Por: Rodrigo Lacerda Itambé
Saiba o que sua empresa deve considerar antes de adotar um programa de fidelidade. Ele não pode ser a salvação da relação com o cliente.
Atrair um cliente para seu negócio, seja ele um e-commerce, uma loja física ou uma empresa de prestação de serviços, dá trabalho. Todo empreendedor sabe disso. Mas, uma vez que o cliente experimentou o que você tem para oferecer, como fazer com que ele volte ao seu balcão?
Uma estatística divulgada por Frederick Reichheld, diretor emérito da consultoria Bain & Company, nos anos 1990, apontava que aumentar a retenção de clientes em 5% era capaz de aumentar o lucro das empresas em 25%. A questão era que clientes estabelecidos costumavam comprar mais da mesma empresa ao longo do tempo, enquanto o custo operacional de atendê-los caía. No início dos anos 2000, ele verificou o mesmo padrão na internet.
Para reter esse cliente e fazer com que ele continue dando preferência ao seu negócio, existem várias estratégias. Uma delas é estruturar um programa de fidelidade. Imagine um salão de cabeleireiro. Para manter suas clientes, o dono ou a dona do salão pode tentar diminuir o turnover de funcionários, para que os clientes criem um relacionamento mais duradouro com a manicure ou a cabeleireira, pois confiança e empatia têm muito valor nesta atividade. Ou pode criar um ambiente de café agradável para melhorar a experiência do cliente. Ou ainda distribuir um cartão de fidelidade, oferecendo um serviço gratuito após 10 sessões pagas.
Em qualquer empresa, o programa de fidelidade pode ser a principal ferramenta de relacionamento com o cliente, ou pode ser apenas mais um componente dessa estratégia. A ideia por trás dele é dar incentivos às pessoas para se relacionarem mais com a marca e mudar padrões de comportamento, como estimular a compra de mais itens ou uma compra mais frequente. Os benefícios devem favorecer as duas partes do negócio: a empresa, que conquista a preferência do consumidor, e o consumidor, que enxerga no relacionamento com aquela empresa alguma vantagem, seja porque vai economizar ou porque terá acesso a benefícios exclusivos.
Há dois formatos principais de programa de fidelidade:
Benefícios cumulativos: o cliente acumula pontos, por exemplo, para ter acesso a alguma vantagem após um período de tempo. Programas de cartões de crédito ou serviços como Dotz, Multiplus e Smiles entram nessa classificação;
Benefícios instantâneos: é dado no momento da compra. Poder ser um brinde, um desconto ou uma oferta do tipo leve mais, pague menos. É o tipo de programa adotado em muitas livrarias, drogarias e varejo supermercadista. Além disso, há algumas empresas interessantes surgindo, como a Méliuz, brasileira que usa o formato de cashback. O site disponibiliza gratuitamente cupons de desconto de lojas online e devolve parte do valor gasto nas compras.
Não há uma regra para definir qual o melhor formato. Isso vai depender do momento da empresa, perfil do portfólio e característica do consumidor ou comprador: a empresa consegue oferecer um benefício instantâneo? Ou prefere estruturar um programa cumulativo? Também é possível mesclar os dois formatos.
Eu acredito que a grande tendência no mercado hoje são os benefícios instantâneos. No caso de benefícios cumulativos, quanto menor for a distância entre a compra e o resgate do benefício, melhor. Mas, é claro, se você está pensando em estruturar um programa de fidelidade na sua empresa, o formato vai depender, antes de mais nada, do cliente que você quer atingir. Eis uma parte fundamental na criação de uma estratégia de fidelização: qual é o público que precisa ser fidelizado e o que motivará a mudança de comportamento dessas pessoas ou empresas?
A seguir, confira um passo a passo para pensar em um programa de fidelidade.
Defina o objetivo do programa
Sua empresa precisa ter respostas muito claras para as perguntas “onde estamos?” e “para onde queremos ir?”. São essas respostas que ajudarão a definir quais são os propósitos de um programa de fidelidade. A empresa precisa aumentar a base de cliente ou aumentar o tíquete médio? Precisa gerar engajamento com a marca ou melhorar as vendas? Quer melhorar o relacionamento com fornecedores? Como o programa vai se encaixar nesses objetivos?
