Por: Miriam da Silva Nascimento
A habilidade de comunicação oral e escrita foi considerada a terceira competência mais relevante no cenário brasileiro, segundo levantamento da Affero Lab, empresa especializada em educação corporativa. Junto com as duas primeiras da lista: facilidade para se relacionar e para aprender. Para Alexandre Santille, CEO da Affero Lab, deficiências nessa competência geram mal-entendidos, retrabalho e até problemas de relacionamento entre as equipes.
Na farmacêutica Supera Farma, falhas na comunicação escrita estavam causando problemas na geração de negócios. A equipe interna da diretoria comercial produz, com periodicidade, conteúdo sobre a estratégia promocional dos produtos, com base em análises do departamento de inteligência de negócios. Esse material fica disponível para os propagandistas, que trabalham externamente. Só que a informação que saía da empresa não era exatamente a que chegava à outra ponta.
“Percebemos que havia problemas na explicação e exposição da estratégia de venda dos produtos, pois a equipe externa encontrava dificuldade para abordar os pormenores de maneira clara, concisa e coerente”, diz Rodrigo Gomides, gerente de treinamento de vendas da Supera Farma.
Identificada a situação, descobriu-se que a falha não estava nos vendedores externos. “Perguntávamos se eles haviam lido os materiais. A resposta era positiva, mas o entendimento do conteúdo não era preciso”, conta Gomides.
Foi aí que a Supera Farma foi em busca de um curso de comunicação escrita para sua equipe comercial. Em maio, cerca de 20 profissionais da farmacêutica participaram de um curso presencial de 32 horas, desenvolvido e adaptado pela Faap para as necessidades do negócio. Não foi um programa para tratar apenas erros gramaticais. “Uma comunicação escrita eficiente vai além disso”, diz Gomides.
Ao mesmo tempo, a empresa trabalhou na outra ponta do “telefone sem fio” e implementou testes de compreensão de conteúdo nos processos de recrutamento dos colaboradores externos. “Embora todos tenham formação superior, alguns têm dificuldade na interpretação de textos.”
Gomides diz que é difícil mensurar o impacto das ações, mas que, ao observar o dia a dia dos negócios, vê resultados. “Percebemos que a lacuna que existia entre o verbalizado e o escrito diminuiu.” Diante do resultado, o treinamento agora é obrigatório para quem entra na equipe que produz os conteúdos da empresa, e outros departamentos terão a oportunidade de fazer o curso.
A próxima turma acontecerá em dezembro e vai incluir as equipes de tecnologia e de RH. “Nossos funcionários são jovens, é a geração ‘mobile’, que nem sempre percebe as diferenças da comunicação informal, usada na vida pessoal, e a praticada no ambiente profissional”, complementa Ana Carolina Tubertini Colli, gerente de RH da Supera Farma. “Nosso objetivo é, com o tempo, fazer com que 100% dos colaboradores passem pelo programa.”
Professora do curso comunicação escrita da Faap e autora dos livros “Português Corporativo” e “Livro de Anotações com 101 dicas de português”, Rosângela Cremaschi nota que há uma preocupação crescente das empresas em relação à habilidade de redação dos funcionários.
A procura pelos cursos que sua consultoria, a RC7, oferece na área aumenta cerca de 80% ao ano. Ela vê duas razões para isso. Uma delas é a deficiência do ensino de base, principalmente em escolas públicas. “Vemos crianças que vão avançando sem aprender e, mais adiante, até entram em faculdades com baixo grau de exigência e aí passam a fazer parte do mercado de trabalho”, diz Rosângela. “Muitos são bons no que fazem, na área técnica, mas têm deficiência no embasamento linguístico.”
A segunda razão é que as empresas perceberam que deficiências na comunicação escrita atrapalham a produtividade. “Hoje, o tempo é precioso e, quando um e-mail é escrito sem clareza e objetividade, demora mais para ser lido”, diz a professora. “Que interlocutor tem tempo de ler longos?”
Outra consequência de uma mensagem mal elaborada é que o e-mail acaba indo e voltando diversas vezes, quando não obriga o profissional a passar a mão no telefone para esclarecer dúvidas. “A comunicação benfeita agiliza oportunidades de negócio, já a malfeita gera morosidade que podem resultar em prejuízo”, diz Rosângela.
Como exemplo, ela cita os bancos, que precisam ser extremamente assertivos e objetivos na comunicação com o cliente para não acarretar prejuízos ao correntista. “Uma informação transmitida de forma errada pode levar o cliente a procurar outra instituição”, diz.
