Por: Aquiles Mosca
As estatísticas variam, mas, qualquer que seja a metodologia, todas apontam ao fato alarmante de que no Brasil entre 95% e 97% dos aposentados não possuem independência financeira, isto é, não são capazes de fazer frente a todos os seus gastos, fixos e variáveis, com recursos próprios. Dessa forma, muitos seguem trabalhando, outros tornam-se dependentes financeiros de filhos e familiares (representando um peso financeiro para esses) e há ainda os que precisam ajustar fortemente para baixo seu padrão de vida e de consumo. Na maioria dos casos, o que ocorre é uma combinação dos três fatores: continuam trabalhando, precisam do suporte financeiro de terceiros e ajustam o nível de vida.
Os achados da cadeira de finanças comportamentais já haviam apontado o fato de descontarmos a uma taxa desproporcionalmente elevada o futuro, viés denominado de desconto hiperbólico. Em português corrente, atribuímos pouca importância aos benefícios que teremos acesso apenas no futuro. Preferimos dar um valor maior aos prazeres que estão próximos. Logo, de forma inconsciente, valorizamos mais o presente do que o que está por vir. Esse desequilíbrio no tratamento dos benefícios que buscamos distribuídos no tempo prejudica e, em muitos casos, impede por completo a execução de um planejamento financeiro, que exige abrir mão de algo hoje para se ter mais amanhã.
Estudos recentes de neuroeconomia começam a jogar mais luz sobre a origem da dificuldade que temos em planejar e, principalmente, executar um plano consistente de conquista de independência financeira. Valendo-se de “scanners” que registram a atividade cerebral, os pesquisadores perceberam que o indivíduo que estuda e planeja seu futuro financeiro executa tal atividade utilizando a mesma região do cérebro que processa e analisa informações relativas a estranhos. É a mesma região do cérebro que usamos quando precisamos julgar se alguém é confiável, atraente etc. Ora, nosso cérebro parece dissociar o “eu hoje” do “eu amanhã”, tratando esse último como se fosse uma terceira pessoa. Colocado dessa forma, não é de se estranhar que a maioria das pessoas tenha uma dificuldade aparentemente inata de adotar ações concretas e consistentes para a conquista de sua própria independência financeira no futuro. Afinal, do ponto de vista neurológico, isso equivale a fazer algo em prol de um completo estranho.
Com base nessas constatações, pesquisadores da escola de negócios Kellog, na Universidade de Northwestern (Ersner-Hershfield e Goldstein – em andamento), buscaram formas de reduzir essa aparente dissociação que o cérebro faz entre o “eu hoje” e o “eu amanhã”. A forma encontrada para isso foi surpreendentemente simples e criativa. Utilizando um programa de computador que busca envelhecer as feições das pessoas, foram geradas fotos com a aparência envelhecida de uma amostra de indivíduos integrantes do estudo. Essas fotos foram então expostas a esses participantes enquanto tomavam decisões relativas ao seu futuro financeiro. Ao verem a si mesmos envelhecidos, o fosso existente entre o “eu hoje” e o “eu amanhã” ficou menos aparente e a propensão a poupar dessas pessoas aumentou entre 25% e 35%. Ver-se de forma concreta no futuro resultou em uma ativação não tão intensa da região do cérebro que trata de estranhos, levando a decisão para as regiões associadas ao próprio indivíduo. Curiosamente, quando a foto envelhecida foi acrescida de um belo sorriso, a propensão a poupar aumentou ainda mais (+10% a +15%).
A propaganda de uma bebida veiculada na década de 1980 com o slogan “eu sou você amanhã” parece ter captado com bastante antecedência, e sem os recursos tecnológicos hoje disponíveis, a mecânica mental descrita acima. A publicidade trazia o mesmo indivíduo um pouco mais velho conversando consigo mesmo mais jovem e recomendando gastar um pouco mais hoje em algo aparentemente melhor para colher os benefícios no futuro (http://www.youtube.com/watch?v=038jv7crrUU). O curioso, e não menos irônico, é que essa “tirada” veio de um produtor de bebidas alcoólicas destiladas (não exatamente algo que contribui positivamente com a longevidade da população) e não de um agente financeiro responsável pela poupança. A despeito disso, fica a mensagem descontraída quanto ao impacto das decisões tomadas hoje em nosso futuro.
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O artigo não considera o peso do Fator Previdenciário sobre as aposentadorias no Brasil, onde pessoas que planejaram e contribuíram sobre 20 SM (salários mínimos), o máximo permitido, hoje recebem o equivalente a 2 ou 3 SM. Ressalte-se também que não havia disponibilidade de planos de previdência complementar no Brasil para a geração que hoje tem entre 70/80 anos. Há ainda um terceiro fator: profissionais que vendo esse quadro adquiriram planos de previdência complementar que hoje apresentam déficit causado por grandes grupos que decidem se aposentar assim que adquirem o direito mínimo movidos pelo medo de alterações na lei anunciadas com frequência pelos governos.
Todo planejamento é feito mediante estudo do cenário envolvido, assim sendo, é impossível planejar para fazer frente a elementos como o fator previdenciário ou alterações nas regras. Não invalida a pesquisa sobre pensar no futuro, porém as condições de vida de nossos aposentados foram criadas por mais do que falta de planejamento.