Faculdade, trabalho, dinheiro, mais trabalho e, por último, descanso; esse é o caminho natural a ser traçado na vida, de acordo com a sociedade. Mas será ele realmente o melhor?
Por: Raíza Pacheco
Finalmente, o grande dia chegou para Seu Francisco. O dia de sua aposentadoria. É agora que ele poderá fazer todas as viagens que programou, passar tempo com seus filhos, praticar esportes, cuidar do jardim, aprender a falar francês. Quer dizer, talvez cruzar a América do Sul de motocicleta seja demais para sua saúde. E seus filhos cresceram, sua coluna dói, praticar esportes já não é tão fácil e lembrar como se escreve bon jour e bonne nuit requer um esforço enorme. Depois de trinta anos trabalhando até cinquenta horas por semana, Seu Francisco está cansado. Muito cansado.
Certo, seu Francisco não existe de verdade e talvez sua história seja pessimista demais. Fique a vontade para encarar como licença poética, mas não desconsidere a mensagem por trás: é preciso ter cuidado com como você planeja – e conduz – sua vida. Trabalhar sem parar durante décadas para descansar apenas ao final da vida pode ser perigoso. Mas como livrar-se de um modelo já tão estabelecido?
De acordo com o empreendedor Timothy Ferris, invertendo a forma como lidamos com a vida. Em seu livro Trabalhe 4 horas por semana, o especialista em produtividade discute a importância de romper com a lógica do “trabalhe primeiro, pense na vida depois” para se conseguir satisfação e qualidade de vida. “Caminhamos na inércia da vida, atrás de uma felicidade que nunca chegará se não quebrarmos a rotina”, ele afirma.
Para Ferris, um dos problemas em nossa sociedade é a supervalorização da aposentadoria. Ele afirma que há algo errado quando ela é tratada como um objetivo de vida. “Está subentendido na aposentadoria que você não gosta do que está fazendo durante os anos de maior vigor físico em sua vida. Isso é um erro fundamental”, explica o autor.
As miniaposentadorias
Ferris defende que a aposentadoria é como um seguro de vida, uma previdência contra eventualidades. Confundi-la como meta é um erro, pois, para a maioria das pessoas, é impossível chegar a aposentadoria e manter o mesmo padrão de vida de quando era empregado. Aqueles que conseguem são os que viveram como “uma ambiciosa máquina de trabalhar”, e ficam entediados com o tempo livre. A solução que Ferris propõe? Miniaposentadorias.
A chave é tirar vários períodos para descanso durante a vida, em vez de deixar tudo para o final. Mas a miniaposentadoria não deve ser confundida com férias. Nada de conhecer 10 países da Europa em 20 dias, ou pegar um cruzeiro para todas as praias do nordeste brasileiro: não é assim que funciona. A miniaposentadoria não deve ser levada no modo acelerado, nem ser encarada como uma maneira de escapar da vida, mas sim aprender a reexamina-la. “São as antiférias, no sentido mais positivo”, afirma Tim Ferris. A ideia é passar tempo suficiente em algum lugar para absorver algo de sua cultura. “Em vez de buscar ver o mundo, experimentá-lo em uma velocidade que permita que ele mexa conosco”, explica o autor.
Sabe para quem a experiência deu certo? Um certo rapaz chamado Steve Jobs. Talvez você já tenha ouvido falar nele. Depois de largar a faculdade e viajar para uma jornada de sete meses na Índia, aos 19 anos, ele voltou para casa e criou uma startup que mais tarde seria a gigante Apple. Jobs rompeu com a lógica do que era o esperado e primeiro foi atrás de crescimento próprio. Sua miniaposentadoria o possibilitou explorar seu lado espiritual, que o acompanhou até o final da vida e exerceu influências em sua forma de empreender e encarar os negócios.
Nômades digitais
Imagine onde você gostaria de morar se pudesse escolher qualquer lugar do mundo? Os hobbies que teria, como gastaria o tempo livre, o que buscaria aprender. Agora saiba: por mais que seus planos pareçam ser possíveis apenas em um universo paralelo, eles podem ser concretizados na realidade em que vivemos. Basta escolher a lógica de que a vida deve ser pensada antes do trabalho. Com ela, você decide o destino e o lifestyle que deseja e só então analisa como encaixar o seu trabalho.
É o que prega o casal Jacque Barbosa e Eme Viegas, criadores do projeto Nômades Digitais. Cansados de suas rotinas corridas e insatisfeitos com o rumo de suas vidas, eles decidiram largar tudo e viver como nossos ancestrais, ficando em algum lugar apenas pelo tempo que ele “lhes fizer feliz e suprir suas necessidades”. Depois de escolher o estilo de vida, veio a preocupação com o trabalho. A solução encontrada foi criar uma empresa com diversos projetos de internet, um deles justamente para compartilhar suas experiências.
“Se você pode trabalhar de casa, usando a tecnologia, você pode trabalhar de qualquer lugar do mundo”, eles afirmam no “Manifesto dos Nômades Digitais”, uma espécie de guia para os que desejam virar cidadãos do mundo. Com acesso à internet, é possível cumprir uma jornada de trabalho de oito horas seja em uma cabana nas montanhas ou num vilarejo de uma praia remota.
Aqueles que não possuem trabalhos flexíveis, cujas funções precisam ser desempenhadas presencialmente, podem enveredar pelo empreendedorismo. “Se ainda não existe um trabalho que se encaixe com suas paixões, então cabe a você inventá-lo. Hoje qualquer pessoa pode criar o seu negócio e encontrar pessoas que se interessem por ele mundo a fora ”, sugerem Barbosa e Viegas.
Se ainda todo esse papo de mudar a lógica de como lidamos com o nosso caminho parece fantasioso demais, uma enfermeira e escritora australiana mostra que essa “fantasia” pode virar a grande frustração do futuro. Bronnie Ware prestou cuidados paleativos a pacientes terminais, a maioria deles com câncer, e reuniu os cinco maiores arrependimentos das pessoas antes de morrer no livro Antes de Partir: uma vida transformada pelo convívio com pessoas diante da morte. “Não ter trabalhando tanto”, “Ter vivido a vida que eu desejava, não aquela que os outros esperam de mim” e “ter estado mais perto dos meus amigos” encabeçam a lista de arrependimento, segundo Bronnie. Se você acha que no futuro pode sofrer com alguns desses arrependimentos, inverter prioridades pode até não ser uma ideia tão ruim assim.
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