Conheça o seu “shopper”
Com o objetivo definido, é hora de saber quem são as pessoas ou empresas que o programa vai tentar atingir. O que a empresa ou a pessoa que faz negócio com você procura? Qual é a jornada de compra? Por quais benefícios ela pode se interessar? Quais são os incentivos certos para atingir os objetivos que foram definidos? O que vai ser relevante para transformar o comportamento do cliente? Saber com quem sua empresa está falando é fundamental para o sucesso do programa.
Recentemente, por exemplo, conversei com uma empresa que está montando um plano de fidelidade para veterinários parceiros. Parte do trabalho no planejamento desse programa é descobrir por quais tipos de benefícios veterinários vão se interessar e, mais ainda, quais benefícios nenhum outro programa de fidelidade do qual eles participam oferece. A sensação de exclusividade e acesso a algo que dificilmente teria fora do programa gera muito valor.
Para encontrar os incentivos certos, a primeira tarefa é estudar o consumidor. Quando eu trabalhava no Carrefour, ficava frequentemente no posto de empacotador. Também passava alguns dias na casa dos consumidores e acompanhava o fluxo de compra deles da chegada ao supermercado até suas casas. As pesquisas com consumidores são importantes, mas nada substitui a vivência para captar elementos que não são verbalizados nas pesquisas.
Por exemplo, quando formam-se filas no caixa, o consumidor reclama. Se você perguntar para ele, vai dizer que não gosta de perder tempo esperando para ser atendido. Após a minha experiência como empacotador, eu consegui perceber que não era só um incômodo com a espera. Boa parte dos consumidores se incomoda com a fila porque é um momento de parar, olhar para todas as coisas que colocou no carrinho e se perguntar se realmente precisa delas e se terá dinheiro para pagar a conta ou como vai se organizar com as despesas no restante do mês.
O programa de fidelidade vale tanto para o B2B quanto para o B2C. A principal diferença no caso de relacionamento entre empresas é que a estratégia precisa agregar valor para mais gente. Explico: no caso de programas para o consumidor, ele é o único que precisa ver vantagem no programa. No caso de programas para empresas, não é necessariamente a pessoa com quem se faz negócio que recebe o benefício –ela é apenas funcionária da empresa que será fidelizada. Portanto, de alguma maneira, ela também precisa ver com bons olhos aquele relacionamento, seja porque vai melhorar a eficiência do que está comprando, seja porque vai facilitar atingir alguma meta
Aprenda com erros e acertos
O histórico no Brasil não é favorável. Grandes empresas já estruturaram programas de fidelidade que não deram certo, como o Smart Club. O Smart Club reunia empresas como Shell, TAM, Lojas Americanas e Bradesco, mas foi extinto em 2004. Essas falhas não precisam ser um desincentivo, elas podem ser um aprendizado. Olhe o que funcionou e o que não funcionou para não cometer os mesmos erros.
Um dos modelos que eu acho mais interessante atualmente é o que o supermercado Dia adota em alguns países no exterior. Quando você vai a uma loja, recebe um cupom de benefícios para a próxima compra. Esses benefícios são decididos conforme o perfil do comprador. O Dia tem um sistema ainda restrito à Europa que avalia a cesta do consumidor. Se ele ou ela tem filhos, por exemplo, o cupom vai estimular a compra de um produto de criança que ainda não experimentou, por exemplo. Ou, se o consumidor costuma ir à loja uma vez a cada 15 dias, o cupom terá um desconto válido por um período menor do que isso, para estimular a visita mais frequente. Considero simples de compreensão e extremamente eficaz, apesar da grande tecnologia envolvida.
A equipe
Quem serão as pessoas responsáveis pelo programa de fidelidade na sua empresa? Isso varia muito de acordo com a estrutura do negócio. Mas, em geral, a área de marketing é fundamental. É ela quem terá o conhecimento maior sobre o consumidor e o que ele procura. O envolvimento da área comercial também é importante, já que o programa poderá ser uma poderosa ferramenta de vendas. Por ser uma estratégia que envolve a empresa toda e precisa estar alinhada com as diretrizes do negócio, também precisam participar do planejamento e execução o nível mais alto de decisão da empresa e representantes da área financeira.
SE O PROGRAMA SE TORNAR APENAS UM ACESSÓRIO DA ÁREA COMERCIAL OU DO MARKETING, NÃO TERÁ SUSTENTAÇÃO.
