Por: Letícia Arcoverde
Receber conselhos de um profissional que já passou pelas mesmas experiências que você é um ingrediente importante para avançar na carreira dentro de uma empresa. Nesse cenário, o chamado processo de mentoring se torna cada vez mais uma arma de companhias que buscam aumentar a presença de mulheres em cargos de liderança.
Esse é o tema de um guia lançado neste mês pela Aliança para o Empoderamento da Mulher, um grupo de 11 empresas criado há três anos por iniciativa da fabricante de produtos químicos Dow, que conta com o apoio da ONU Mulheres. O material apresenta conceitos como mentoring e coaching e detalha os programas que já existem nas empresas participantes, entre elas: Avon, CPFL, Unilever e EY. “Não é possível dar uma receita, mas esperamos inspirar a reflexão de empresas sobre o assunto”, diz Adriana Carvalho, mestranda do Insper que participou da elaboração do material.
Segundo especialistas, programas de mentoring específicos para mulheres são uma forma de aumentar a visibilidade das profissionais dentro da empresa e aproximar as funcionárias de líderes que já trilharam o caminho até os cargos mais altos. Para Elisabet Rodriguez Dennehy, professora da escola de liderança da Universidade de Duquesne, dos Estados Unidos, as mulheres costumam buscar mentores por conta própria com menos frequência do que os homens – daí a importância de formalizar o processo, que ela considera um dos mais importantes no desenvolvimento profissional. “Mentores são essenciais para ajudar a enxergar o próximo passo na carreira”, diz.
O mentoring também é um fator determinante para entender a cultura da empresa, segundo Mara Turolla, diretora de coaching e mentoring da consultoria Career Center. “A ferramenta auxilia na criação de redes de relacionamento e dá acesso a outras experiências. No entanto, é preciso que seja aplicada com uma série de outras ações.”
Foi assim na Unilever, que há cerca de oito anos identificou que, se não criasse medidas específicas para aumentar a diversidade de gênero em seus quadros, só atingiria equilíbrio em todos os níveis em 2020. Após um conjunto de iniciativas que incluíram desde mudanças no processo seletivo de trainees até um programa de mentoring voltado para o público feminino, hoje a empresa tem 49% de mulheres nos níveis de liderança. “Não pode ser um programa isolado do departamento de RH, mas parte de uma estratégia maior”, diz Andrea Salgueiro, vice-presidente de “personal care”.
A adoção da prática de mentoring especificamente para mulheres – no geral, em adição a um programa de mentoring que a empresa já possui – tem crescido. Um exemplo é a consultoria Accenture, que nos últimos cinco anos dedicou uma série de medidas para aumentar o percentual de funcionárias de 25% para 38%. A empresa já oferece um mentor para todos, mas percebeu que precisava de medidas extras para garantir que mais mulheres chegassem ao nível de diretoria, onde elas são hoje apenas 15%.
A Accenture começou, neste mês, um programa em que as gerentes seniores receberão mentoria de uma diretora. “É um momento crucial da carreira delas, e vimos a importância de adicionar o acompanhamento de alguém que já passou pelo processo”, explica Cristhiane Quadros, diretora e idealizadora do programa.
As gerentes selecionadas foram as 30 com melhor desempenho no último ano, que serão mentoradas por 14 diretoras que se voluntariaram. Embora a ideia seja discutir expectativas e ambições gerais de carreira, Cristhiane acha importante que a mentora tenha se tornado líder na empresa. “Quando se compartilham histórias, a empatia é maior por causa da questão de gênero. Ter contato com alguém que já chegou lá é algo que motiva.”
A própria Cristhiane teve apoio, informalmente, de uma profissional mais sênior, que a ajudou a entender melhor como seria o desafio de se tornar diretora. Para Samantha Dutra, que será mentorada por Cristhiane, trata-se de uma oportunidade de conhecer uma visão diferente. “É uma nova fonte para se abrir e falar dos anseios”, diz. O objetivo da Accenture é, no próximo ano, ampliar o programa para que as gerentes seniores sejam mentoras de gerentes.
A Dow terminou recentemente um programa-piloto com a participação de 22 profissionais de alto potencial e 22 mentores – homens e mulheres. O ganho indireto, segundo a gerente de marketing e organizadora do projeto, Thelma Bayoud, é um mentoring reverso, em que os executivos acabam aprendendo mais sobre os desafios enfrentados pelas mulheres na carreira.
A empresa não focou em um nível hierárquico, mas escolheu funcionárias em diferentes fases da carreira para se encontrar uma vez por mês e discutir dilemas que surgem no trabalho. A escolha das duplas foi feita ao combinar as principais dúvidas das mais jovens com as habilidades das mentoras. Assim, a engenheira de pesquisa e desenvolvimento Juliana Francisco recebeu acompanhamento da gerente de comunicação de negócios Regina Moura Rocha. “A maioria dos dilemas em início de carreira passa pelo lado interpessoal, como formas de se expor mais ou se posicionar em uma reunião”, diz Regina.
Para Juliana, que entrou na Dow há oito anos, logo após o término da faculdade de engenharia química, o processo foi importante para ela decidir se iria seguir a carreira de especialista ou de líder na empresa. Ela também trabalhou questões mais pontuais, como a adaptação a uma nova equipe depois que mudou de área durante o processo, e conversou sobre o desafio de equilibrar o trabalho com a vida pessoal. “Defini que quero seguir a carreira de gestora, e as conversas ajudaram a entender como fazer isso na empresa.”
Na opinião de Regina, tanto a trajetória profissional como a experiência pessoal como mulher foram essenciais para o bom andamento do programa. “Já havia passado por quase todos os dilemas que ela me trouxe, mas não tive ninguém para me ajudar na época”, afirma. Por outro lado, Regina diz que também aprendeu muito pelo fato de Juliana fazer parte da geração Y. “Abriu minha cabeça em relação a como desenvolver melhor o meu time”, diz.
A IBM possui um programa global de mentoring feminino voltado para a carreira técnica, cujo ponto mais alto é o cargo de “distinguished engineer”. Para chegar lá, há um longo processo no qual o profissional deve obter três certificações e ser aprovado por uma banca avaliadora. No Brasil, há apenas oito funcionários com esse título, todos homens. Por meio do programa, a empresa identifica funcionárias técnicas de alto potencial para receberem acompanhamento de um “distinguished engineer” e de um vice-presidente da sede da IBM nos EUA.
Adriana Pellegrini, consultora de sistemas de armazenamento de dados, é uma das 30 mulheres da IBM Brasil que participam do programa. Ela tem reuniões mensais com o engenheiro para definir objetivos, trabalhar deficiências e ajudar na preparação para as certificações, além de ter contato com o “sponsor” nos EUA a cada três meses. “Isso me deu mais disposição e ajudou muito no último processo de certificação”, diz.
Localmente, o desafio da empresa é atrair mais mulheres para essa trajetória de carreira. Para isso, a profissional participa de um grupo que organiza eventos regularmente com esse fim. Lá, recebe dúvidas sobre assuntos que vão desde a complexidade do processo de crescimento na carreira técnica até dilemas sobre os sacrifícios feitos na vida pessoal. Hoje, no quinto mês de gravidez de gêmeos, Adriana se mostra tranquila em relação a ambos.
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