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Hematomas e um olho roxo vão impedir minha contratação?

por: Afonso Bazolli
em: Gestão
fonte: Valor Econômico
18 de julho de 2016 - 18:00

Hematomas-e-um-olho-roxo-vao-impedir-minha-contratacao-televendas-cobrancaPor: Lucy Kellaway

Na quarta-feira passada, eu pedalava em direção ao trabalho com uma sacola pendurada no guidão. Ia a uma boa velocidade quando a sacola bateu na roda e ficou enroscada. Saí voando por cima da bicicleta e aterrissei sobre o asfalto – a cabeça primeiro.

Pelo menos, foi isso o que o sujeito na ambulância me disse que aconteceu, pois meu capacete não foi suficiente para salvar-me do nocaute e, então, não me lembro de nada.

Lá pelo meio da tarde, já estava em casa, de volta do hospital, em forma razoavelmente boa, tirando o rosto esfolado, um olho roxo de dar medo e um pulso quebrado que não era particularmente doloroso. O único dano permanente deu-se em minha camiseta, que teve de ser cortada quando a tiraram de mim.

Obviamente, foi tolice pedalar com qualquer coisa pendurada no guidão. Talvez, pela primeira vez em minha vida, vou aprender com meus próprios erros e começar a usar um alforje. Mas essa não é a moral da história. Na terça de manhã, vou ser entrevistada para um cargo em um conselho de administração.

Devo me apresentar em um escritório elegante na região central de Londres e tentar convencer o presidente do conselho de administração da empresa que sou exatamente o tipo de pessoa que ele gostaria de ter na sala da diretoria – afiada como navalha na estratégia, sensata quanto a riscos e ótima em fazer perguntas pertinentes.

Acabo de me examinar diante do espelho para estudar o olho fechado, as olheiras roxas, os arranhões em vermelho vivo, o braço pendurado na tipoia e penso: será que eu contrataria esta mulher? A resposta surgiu imediata: não. Uma breve busca no Google me garante que, em termos de criar má impressão em uma entrevista de emprego, um olho roxo é pior do que chegar atrasado, suando em bicas e com uma argola no nariz.

Igualmente, segundo estudo da University of Iowa, o ponto individual mais importante em uma entrevista – em especial para mulheres – é um aperto de mão firme. Minha mão direita, com os dedos azulados se esgueirando de um gesso já encardido, não vai poder dar nenhum aperto de mão. Então, surge a questão. Devo adiar?

Meu instinto me diz para continuar. Posso sustentar uma conversa tão bem quanto em qualquer outro momento. Posso me sobressair mesmo estando com a aparência de uma velha bruxa horrenda – ir adiante é uma prova de personalidade. E não sou de cancelar compromissos.

O primeiro sinal de profissionalismo é a pontualidade, e não ficar atrapalhando as pessoas com adiamentos ou cancelamentos.

Depois de 24 horas do acidente, no entanto, não estou mais tão certa. Os passageiros no trem desviavam o olhar. Ao chegar ao trabalho, devia estar parecendo tão frágil que o segurança colocou os braços ao meu redor e me beijou.

A editora de moda do “Financial Times” me aconselhou a pensar em deixar de ir. Afinal, você não passa a impressão de ser uma mulher forte quando se parece com uma vítima de abuso doméstico. Pode ser sexista, ela explicou, mas é um fato: um homem com um rosto todo amassado parece durão, enquanto uma mulher parece uma esposa agredida. Não importa que história eu venha a contar sobre bicicletas e sacolas, um estranho sempre vai suspeitar de um parceiro violento, não de uma calçada violenta.

A única forma de salvar a situação, disse ela, seria um ousado tapa-olho e um terninho de executiva. Quando a lembrei de que não se pode usar um com o braço em uma tipoia, ela sugeriu uma capa em vez do terno. Acho que ela não entendeu: vou ser entrevistada para ter um papel no conselho de administração de uma empresa, não em uma pantomina sobre antigos heróis de guerra. Apesar das advertências dela, vou em frente.

Não fosse pelo olho roxo e a entrevista marcada, estaria me sentindo muito satisfeita comigo. Quando tinha uns dez anos, nutria um desejo mórbido de ter algum osso quebrado engessado, já que livrava as pessoas da aula de ginástica e parecia render uma dose razoável de simpatia.

Muitas décadas depois, consegui o que queria; e é ainda melhor do que imaginava. Há flores, ofertas para que te busquem comida, até me agradeceram por continuar a fazer meu trabalho. Penso em todas as vezes em que estive em estados bem piores no trabalho: com insônia, ansiedade, insegurança e até depressão. Ninguém conseguia ver os ferimentos; apenas queriam que eu não estivesse tão mal-humorada.

O único contratempo de um gesso são as intermináveis perguntas para explicar o que aconteceu. Até agora, aprendi três lições. Primeira, os ciclistas me veem como uma heroína, os não ciclistas, como uma tola. Segunda, dizer “acidente de bicicleta” é melhor do que ter de explicar (como dois colegas recentemente) que você caiu de um castelo inflável para crianças ou ao usar saltos altos. Por fim, é melhor não se alongar na explicação e não dizer voluntariamente que a culpa foi sua.

Espero conseguir me ater a tudo isso, em especial na terça. Mesmo se o presidente do conselho de administração reprimir a suspeita de que eu seja uma esposa agredida, ele pode não querer contratar para avaliar riscos empresariais alguém que tenha feito tal bagunça ao administrar os riscos ao próprio corpo.

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