Por: Edna Simão
A operação de venda de crédito feita recentemente entre a Caixa Econômica Federal e a Empresa Gestora de Ativos (Emgea) pode abrir a possibilidade para que outras instituições públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, também limpem seus balanços, trocando carteira de empréstimos “ruins” por outros papéis com a Emgea.
A medida daria fôlego às instituições, em um cenário em que os aportes de recursos do Tesouro Nacional estão cada vez mais escassos. Em setembro, a Caixa fechou um acordo com a Emgea para transferir uma carteira de dois milhões de contratos por R$ 1,656 bilhão em “créditos podres”. Pela venda, o banco público recebeu o mesmo valor em papéis do Fundo de Compensação de Variações Cambiais (FCVS).
Segundo o presidente da gestora de ativos, Josemir Mangueira Assis, no momento não há negociações com outros bancos públicos, mas não há travas para que isso ocorra, desde que obedecidas as limitações orçamentárias da empresa. A Emgea foi criada em 2001 para administrar contratos habitacionais descasados e conceder descontos agressivos, que em média podem chegar a 70% do valor devido, para estimular o acerto de contas com o mutuário. Na ocasião, o Tesouro teve que fazer uma injeção de recursos na empresa para viabilizar os abatimentos e, consequentemente, a recuperação dos créditos de difícil recuperação.
Há dois anos o governo estudava a possibilidade de transferência desses ativos “podres” da Caixa para a Emgea. A ideia era limpar o balanço e, ao mesmo tempo, dar mais atribuições à empresa de recuperação de crédito pública. As negociações, no entanto, foram interrompidas pelo temor do Tesouro Nacional de ter que injetar mais recursos na empresa de ativos para garantir os descontos na negociação.
Em setembro, as discussões foram retomadas e o contrato entre Caixa e Emgea assinado, com um mecanismo que fez com que a empresa de recuperação de crédito não precisasse do aporte. Na avaliação de Assis, em algum momento o acordo seria viabilizado. Isso porque, apesar da inadimplência média da Caixa ser baixa (2,77% em junho), é um percentual que, ao longo de anos, representa alguns bilhões em provisão de crédito pelo tamanho da carteira do banco, de mais de R$ 500 bilhões.
“O Tesouro não vai colocar dinheiro na Emgea”, diz, destacando que a companhia desde 2012 está gerando superávit primário para os cofres públicos. “Não houve assunção de dívidas, tampouco o envolvimento do Tesouro Nacional, visto tratar-se de operação firmada entre duas empresas públicas.” Por isso, para Assis, o mais sensato era utilizar a estrutura de uma empresa pública, que já faz a recuperação de crédito, para tratar do assunto. Ele lembrou que os bancos privados já vendem suas carteiras para empresas – também privadas – de recuperação de crédito. É um expediente que a própria Caixa chegou a cogitar, conforme noticiou o Valor em julho.
A “limpeza” no balanço da Caixa não envolve apenas créditos imobiliários como em 2001, mas outros destinados ao consumo, como de automóveis e outros bens. A política de descontos ainda será avaliada pela Emgea. Da operação de R$ 1,656 bilhão, R$ 935 milhões são financiamentos imobiliários e R$ 721 milhões oriundos da área comercial.
Foram repassados, por exemplo, contratos do Minha Casa Melhor, programa do governo federal para ajudar, principalmente, os beneficiários do Minha Casa, Minha Vida na compra de móveis e eletrodomésticos. Nessa linha, esse beneficiário tem um crédito de até R$ 5 mil para pagar no prazo máximo de 48 meses e com juros de 5% ao ano.
O programa foi criticado no seu lançamento, uma vez que, para ter a linha aprovada, basta que esteja com as parcelas da casa própria em dia, o que comprometeria a qualidade das operações, já que a Caixa não pode negar o acesso nem tem flexibilidade para elevar juros conforme o perfil do cliente. Em julho, o banco estudava duas operações para vender cerca de R$ 6 bilhões em financiamentos de alto risco voltados ao consumo, sendo metade de empréstimos do Minha Casa Melhor. Um volume de R$ 3,17 bilhões em créditos já inadimplentes seria ofertado a fundos especializados em ativos podres.
Para a Emgea, a operação com a Caixa foi importante porque trocou um ativo de longo prazo (créditos do FCVS) por uma carteira de crédito para recuperação, podendo obter lucro no curto prazo. Se ficasse com os créditos do FCVS, a Emgea teria que aguardar o Tesouro para receber o dinheiro, que tem liberado os recursos lentamente devido às limitações orçamentárias. Outra opção da empresa seria aguardar o vencimento do papel em 2027.
Na avaliação de Assis, a Caixa terá mais condições de pressionar o governo nesse tema, já que o banco tem a responsabilidade de administrar o FCVS. Outro possível benefício ao banco público é que a resolução que traz as regras sobre o direcionamento dos recursos da poupança em crédito imobiliário permite o uso, com restrições, do FCVS na conta. Além disso, após anos de negociações de carteira de financiamento imobiliários descasados, o número de operações vem caindo e era preciso rediscutir a função da Emgea, diz Assis.
Para a Caixa, além de retirar esses “créditos ruins” do balanço, o que dá um ligeiro fôlego para alavancagem do crédito, o banco vendeu a carteira para a Emgea por um preço melhor do que conseguiria no mercado, conforme Assis. Ele não informou o valor de face da carteira repassada. Especula-se que a Caixa estaria retirando do balanço cerca de R$ 5 bilhões.
“Não existe a menor possibilidade de colocar nada embaixo do tapete”, afirmou Assis. Questionada sobre o assunto, a Caixa informou apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que a venda de carteiras é um procedimento adotado pelas instituições financeiras de um modo geral.
“Trata-se de uma estratégia de recuperação de crédito por parte dos bancos quando já foram esgotados todos os esforços de cobrança”, frisou em nota. Segundo a Caixa, foram cedidos cerca de dois milhões de contratos entre empréstimos comerciais para pessoa física e habitacionais à Emgea. “Nossas cessões são sem coobrigação, ou seja, não há possibilidade de retorno dos contratos ao banco.” (Colaborou Felipe Marques)
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