Uma das lembranças mais agradáveis que tenho da minha infância eram os sábados de manhã em que eu e meu melhor amigo nos reuníamos para jogar videogame. Eu acordava cedo e ficava esperando até a hora dele chegar ou do meu pai me levar até a casa dele. Era o máximo! Jogávamos clássicos do Mega-Drive por horas e quando enjoávamos, íamos brincar de Cavaleiros do Zodíaco, futebol ou basquete na garagem. E assim passava o sábado, em um piscar de olhos.
Os games fazem parte da minha vida desde que me entendo por gente. A mais antiga lembrança que tenho deles é jogando Pitfall no Nintendo 8 bits (aquele com o cartucho do tamanho de um prato) com a minha irmã no quarto dos fundos do apartamento onde morei até meus 24 anos. Agora, com quase 30, questiono a influência que as milhares de horas de jogos tiveram para a minha formação profissional e pessoal. Anos atrás, quando comprei um XBOX360 após anos sem ter um videogame em casa, me dei conta que eles dificilmente sairão da minha vida. Por mais que eu ficasse um bom tempo sem jogar, e mal tenha tempo de jogar agora, eu sempre acabo caindo na “armadilha” de comprar um novo e ser sugado pelo mundo virtual.
Não sei o motivo, mas sempre acreditei na tese que os videogames contribuíram para o desenvolvimento de algumas habilidades pessoais minhas, será que estou certo? Como a indústria dos games não para de crescer e jovens ficam boa parte do seu tempo na frente de uma tela sem piscar, vários estudos científicos têm buscado responder a pergunta: Afinal, os games fazem bem ou mal?
Uma coisa é certa: jogos eletrônicos alteram o seu cérebro da mesma forma que tocar piano, ler um livro e caminhar pelas ruas de uma cidade que você não conhece faz. E não de forma figurada, mas fisicamente, segundo o psicólogo Shawn Green da Universidade de Wisconsin. Isso me faz lembrar uma notícia que li anos atrás sobre o clássico jogo Tetris (lembra aquele jogo de encaixar peças que vão caindo?) aumentar a massa cinzenta do cérebro – só para frisar, a massa cinzenta é praticamente onde tudo acontece no nosso cérebro. A notícia me chamou tanta atenção que até hoje comento em algumas conversas.
Os benefícios dos games são enormes. A autora do livro “A Realidade em Jogo”, Jane McGonigal, diz que eles: facilitam o aprendizado e melhoram a criatividade em crianças, aumentam a produtividade no trabalho, reduzem sintomas de autismo e déficit de atenção e geram aumento de emoções positivas como alegria, confiança e otimismo. E tem uma coisa muito importante, nos games você fracassa 80% do tempo! (Principalmente nos dificílimos jogos das décadas de 80/90.) Isso deve ter algum impacto positivo na sua vida profissional. Quem sabe na resiliência?
Vença o medo, supere a dificuldade e ganhe autoconfiança. É assim que os jogos funcionam, se esforce para fazer algo e seja recompensado — apesar de ser uma recompensa abstrata. Lembro quando terminei o jogo Dark Souls após 84 horas de sofrimento e me senti o máximo (ele é considerado um dos games mais difíceis de todos os tempos). Como é o mercado profissional? Como você se sentiu quando passou no vestibular, conquistou um emprego bacana ou uma promoção depois de tempos trabalhando duro?
Os jogos também tornam as pessoas mais adaptáveis, já que cada desafio exige uma habilidade, raciocínio ou capacidade de foco diferente, forçando você a agir conforme a situação. Também melhoram a capacidade de monitoramento e a memória (exceto a minha). Decisões são tomadas em um piscar de olhos, e jogadores habilidosos, de fato, tomam decisões 25% mais rápido do que as outras pessoas, sem comprometer a eficácia, e conseguem agir com 4 vezes mais agilidade do que as outras pessoas. Impressionante, não?
Mas não basta descobrir se os games geram benefícios, é preciso que tipo de jogo gera o quê. Afinal, não dá para crer que jogar Angry Birds utiliza as mesmas áreas do cérebro do que um Call of Duty (jogo de tiro em 1ª pessoa). O primeiro estudo que busca entender os benefícios a partir de diferentes gêneros vem de Cingapura e confirma a tese de que games melhoram a capacidade cognitiva, e que diferentes habilidades são trabalhadas dependendo do game que você joga. Embora o estudo esteja longe de ser conclusivo, os pesquisadores sugerem que jogos de ação levam a maior “transferência das habilidades”, ou seja, o que você exercita no jogo, é mais facilmente levado para sua vida pessoal e profissional. O estudo deixa claro que diferentes estilos desenvolvem habilidades cognitivas diferentes, os games possuem uma relação de causa e efeito na cognição humana e na sua percepção das coisas.
Uma coisa interessante que esse estudo de Cingapura sugere é uma ligeira superioridade das telas pequenas sobre as telas maiores, notou-se um aumento na atenção e no aprendizado (verbal spam). O que é muito interessante considerando a popularidade dos games para celular.
O PROBLEMA DA VIOLÊNCIA
Games desenvolvem habilidades, ponto. Mas jogar apenas jogos violentos é um problema, ponto. Infelizmente, os jovens de hoje passam horas jogando violentos games online. Isso não acontecia na minha época (e hoje não gosto) quando o máximo de violência que se tinha era arrancar a tartaruga do caso com um pulo na sua cabeça. Jogos com enredos elaborados (Mass Effect), de estratégia (Crusader’s Kings II) ou que que demandem muito raciocínio (Cut the Rope, meu jogo favorito de celular) tem poucas chances com esse público. Não à toa, o game mais vendido de 2012, Call Of Duty: Black Ops , é de guerra e vendeu 20 milhões de cópias, o dobro do segundo lugar.
Estudos mostram que jogos violentos deixam as pessoas mais agressivas mesmo depois de terem largado o controle. Basta uma semana para essa violência começar a ser visível no cérebro – através de análises cerebrais. Eu acredito que jogos violentos não devam ser culpados pelo aumento da violência na sociedade, o problema está mais para educação dos pais. Se você deixa o seu filho de 14 anos jogar um game de guerra feito para adultos (games também têm restrição de idade, embora não funcione no Brasil), você não está educando ele direito. O que considero um problema é esse tipo de jogo ser a grande preferência dos jovens. Ainda é uma minúscula do mercado que valoriza jogos inteligentes como Limbo, Civilization ou Portal.
Como quase tudo na vida, o que faz mal é o excesso, a forma como você usa. O tipo de jogos que joga, o tempo que destina a eles, o dinheiro que gasta. Tudo afeta a sua vida pessoal. Games são uma grande ferramenta social, ajuda pais a se relacionarem melhor com os filhos, crianças a fazerem novas amizades e estreita laços com amigos em qualquer idade. Lembra que eu ia para casa do meu amigo jogar e acabava no futebol? Um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine em 2010 comprovou que crianças que jogam videogames brincam mais fora de casa. O mito de que os jogos comprometem a sociabilidade da criança cai por terra. Eles podem, mas está mais relacionado ao relacionamento com os pais e a educação que recebem.
A previsão para o meu futuro nos games não parece animador. Mestrado, casamento e filhos somam-se as já cansativas rotinas de trabalho e casa. Mas não tenho do que reclamar, conquistei muitas princesas, salvei o mundo várias vezes, ganhei guerras e campeonatos. Agora é a hora de conquistar tudo de novo, mas na vida real.
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