Cada vez mais empresas usam equipes de estatísticos para descobrir as necessidades e os desejos de seus clientes com base na análise matemática de hábitos de compra
Por: Renata Agostini
A rede americana de supermercados Target, uma gigante com faturamento de 70 bilhões de dólares e 1 800 lojas nos Estados Unidos, tornou-se uma das maiores varejistas do país ao aplicar com sucesso a receita de variedade de produtos a preços baixos.
A logística afiada e a enorme capacidade de espremer seus fornecedores são, no entanto, apenas a parte mais visível da estratégia da empresa. É em sua sede, em Minneapolis, no estado de Minnesota, longe dos olhos de seus milhões de consumidores, que a Target mantém sua grande arma na briga com a concorrência.
Lá, uma equipe de estatísticos trabalha na análise do banco de dados da empresa com uma missão: entender o que cada cliente compra e, principalmente, prever o que poderá comprar. É com base nos achados desse grupo de técnicos que a empresa monta sua estratégia de marketing.
O nível de sofisticação é tamanho que a Target é capaz de identificar, por exemplo, quais de suas clientes estão grávidas — e até quando darão à luz — sem que elas tenham divulgado nenhuma informação a respeito.
A equipe em Minneapolis identificou 25 itens que indicam a gravidez e um alerta aparece no sistema sempre que uma cliente passa a comprar os produtos da lista, que inclui algodão, sabonetes sem cheiro e vitaminas como zinco e magnésio.
Vários estudos de mercado apontam que pessoas que passam por mudanças importantes na vida, como casamento, divórcio, mudança de casa ou expectativa de ter um filho, estão mais propensas a se ligar a uma só loja para fazer compras, em vez de peregrinarem por vários estabelecimentos.
Segundo a análise de seus estatísticos, a Target descobriu que o melhor momento para abordar as grávidas, influenciadas por alterações hormonais, emocionais e também por questões práticas, é a partir do segundo trimestre de gestação.
Depois que as futuras mamães são identificadas, o departamento de marketing da rede passa a bombardeá-las com promoções e correspondências para atraí-las e, se possível, retê-las por anos.
A sofisticada estratégia da Target tem como embrião a regra mais preciosa, e antiga, das relações comerciais. Nada mais fundamental para um bom negócio do que saber o que o cliente quer. Também é desejável saber o que o consumidor ainda nem desconfia que quer, mas vai querer um dia se for abordado da forma correta.
Durante décadas, isso foi praticamente impossível. A busca por informações sobre as preferências dos consumidores fiou-se em métodos analógicos de pesquisa, como aplicação de questionários e entrevistas de satisfação nas lojas. Não mais. A invenção de ferramentas para interpretar as vontades dos clientes, como os cruzamentos de dados da Target, está revolucionando o marketing das empresas.
Softwares poderosos aliados a programas de fidelidade permitem a coleta de muito mais informação sobre os clientes. E o mais importante: permitem que as empresas saibam o que fazer com ela. Chamado de garimpo de dados, ou data mining, o método está se popularizando velozmente e criando uma nova indústria.
Gigantes como IBM, Oracle, SAP e Microsoft já investiram mais de 15 bilhões de dólares na aquisição de empresas especializadas em análise e gerenciamento de dados para oferecer o serviço a redes varejistas, indústrias dos mais variados setores e cadeias de restaurantes.
De acordo com a consultoria IDC, esse é um mercado que deve alcançar um faturamento anual de 17 bilhões de dólares dentro de três anos. “Não há limites para o que esses bancos de dados podem dizer sobre os desejos dos consumidores. É hoje a chave para a estratégia de marketing de todas as empresas”, afirma o publicitário dinamarquês Martin Lindstrom, autor dos livros Brandwashed e A Lógica do Consumo.
Muitos consumidores não fazem ideia de que todo esse processo começa por uma ação deles mesmos. São os próprios clientes que fornecem livremente a maioria das informações usadas pelas empresas. Isso acontece, por exemplo, no uso de cartões-fidelidade e de cupons, nos acessos aos sites de comércio e até nos simples registros das compras.
A rede americana de cafeterias Starbucks criou um aplicativo de celular para conhecer melhor seus consumidores. O cliente registra cada compra e, ao completar 15, ganha da Starbucks uma bebida.
As informações fornecidas levam a empresa a saber quais os produtos favoritos de cada consumidor e em que período do dia ele frequenta determinada loja. De posse dessas informações, a Starbucks cria promoções para incentivar os clientes a visitar mais suas unidades.