Comunicação
Quando a empresa já entendeu com qual cliente ela vai falar, quais benefícios motivarão uma mudança de comportamento e quem serão as pessoas responsáveis pela gestão do programa, é hora de colocá-lo em prática. A comunicação é fator determinante para o sucesso da estratégia. Quais canais de comunicação serão usados e de que maneira o programa vai ser anunciado? Simplicidade, nesse caso, é a palavra-chave. O cliente precisa entender o programa com poucas explicações, visualizar os benefícios e ter facilidade para utilizá-los, sejam eles descontos, pontos ou o método de fidelização que sua empresa optou por usar.
Um programa difícil de entender, que não é bem comunicado ou que fica escondido durante a experiência de compra não vai gerar engajamento. Um exemplo recente de sucesso foi o “3 Passos da Economia” lançado pela rede de supermercados Extra. A proposta era variar o desconto conforme o número de produtos colocados no carrinho. A comunicação foi clara e o benefício, imediato.
Gestão do caixa
O maior problema do programa de fidelidade –e que nem todo mundo leva em consideração– aparece quando a empresa já botou o bloco na rua. Primeiro, porque o custo de manter o programa é alto. Vamos voltar ao caso do Extra, por exemplo. Uma equipe precisa continuamente negociar com fornecedores para definir os produtos que poderão entrar na promoção. Requer uma mobilização constante. Aqui também dá para considerar os custos de comunicação com os clientes. Como será feita a divulgação do programa ao longo do tempo? Como manter o contato com os clientes em um mundo onde muita gente troca de telefone ou de email mais de uma vez por ano?
Outro custo relevante que precisa ser considerado é relacionado à tecnologia. A gestão do banco de dados e inteligência contida nele exige investimentos constantes. Porém, há diversos bons programas disponíveis no mercado.
O controle do caixa também precisa ser feito com cuidado. No caso dos programas com benefícios instantâneos, o ciclo financeiro é fechado na hora da compra. Porém, quando o benefício é cumulativo, é preciso controlar o estoque de premiação e o desembolso. Ter um estoque grande não é necessariamente bom –pode significar que o nível de engajamento com o programa de fidelidade está baixo.
Perenidade
Uma vez que o programa de fidelidade da sua empresa começar a funcionar, não deixe que ele siga seu curso sozinho. É preciso monitorar os resultados e avaliar se a estratégia está funcionando. Os programas podem ser modificados ao longo do tempo, inclusive porque aquilo que um dia motivou seus clientes pode não funcionar mais. O custo de manter a estratégia precisa compensar o retorno e o potencial de engajamento não pode se perder. O programa de fidelidade bem-sucedido é aquele que cria relações duradoura e que, mesmo quando acaba, não faz com que o participante perca o vínculo com a empresa ou marca.
É um desafio manter o engajamento e a relevância do programa. Quando o assunto é programas de fidelidade, sua empresa não está só concorrendo com aquelas que oferecem o mesmo produto ou serviço. Ela está concorrendo com o restaurante que dá uma cartelinha de pague 10 leve uma refeição, com o cartão de crédito que tem programa de milhagens… Enfim, com vários outros programas que oferecem diferentes benefícios em diferentes escalas –e ninguém é capaz de gerir todas essas oportunidades. É necessário que, para o seu cliente-alvo, o seu programa de fidelidade destaque-se dentre os demais pelo benefício gerado, pela simplicidade da gestão ou pelos dois motivos.
No caso das companhias aéreas, por exemplo, a dificuldade com a manutenção dos programas de fidelidade levou as empresas a criarem uma série de regras para o resgate dos pontos, dificultando o uso dos benefícios. O que aconteceu? Hoje o programa é só um acessório e não um critério de decisão. São poucas pessoas hoje que comprar passagem da companhia X porque ela possui um programa de pontos melhor que a da Y, mas as empresas aéreas não se desfazem deles porque se tornaram um padrão do setor.
O programa de fidelidade é só uma parte da estratégia
Minha última dica: programa de fidelidade não faz milagres. Ele não substitui outras iniciativas nas quais sua empresa precisa ficar de olho, como oferecer o portfólio adequado de produtos, ter um bom nível de serviço e um ágil atendimento ao cliente.
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