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27 de novembro de 2022 - 12:00

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Cresce a presença feminina também em cargos mais altos na hierarquia de instituições financeiras. Mas o retrato do mercado mostra que ainda há muito desequilíbrio de gênero

Em seus quase 40 anos de mercado financeiro, Mari Emmanouilides guarda uma série de episódios em que se viu rodeada exclusivamente por homens no trabalho.

“Lembro de um almoço, ainda na década de 1990, com o Roberto Campos (economista e avô de Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central), em que havia 120 convidados e a única mulher era eu. Ele abriu o evento falando: ‘boa tarde senhores e única senhora’”, conta.

Nos anos em que fez parte da equipe dos bancos Chase Manhattan e Merrill Lynch, a hoje sócia e fundadora da gestora Taler frequentou uma série de eventos como esse, em que a presença de uma mulher parecia destoar da normalidade.

Em outro episódio, um jantar com diversos profissionais de bancos, Mari conta ter levado o marido. “Ninguém olhava para mim, todo mundo pedia recomendações de investimento para ele, como se ele fosse do mercado e eu estivesse apenas o acompanhando”, lembra.

Muita coisa mudou desde então. Mari e outras profissionais à frente de gestoras ou de áreas importantes em bancos e corretoras são prova de que as mulheres conseguiram povoar o mercado financeiro, que até pouco tempo atrás era estigmatizado como agressivo demais para elas.

Longo caminho à frente

Mulheres não só estão mais presentes como passaram a escalar mais alto na hierarquia das instituições. Mas o retrato geral do mercado financeiro mostra que o caminho a ser percorrido é longo — ainda que seja importante reconhecer o avanço conquistado.

“Mais mulheres são contratadas, mas a maioria não chega aos cargos mais altos. No mercado financeiro, as lideranças ainda são ocupadas na maioria por homens. Esse é um desafio atual das organizações: entender as razões para a menor representatividade de mulheres nos cargos executivos”, diz Flavia Janini, head de produtos e serviços transacionais do BTG+.

Um dos motores para o ganho de espaço feminino foi a compreensão das empresas de que a diferença agrega. Cada vez mais instituições financeiras têm criado iniciativas para trazer mais diversidade aos seus quadros — não só diversidade de gênero mas também racial.

“Há uma complementaridade quando trazemos profissionais diferentes para a gestão dos negócios”, diz Mari, da Taler. Entre os nove advisors da empresa, quatro são mulheres.

Ainda que o muro de dificuldades tenha ficado menor, ele ainda existe. Quando era chefe da área de research do Merrill Lynch, Sara Delfim visitava as universidades brasileiras com a missão de contratar mais mulheres para o time de estagiários.

“Fazíamos uma apresentação sobre o trabalho, a rotina no banco, mas ainda assim recebíamos poucos currículos de mulheres. De cada 100, 10 eram de meninas. E muitas das que chegavam à fase final do processo seletivo acabavam recusando a oferta, pois eram levadas a crer que o mercado financeiro é hostil demais para as mulheres”, conta.

Em 2018, Sara decidiu deixar o Merrill Lynch e abrir a própria gestora independente de recursos. Foi assim que nasceu a Dahlia Capital: gestora com nome e liderança feminina e que tem mais de 50% do seu quadro formado por profissionais mulheres. Elas estão presentes em todas as áreas da Dahlia: desde as mesas de trading até em posições de compliance e análise de riscos.

Os números da Dahlia parecem ser uma exceção no mercado. As entidades que representam o mundo financeiro, como a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), não mapeiam o perfil dos profissionais atuantes no setor, de forma que não é possível mensurar o espaço das mulheres nas instituições.

Mas uma boa pista da persistente desigualdade do mercado financeiro vem do perfil dos trabalhadores certificados. Para atuar nas áreas mais nucleares do mercado, como análise de ativos e gestão de carteiras, muitas instituições exigem certificações como CFA, CFP e CNPI. As siglas são, também, um bom passaporte para o crescimento na carreira.

De acordo com dados levantados pela EXAME Invest, as mulheres ainda são minoria entre os profissionais brasileiros certificados. No CFA Institute, considerado um dos exames mais difíceis, apenas 10% dos aprovados são do sexo feminino.

A dificuldade dos exames é a mesma para todos, mas, além da barreira psicológica e da falta de reconhecimento, as mulheres ainda lidam com os desafios do dia-a-dia. A divisão da carreira com a maternidade costuma ser a principal delas.

“Quando uma mulher sai mais cedo para levar o filho ao médico, as pessoas ainda enxergam como falta de comprometimento”, lamenta Sara, da Dahlia Capital.

Ela conta que teve sorte por ter sido acolhida por seus gestores e equipe quando precisou se afastar do trabalho presencial, durante a gravidez. Mas o peso do julgamento ainda existe e torna-se um obstáculo para as profissionais que decidem ser mães.

De mãe para a filha

Só quem conhece os obstáculos do caminho sabe dizer quão difícil foi para as mulheres chegarem onde chegaram. Quando Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama, soube que a filha queria seguir os seus passos na carreira financeira, a primeira reação foi negativa.

“Falei pra ela que o mercado financeiro não era para mulheres”, conta. Questionada por que desestimulou a filha, mesmo sendo prova viva de que o que havia dito era um mito, Sandra disse: “É desgastante. Eu queria poupá-la disso”.

Mas a resiliência é um traço forte das que se dispõem a encarar o mercado de frente. Como resposta, Sandra recebeu uma lição da filha. “Ela disse: ‘mãe, eu sei que é difícil, mas eu vou lutar pelo meu lugar’.”

Sandra também tem uma longa história com o mercado financeiro e, principalmente, com a conquista das mulheres nesse mundo. Ainda na década de 1990, ela tentou capitanear um projeto de inclusão feminina dentro de um banco, mas ouviu que “isso não é pra nós”.

Anos depois da experiência frustrada, Sandra criou um clube para investidoras. A iniciativa pode não parecer tão inovadora agora que o Brasil tem mais de 800 mil mulheres investindo na bolsa de valores, mas foi um grande passo nos anos 2000. “As mulheres estavam ali para entender como o mercado funcionava. Hoje, com conhecimento, elas são muito mais arrojadas”, diz Sandra.

Esforço dobrado

O empenho de muitas mulheres que chegaram aos cargos de alto escalão antecede e vai além de políticas recentes de incentivo à diversidade.

“Mantive minha régua alta. Busquei todo o conhecimento possível e fui atrás de certificações para manter minhas bases sólidas”, conta Carolina Giovanella, fundadora da gestora de patrimônio Portofino.

No dia-a-dia das famílias atendidas pela gestora, Carolina conta que tem notado cada vez mais mulheres conduzindo os negócios familiares ou sendo consultadas pelos parceiros, pais e filhos.

Para Flavia Janini, do BTG+, a autocobrança é parte do processo para lidar com um mundo financeiro ainda majoritariamente masculino. “Quando entramos em um ambiente dominado por homens, sentimos a necessidade de provarmos nossa competência. É um esforço dobrado”, conta ela.

Como incentivo para o número crescente de mulheres que chegam ao mercado financeiro, a diretora do BTG+ aconselha: “Acreditem na própria capacidade e sigam em frente. Eu gostaria de ter tido mais incentivos, mais empurrões, mas vejo um apoio crescente entre as mulheres. O importante é nos fortalecermos — desde as meninas que estão entrando agora no mercado financeiro até as altas executivas”.

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