Por: Yannik D’Elboux
Quando surge a insatisfação no trabalho, é comum culpar a empresa pelo problema. Porém, nem sempre as causas do descontentamento são externas. Em alguns casos, a fonte do desânimo ou das reclamações constantes pode estar na maneira como o profissional se relaciona com o trabalho ou com a própria vida.
Na opinião da psicóloga Ana Claudia Vasquez, professora da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), com vasta experiência em cargos de diretoria e gerência em recursos humanos, o contentamento no emprego acaba se confundindo com a satisfação na vida. Isso porque, atualmente, o trabalho ocupa um papel central no dia a dia e praticamente se torna parte da identidade do indivíduo.
Ela explica que nem sempre a insatisfação está relacionada com as atividades realizadas, a profissão escolhida ou o ambiente da empresa. “Às vezes, o trabalho é apenas uma válvula de escape, porque a pessoa está insatisfeita de modo geral”, diz a psicóloga.
O melhor caminho para descobrir se o problema vem de uma desordem interna ou realmente da insatisfação com a empresa consiste no autoconhecimento. Para Irene Azevedo, professora do MBA em Liderança da BBS Business School e coordenadora da BBS Carreiras, fazer uma autoavaliação, com algumas perguntas fundamentais, ajuda a descobrir.
“Esse é o ambiente em que quero trabalhar? Esse é chefe que desejo ter? As minhas competências são valorizadas pela organização? Minha performance está adequada com as expectativas da empresa?”, sugere como questionamentos.
Sejam quais forem as respostas, Irene acredita que todo profissional deve ser protagonista da própria carreira e resolver suas insatisfações. “A vítima, diferentemente do protagonista, põe sempre a culpa no externo. Se você não está satisfeito, é você que tem de tomar uma decisão”, diz.
Mas, na prática, a professora da BBS verifica que não é isso o que costuma ocorrer. “Normalmente, acontece o inverso. As pessoas começam a reclamar e não tomam as rédeas da própria carreira”, afirma.
Propósito e inspiração
Para avaliar a origem do descontentamento, Alexandre Teixeira, autor do livro “Felicidade S.A. – Por que a Satisfação com o Trabalho é a Utopia Possível Para o Século 21″ (Editora Arquipélago), indica incluir entre as perguntas da autoavaliação uma reflexão sobre o seu propósito.
Segundo o escritor, que entrevistou dezenas de organizações e empresários brasileiros para sua obra, é importante se questionar se existe uma razão para desempenhar a atividade profissional além da remuneração. “Se for só pelo dinheiro, há um problema de propósito. Mudar para outra empresa para ganhar mais não vai resolver”, acredita.
Teixeira acrescenta que é comum enfrentar crises de propósito ao longo da carreira. O autor cita como exemplo especialistas técnicos que, para ascender na profissão, assumem funções gerenciais. “Eles não executam mais o trabalho técnico, que era o que gostavam de fazer”, diz. Nesse caso, não basta trocar de empresa, é preciso repensar a relação com o trabalho e a função desempenhada.
Além disso, outra forma de analisar de onde vem a insatisfação, segundo Ana Vasquez, é perceber como anda o seu engajamento com a empresa. Isso significa notar o quanto existe de paixão, inspiração, motivação e satisfação real com o trabalho.
“A pessoa deve buscar refletir sobre o quanto tem de orgulho da sua produção, se está feliz, se acredita que é reconhecida em relação ao que faz”, orienta a professora da UFCSPA, também autora do livro “Engajamento do Trabalho” (Casa do Psicólogo), em coautoria com Pieternel Dijkstra e Wilmar Schaufeli.
Quando o profissional estiver descontente com o que a empresa lhe oferece, Ana Vasquez sugere, em primeiro lugar, analisar as outras organizações em que poderia trabalhar. A psicóloga fala que é essencial não transferir para a companhia uma insatisfação com a chefia ou com os colegas. “Ter boas relações pessoais são fundamentais, tanto para não adoecer no trabalho quanto para se motivar”, fala.
Fenômeno recente
A insatisfação no trabalho parece uma epidemia. Não é difícil encontrar pessoas infelizes com seus empregos. Uma das razões para tanto descontentamento, segundo os especialistas, reside no fato de que, atualmente, as pessoas procuram realização e felicidade na carreira, diferentemente de décadas atrás, quando o trabalho era apenas uma fonte de renda.
Para Alexandre Teixeira, que vê como positivo esse desejo de extrair satisfação do trabalho, é possível que as pessoas estejam mais voltadas para a carreira porque outras esferas da vida, como a participação na política e a religião, estão perdendo importância.
Além disso, ele acredita que a comparação gera uma maior sensação de frustração e necessidade de se sentir feliz na profissão. “As pessoas têm a tendência de olhar para o trabalho dos outros e considerar que o próprio não está tão legal. Essa é uma das coisas que as redes sociais estimulam”, afirma.
Muitos não têm como escolher uma atividade recompensadora. Mas, para aqueles que têm alternativa, é difícil, nos dias de hoje, viver sem obter nenhum prazer no trabalho. Porém, gostar do que se faz não significa sentir contentamento todos os dias. “A gente não deve procurar a satisfação total, pois quem está muito satisfeito não muda. O importante manter a energia, com vontade de dar o seu melhor”, diz Irene Azevedo.
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