O Bradesco, por exemplo, oferece cursos de comunicação escrita aos funcionários. Na universidade corporativa há opções relacionadas à comunicação aplicada no dia a dia, uso correto da língua portuguesa, roteiro para apresentações, novo acordo ortográfico e até programas direcionados a executivos, com ênfase maior na questão da objetividade. “Ajuda o funcionário a se colocar de forma menos prolixa, a usar menos gerúndio e a ser mais assertivo”, explica Glaucimar Peticov, diretora de RH do Bradesco. Quem trabalha no setor de “private banking” é incentivado a aumentar o vocabulário, para exemplificar a diversidade de opções.
Os cursos direcionados a todos os funcionários do banco entram em questões como pontuação, concordância e outros erros gramaticais. Eles também ajudam o profissional a identificar a linguagem mais apropriada de acordo com o público com o qual está interagindo.
Glaucimar diz que falhas na comunicação têm impactos sérios para o banco, desde desperdício de tempo e ineficiência até perda de negócios. “É uma competência que não pode ser negligenciada, até porque a marca da instituição é afetada com e-mails mal-escritos”, diz a executiva.
Vivien Chivalski, responsável pelo curso de redação empresarial da Integração Escola de Negócios, explica que, apesar de os profissionais escreverem cada vez mais, isso não se reflete, necessariamente, em uma escrita adequada e correta. “Há quem escreva usando a linguagem falada e pessoas que transmitem um tom arrogante em consequência do vocabulário escolhido”, diz a professora. Para ela, a escrita tem o poder de ajudar a construir ou abalar a imagem do profissional e da empresa.
Na plataforma de classificados ZAP, ao analisar o atendimento ao cliente prestado pelo SAC, a empresa percebeu que havia muitos erros. No ano passado, a companhia ofereceu, então, um treinamento presencial de aperfeiçoamento da língua portuguesa à equipe. Cerca de 50 pessoas participaram. “Quando o atendimento tem erros de português, isso gera dificuldade de entendimento do cliente em relação ao produto”, diz Alexandre de Andrade, gerente de RH do ZAP. “Uma única vírgula mal empregada pode mudar o sentido da frase.” O treinamento, segundo ele, ajudou a diminuir também o uso do gerúndio, tão presente nesse tipo de serviço.
A equipe de atendimento do Cers Corporativo, empresa que oferece cursos de extensão, atualização e aperfeiçoamento profissional, também passou por treinamentos para melhor uso e entendimento do português.
Todo o atendimento aos alunos é feito on-line e muitos deles são da área do direito e usam expressões técnicas da profissão. “É comum o nosso cliente usar um linguajar extremamente rebuscado para tentar resolver problemas, mesmo os mais simples, o que confundia bastante os nossos colaboradores”, diz Guilherme Saraiva, vice-presidente do Grupo Cers. Essa dinâmica fazia com que a equipe passasse bastante tempo tentando compreender qual era, de fato, o problema a ser solucionado.
A saída foi investir em um curso de português jurídico, o que, segundo Saraiva, possibilitou uma comunicação mais fluida e ágil. De quebra, um treinamento sobre a nova ortografia também foi ministrado aos funcionários. “Percebemos que todos se sentem muito mais seguros para responder os e-mails dos clientes e nossa equipe de atendimento vem batendo mensalmente a meta de responder às solicitações no prazo de até 48 horas”, comemora o executivo.
Na Cemara Loteamentos, do interior paulista, a equipe de atendimento ao cliente também passou por um treinamento de ortografia e gramática. Giuliane Strapasson, gerente de marketing da empresa, diz que foi necessário padronizar a comunicação escrita para melhorar o relacionamento com o cliente. “Algumas pessoas têm facilidade com a língua portuguesa. Essas mantinham um nível elevado de clareza e assertividade na escrita, mas outras não”, explica.
O treinamento teve início com a equipe de atendimento, mas logo avançou para outros departamentos. Agora, o próximo passo é investir em um treinamento de escrita em ambiente digital, para aperfeiçoar a redação de e-mails e o atendimento on-line.
Cris Lisboa, fundadora da Go Writers, diz que algumas pessoas têm dificuldade em entender as diferenças da forma de se comunicar em diferentes meios: redes sociais, internamente e com pessoas de fora da empresa. “Estamos menos formais, até no ambiente de trabalho, mas não dá para escrever com gírias e abreviações da internet”, explica a professora. Com seus cursos de criação e escrita, Cris atende, em média, 500 pessoas por ano. A procura pelos programas cresce cerca de 25% ao mês.
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