Por: Felipe Marques e Vinicius Pinheiro
A conta do baixo crescimento econômico nos últimos anos e da alta da taxa básica de juros (Selic) chegou para as empresas brasileiras. Mais endividadas e com geração de caixa abaixo do esperado, as companhias apresentaram deterioração na sua capacidade de honrar dívidas ao longo deste ano, o que se refletiu em um aumento do número de empresas rebaixadas pelas principais agências de classificação de risco de crédito. Com notas piores, sobe o custo das companhias na captação de recursos.
Na agência Moody’s, o placar é de “goleada” dos cortes nas notas de risco de empresas brasileiras. Até o começo de novembro, foram nove empresas rebaixadas e apenas uma que teve sua avaliação melhorada. Em 2013, foram sete rebaixamentos em comparação a cinco notas elevadas.
“No ano passado, houve uma concentração dos downgrades no setor de construção civil. Em 2014 ainda há um rescaldo desse setor, mas a relação agora é com a desaceleração da economia”, afirma a diretora associada da Moody’s para América Latina, Marianna Waltz.
Na lista de empresas rebaixadas pela Moody’s, estão a construtora Brookfield, a operadora de logística Tegma e a BR Pharma, de varejo farmacêutico. O único upgrade foi o da nota da Lupatech, que está em recuperação extrajudicial e continua na escala de empresas consideradas de alto grau especulativo.
Na agência Fitch, nove empresas brasileiras foram rebaixadas, com destaque para a operadora de telefonia Oi, que perdeu a condição de grau de investimento pelos critérios da agência. Do outro lado, quatro companhias conseguiram melhorar a avaliação, incluindo a produtora de papel e celulose Fibria, a única empresa nacional a entrar no “clube” de empresas consideradas mais seguras para se investir neste ano.
No ano passado, a agência promoveu a nota de dez companhias e rebaixou nove. A Fitch partilha da visão que os rebaixamentos foram além da concentração setorial. “Para muitas companhias, a geração de caixa frustrou ou foi postergada”, diz Ricardo Carvalho, diretor da agência.
Procurada, a Standard & Poor’s afirmou que não faz esse tipo de levantamento. O Valor, com base nos relatórios enviados pela agência, constatou pelo menos sete rebaixamentos e duas elevações nas notas neste ano.
Mas não apenas problemas de ordem econômica afetam a avaliação de risco das empresas. Em meio às denúncias de corrupção na Petrobras, a Moody’s decidiu rebaixar a nota da empreiteira Mendes Junior e colocar a da OAS em perspectiva negativa. Ambas as companhias possuem contratos com a estatal.
Os holofotes agora se voltaram para a própria Petrobras, que adiou a publicação do balanço trimestral. A empresa, que possui avaliação das três principais agências de risco, foi rebaixada pela Moody’s e pela S&P neste ano, mas ainda dentro do patamar de grau de investimento. As agências informaram que, até o momento, tanto as denúncias como o atraso no balanço não afetam a nota de crédito.
A classificação de risco realizada pelas agências de rating avalia basicamente a capacidade de um determinado emissor de título de dívida, como uma empresa ou um país, de honrar o pagamento aos investidores. A principal consequência da piora na nota é o aumento no custo de captação das companhias.
Em um cenário de juros altos, o peso da dívida fica ainda maior. Neste ano, a fornecedora de autopeças Sifco e a produtora de açúcar e álcool Aralco entraram em recuperação judicial e deixaram de pagar os credores. No mês passado, o Grupo Virgolino de Oliveira, também do setor sucroalcoleiro, teve a nota rebaixada para um patamar próximo ao “default” (calote) depois de anunciar a contratação de uma consultoria financeira para negociar com os credores.
A tendência é que o número de rebaixamentos siga em alta em 2015 – e supere mais uma vez as elevações. “O ambiente de negócios deve permanecer difícil no ano que vem”, afirma o diretor da Fitch. Para ele, outra variável que deve ser acompanhada de perto é a oferta de crédito dos bancos, em particular para os setores em maior dificuldade.
O mau momento da economia acabou coincidindo com algumas empresas com altos níveis de endividamento. É o que mostra um levantamento da Fitch, que aponta que a dívida líquida de 104 companhias avaliadas pela agência representa, em média, 2,9 vezes a geração de caixa anual.
A boa notícia é que as empresas, aparentemente, se preveniram para os tempos mais bicudos. A posição de caixa, somada ao fluxo de caixa das operações das companhias avaliadas pela Fitch, é suficiente para cobrir mais que o dobro da dívida de curto prazo. “Os dados indicam que o risco de refinanciamento continua baixo”, diz Carvalho.
De 2008 para cá, o endividamento das empresas brasileiras deu um salto. A dívida das empresas representava 30,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em junho de 2008. Seis anos depois, em junho de 2014, essa fatia estava em 49,2%, segundo dados do Banco Central (BC).
Se a alta do número de rebaixamentos sinaliza deterioração do perfil de crédito das grandes empresas, a situação das companhias menores, que não têm acesso ao mercado de capitais e não costumam passar pelo crivo das grandes agências de rating, tende a ser a ainda mais complicada. “Quem possui dívida no mercado internacional e avaliação por agências de rating integra uma ‘elite’”, diz o executivo de um grande banco, que pediu para não ser identificado.
No Relatório de Estabilidade Financeira, o BC afirmou que as empresas brasileiras, assim como as de outros países emergentes, estão em transição para um cenário de custo mais alto de financiamento e de menor liquidez. Para a autoridade monetária, essa transição apresenta riscos “controlados” às empresas locais. Fatores como níveis “confortáveis” de endividamento, na visão do BC, e exposição “comparativamente baixa” em moeda estrangeira ante outros emergentes ajuda na mitigação dos riscos.
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