No Brasil não é diferente. A rede de supermercados Pão de Açúcar reúne dados de consumidores por meio do programa de recompensa Mais, criado em 2000 e que hoje possui mais de 2,6 milhões de clientes cadastrados. Desde o fim de 2010, em parceria com a consultoria Dunnhumby, especializada em coleta e análise de dados, a rede varejista estuda as informações do Mais.
A equipe consegue identificar, por exemplo, quando um cliente deixa de incluir em seu carrinho um produto que costumava comprar. Ou se ele diminuiu sua frequência de compras. Diante disso, a empresa pode falar diretamente com aquela pessoa e enviar promoções por e-mail ou por mala direta para atraí-la novamente.
“O sistema nos permite saber até o que o cliente não gostaria de nos dizer. E isso é muito poderoso”, diz Cristina Serra, diretora de marketing do Pão de Açúcar. As descobertas feitas pela empresa também são vendidas para 19 fornecedores, entre eles Unilever, Procter&Gamble e Colgate.
Nesse jogo de espionagem, as empresas que estão na internet levam alguma vantagem. Cada passo dado por quem navega por um site de compras é facilmente rastreado.
A Diapers.com, braço para o mercado de produtos para bebês da gigante americana do varejo digital Amazon, desenvolveu um sistema capaz de calcular quanto cada novo cliente vai gastar na empresa ao longo de sua vida com base na análise de quais e quantos produtos foram adquiridos no site e de informações como endereço, sexo e idade.
Com o resultado em mãos, a varejista decide quanto deve investir para direcionar anúncios para cada cliente. Já a gaúcha Renner, que tem presença tanto na internet quanto em lojas físicas, firmou no início do ano passado uma parceria com a Oracle para melhorar o uso de seu banco de dados, cruzando informações de compras feitas nas lojas com comentários sobre moda em sites como Twitter e Facebook.
A Renner espera que, em breve, as informações coletadas no sistema possam ajudá-la a definir que tipo de roupa e tecido deve entrar nas próximas coleções.
Mesmo sem revelar números, as empresas admitem que têm no garimpo de dados dos clientes um ótimo caminho para aumentar seus lucros. A prática, contudo, já é alvo de críticas. Há clientes que consideram que sua privacidade é violada por essas estratégias comerciais e isso pode levá-los a abandonar as empresas — ou até partir para processos judiciais.
Nos Estados Unidos, companhias como McDonald’s, Target, Walmart e Victoria’s Secret já foram processadas por consumidores que se sentiram desrespeitados. Apesar de muito eficientes, tudo indica que os modelos matemáticos desenvolvidos pelas empresas ainda não são capazes de antecipar a propensão de determinados clientes a buscar seus direitos nos tribunais.
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Excelente matéria. Sempre que falo sobre esse assunto digo que nós ainda não conseguimos mensurar o poder de um banco de dados. Quando utilizado de forma correta pode proporcionar ótimos resultados.
Estamos caminhando para um mundo completamente ligado, a integração das ferramentas e redes sociais causa até um certo “frio na barriga”. Afinal será que temos a exata noção dessa integração? Imagine todos nossos hábitos de compra de produtos, de utilização de serviços interagindo com nosso perfil no facebook, linkedin ou foursquare com localização via gps, a foto de nossa casa no street view, aliados a empresas fornecedoras de dados (skip trace) através de nosso CPF (telefones, endereços, empresas, familiares, vizinhos)… Realmente é assustador como consumidor. Ou seria como cidadão?
Na verdade é algo que não temos muito o que fazer, afinal de uma forma ou de outra acabamos fornecendo nossos dados. O que podemos é tentar diminuir esse efeito negativo fornecendo o quanto menos nossos dados.
Porém como empresa essa integração pode e deve ser muito lucrativa. As empresas que tiverem essa linha de pensamento e saberem coletar e cruzar dados de forma inteligente vão sobreviver, as outras, podem ter um destino mas obscuro.
Quer ter uma noção básica de banco de dados? Acho que um ótimo exemplo é o site Akinator. Apesar de uma simples “brincadeira” em que um gênio advinha o personagem em que você está pensando, o site mostra o resultado de um cruzamento de dados aliado a perguntas e respostas eficazes.
Ou seja, após conseguir informações, as empresas devem fazer as perguntas certas, pois de outra forma, de nada adianta ter o melhor e mais completo banco de dados.
Um abraço!