Por: Jairo Saddi
No conto filosófico “O banqueiro anarquista”, de Fernando Pessoa, publicado em maio de 1922 no primeiro número da revista Contemporânea, dirigida por José Pacheco, o grande poeta lusitano pretende “arejar o provincianismo da Lisboa” por meio da palavra: “feita expressamente para gente civilizada e para civilizar gente”. Vale, então, a analogia: crédito civilizado para civilizar o crédito. Ou, em outras palavras, se quisermos garantir que o crédito produtivo e fundamental para a economia continue crescendo, é vital retomar o assunto da redução da carga tributária sobre o crédito.
O crédito no Brasil ainda é tributado de forma magistral. Somos um dos poucos países em que há cinco tipos de impostos incidentes sobre o crédito: o Imposto de Renda, o IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras), o PIS, Cofins e a CSSL (Contribuição Social Sobre o Lucro) e, como se não bastasse, a ameaça do ISS por algumas prefeituras sobre determinados produtos e serviços bancários.
A carga tributária referente aos produtos bancários varia de produto a produto, mas, em geral, a realidade é a seguinte: sobre o lucro dos bancos incide 25% de IR e 15% de CSLL, enquanto sobre o spread (da receita de juros é permitido descontar o custo da captação) incide 4% de Cofins e 0,65% de PIS. Já o IOF incide sobre o mutuário e pode chegar a 1,5% sobre o valor nominal do crédito para prazos maiores de um ano (em prazos menores de um ano, a alíquota é proporcional a 0,0041% ao dia). Há, ainda, a falsa percepção de que se deve aumentar a tributação sobre os bancos, em razão de eles serem muito lucrativos -como se não repassassem tais custos aos consumidores. Os spreads bancários são elevados justamente em razão de inseguranças e da cunha fiscal.
De acordo com o Banco Central (BC), a tributação do crédito bancário pode abranger quase um terço do total do spread, considerando impostos diretos e indiretos. Certamente, uma redução nas taxas de juros, contrária ao movimento que se observa, deveria ser acompanhada também de uma redução do ônus tributário, que é parte da composição dos custos das taxas de juros.
Não se desconhece a noção de capacidade contributiva. Na doutrina tributária, ela tem estrita relação como o princípio da igualdade: objetivamente, se há a presença de uma riqueza passível de ser tributada, logo a capacidade contributiva seria um requisito para a tributação. Mas há um outro sentido que é relativo ou subjetivo, determinando qual parcela da receita ou riqueza poderá ser tributada em razão de condições individuais e particulares.
Ora, algumas considerações se impõem: primeira, a redução da carga tributária total. Em 2013, a carga total foi de 37,65% do Produto Interno Bruto, com alta de 0,53 ponto percentual em relação ao ano anterior, que foi de 37,13%. Deste total, estima-se que os intermediários financeiros participem com cerca de 16% a 20% dependendo do critério – o que é muito em qualquer lugar do planeta. Como referência, essa mesma proporção cai para aproximadamente 4% nos países que normalmente são usados como exemplos de patamar civilizado de spread bancário.
A despeito da defesa daqueles que argumentam que os intermediários financeiros (e seus clientes, é verdade) também são beneficiários de juros pagos pelo Tesouro por causa da dívida pública, vale lembrar das distorções que potencialmente estão associadas a essa transferência de recursos na economia. Posto de outra forma, a mão que tira é a mesma que dá, num círculo vicioso pernóstico e crescente; e é lógico, com dramáticos impactos para o país.
Reduzir a carga tributária sobre o crédito é também aumentar a inclusão social, tão pretendida pelo Estado. Excluídos aspectos criminais da sonegação fiscal, muitos estão na informalidade pela incapacidade de poder pagar impostos. Mesmo com programas de redução e simplificação de impostos, como o “Simples”, limitados a setores específicos, a carga tributária ao pequeno empresário que pretende tomar crédito ainda é demasiadamente pesada. Não é por outra razão que o acesso ao crédito deve ser visto por um ponto de vista político mais amplo: o crédito é em si o acesso à cidadania.
Finalmente, outra ideia deve ser defendida: aperfeiçoar o regime tributário não discriminatório para estrangeiros, de resto, igualdade já reconhecida pela Carta de 1988, no Princípio da Igualdade. O princípio da isonomia pretende a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de gênero, classe ou poder econômico, garantindo o direito de todos. A Constituição Federal de 1988 observa o princípio da isonomia em vários dispositivos: artigo 5º, caput, incisos I, VIII, XXXVII, XLII e artigo 7º, XXX, XXXI e XXXIV. Assim, a proposta de harmonização das regras nos mercados de títulos público e privado depende apenas de comando regulamentar.
A redução dos impostos incidentes nos títulos de longo prazo, em especial do mercado produtivo, é imperiosa. A única forma de alterar a situação vigente é entender que, para se desenvolver, o Brasil precisa de crédito, e para haver “crédito civilizado” é preciso civilizar a tributação.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP). É diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
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