Por: Lucy Kellaway
Em 1990, quando eu estava há pouquíssimo tempo no “Financial Times”, o editor na época pediu demissão. Eu gostava dele, pois ele era gentil comigo, e senti muito a sua partida. Mas eu também era muito nova no jornal e odiava bajulação. Deveria escrever uma carta para ele? Ou não seria adequado?
No fim, acabei não escrevendo, mas apenas porque passei tanto tempo hesitando que o momento passou. Para um jornalista, responder a uma notícia com várias semanas de atraso não pega bem.
Desde então, o mundo acelerou e as respostas hoje não acontecem em semanas, mas em questão de minutos. Eu também passei a ser mais sociável: não enviamos mais nossas palavras de despedida apenas para as pessoas envolvidas, e sim para todos com uma conexão à internet. E o mais admirável é que em alguma parte do caminho perdemos nossa aversão à bajulação. Não fazemos mais essas coisas com vergonha e em segredo, e sim com orgulho e muito barulho.
Quando Alan Rusbridger deixou o cargo de editor do “The Guardian” na semana passada, o seguinte espetáculo se desenrolou no Twitter. Um minuto após a notícia ser divulgada, os elogios começaram. Um ex-colega tuitou: “poucas pessoas na história do jornalismo tiveram a visão e o talento de @arusbridger – ou conseguir tocar piano tão bem. Um grande editor”. Outras mensagens se seguiram, como “o jornalismo britânico não será o mesmo sem @arusbridger. Se você acha que os tuítes que está vendo são um exagero, você nunca o viu trabalhar”.
Observei o processo todo com uma satisfação cruel, notando que alguns dos cumprimentos recebiam um agradecimento do próprio Rusbridger, enquanto outros eram recebidos com silêncio. Segundo a maioria dos relatos, Rusbridger é um excelente editor – e também toca a “Balada nº1″ de Chopin ao piano. Mas os tuítes são uma maneira vulgar de dizer isso.
Mesmo na era pré-internet, nunca houve particularmente um laço forte entre os elogios de partes interessadas e os verdadeiros valores de uma pessoa. Quanto o rei Lear decidiu que era hora de dividir seu reino, ele perguntou às filhas o quanto elas o amavam. “Sir, amo-o mais do que as palavras podem exprimir”, disse Regan, e Goneril atropelou afirmando que o amava com o mesmo fervor, e mais ainda.
Não consegui deixar de pensar nisso quando li os tuítes de dois do mais prováveis candidatos a sucessor de Rusbridger. A primeira a declarar seu amor pelo recém-saído editor foi Janine Gibson. “Alan Rusbridger: um editor que só aparece uma vez em uma geração; o melhor de todos os chefes; surpreendente”, tuitou ela. Sua rival na disputa pelo cargo, Katherine Viner, fez o mesmo em 140 caracteres ou menos: “Alan Rusbridger – por 17 anos, meu editor inspirador: destemido, sempre nos levando a ser maiores, mais audaciosos e mais corajosos”.
Felizmente o “The Guardian” tem sua própria Cordélia na forma de Patrick Wintour, seu editor do caderno de política. “Alan Rusbridger deixa o cargo de editor-chefe do ‘The Guardian’ no verão [terceiro trimestre] de 2015, para se tornar presidente do conselho de administração da Scott Trust”, dizia seu tuite, mais digno.
A revista “The Economist” foi outro órgão da imprensa britânica que perdeu um editor na semana passada, mas nesse caso a atividade no Twitter foi mais contida. Uns poucos disseram que vão sentir a falta do chefe, e um número menor ainda partiu para a adulação. “John Micklethwait, extraordinário editor da @TheEconomist será editor-chefe da Bloomberg. Eles têm muita sorte”, escreveu um funcionário da revista. No geral, os jornalistas da “The Economist” adoram uma posição mais elegante como a de Cordélia e tuitaram apenas os fatos.
O que isso diz a você? Que Micklethwait não é um bom editor? Ou que a “The Economist” ainda consegue manter o decoro, mesmo nas redes sociais? Talvez haja uma explicação mais simples. Não há sentido em bajular o ex-editor da revista no Twitter, uma vez que uma das coisas mais admiráveis sobre ele é que conseguiu comandar a revista sem usar a rede social.
Uma objeção ainda mais poderosa aos elogios tuitados é que um legado é julgado de maneira mais adequada em anos, e não em segundos. Me dei conta disso na semana passada na venda de Natal de livros do “Financial Times”.
Enquanto meus colegas remexiam os livros em busca de pechinchas, notei no meio deles uma cópia de um livro escrito por um homem que recebeu mais elogios instantâneos de que consigo me lembrar, quando deixou o cargo há três anos. Na semana passada, ninguém quis comprar a biografia do tipo “por que sou um grande administrador” de Terry Leahy, muito embora o preço tivesse sido reduzido em 95%.
Como a rede de supermercados Tesco está em apuros, em parte como resultado do legado duvidoso de Leahy, a demanda por suas lições sobre a importância da verdade, lealdade e coragem deverá ser limitada. Até mesmo o título, “Management in 10 Words” ["Administração em 10 palavras"], parece ser agora um caso flagrante de estratégia de vendas enganosa. Trata-se, na verdade, de administração em 312 páginas – um tanto sem credibilidade.
Lucy Kellaway é colunista do “Financial Times”. Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
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