. “Queremos ser o maior banco comercial do Mercosul”, declarou, na época, Michael Geoghegan, presidente do HSBC-Bamerindus, depois de estabelecer que sua estratégia seria caracterizada como “focada no público de baixa renda”, ou como ele preferiu, uma “aposta na popularização” (Exame, 21/5/1997). O que deu errado?
Segundo dados de 2014, o HSBC Brasil tem US$ 63 bilhões de ativos e está em sexto lugar no ranking dos maiores bancos no mercado brasileiro. O quinto, o Santander, detém US$ 225 bilhões em ativos. É preciso multiplicar por quatro, pelo menos, o volume de negócios, para que o HSBC possa concorrer no varejo, e, convenhamos, gerir um banco deste tamanho é tarefa árdua.
Depois, para um banco com foco em trade finance, a falta de abertura comercial do país é empecilho relevante. E, para não deixar dúvidas sobre a razão de permanecer no México e não no Brasil, Stuart Gulliver afirmou: “É lógico estarmos no México, uma economia aberta, com reformas e ligada aos EUA”. Vale dizer, reformas do governo Enrique Peña Nieto, (telecomunicações e petróleo e gás, principalmente) impulsionam investimentos e negócios no país. “Isso é transformação”, resumiu ele, ressaltando que o México está geograficamente situado ao lado dos EUA, o que o credencia como exportador, especialmente para as indústrias automotiva e aeroespacial.
Além das consequências da saída do HSBC em termos de concorrência no setor bancário e da questão sobre quem será seu sucessor, já que a operação brasileira será vendida e não afetará sua base de clientes, há lições a serem aprendidas. Se o México aparece como favorito dos investidores a despeito da hegemonia brasileira na América Latina nas últimas décadas, a culpa é inteiramente nossa. Fazer negócios no setor bancário nos últimos anos tem sido uma quase-aventura. Para não mencionar a extrema volatilidade econômica, taxas de juros e risco crescente, ônus regulatório, cunha fiscal elevada, incertezas tributárias, planos econômicos discutidos no Judiciário, enfim, custos de transação elevadíssimos, o Brasil está deixando de ser atraente para os estrangeiros, e, para um país de baixa poupança, isto deveria ser motivo de preocupação de todos.
Os holandeses desistiram do Brasil em 1654 para plantar cana no Caribe e agora não se esperava que os britânicos do HSBC (seu fundador foi um escocês, Thomas Sutherland, que vivia em Hong Kong, em 1865) fizessem o mesmo. Igual mantra foi repetido por Eduardo Campos antes de sua morte trágica – “Não vamos desistir do Brasil”. Mas é preciso mais que um slogan para reverter expectativas ruins. É preciso que se forme uma agenda positiva na sociedade, com base em um diagnóstico frio e realista sobre os imensos dilemas de se fazer negócios no Brasil e acabar com esta noção perversa de que lucro de banqueiro (e em especial, banqueiro estrangeiro) é pecado.
Bancos geram crédito que em qualquer economia equivale ao sangue de um corpo vivo. Enquanto nosso sistema financeiro é extremamente sólido e bem regulado – e o HSBC não está saindo do Brasil por estas razões -, nosso ambiente econômico ainda é hostil e difícil. E se ainda pretendemos ser o país do futuro um dia, melhor seria se estrangeiros anunciassem aumento de investimento por aqui.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP), é diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Escreve mensalmente às segundas-feiras.
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