Por: Denise Neumann
A renda disponível para o consumo diminuiu e o crédito está mais contido. Esses dois fatores objetivos provavelmente já seriam suficientes para segurar a demanda mesmo se o ânimo e a confiança do consumidor e das famílias tivessem alguma colaboração dos resultados da Copa do Mundo. Depois da decepção causada pela derrota histórica do Brasil, anteontem, nem mesmo a surpresa positiva do sucesso da organização do evento deve restar como esperança para contrapor o que os dados concretos sinalizam. Nos últimos 12 meses, a confiança do consumidor recuou 10 pontos e estacionou no menor patamar desde o início de 2009, auge dos efeitos negativos da crise financeira mundial sobre a economia brasileira.
Mais do que o pessimismo, contudo, a desaceleração da massa de salários e o menor crescimento do crédito para as pessoas físicas estão afetando o resultado do varejo, avaliam economistas. O crescimento da massa salarial em 12 meses recuou de 5,2% para 2,8%. O ritmo de expansão do crédito cedeu de 10% para 6%. Como as razões são objetivas – e não apenas subjetivas -, eles não esperam reação do consumidor, apesar das medidas recentes adotadas pelo governo, como a manutenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos e móveis.
O diretor da área de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisas Econômicas (Ipea), Claudio Hamilton dos Santos, avalia que não só a massa de rendimentos está crescendo menos, como a renda disponível para o consumo diminuiu por duas principais razões: o consumidor está mais endividado – e um dos motivos é o financiamento habitacional – e o aumento do preço dos serviços afetou o orçamento das famílias. “Os números sugerem que a aceleração da inflação reduziu a renda disponível”, diz Santos, ponderando que a inflação afeta fortemente as pessoas que ganham menos e têm sido maior nos serviços, segmento muito demandado nas grandes cidades.
O outro elemento objetivo que compromete a capacidade de consumo futura, na avaliação de Santos, é o aumento do endividamento. “O crédito habitacional continua crescendo na faixa de 30% ao ano, enquanto o crédito para aquisição de outros bens desacelerou”, afirma o diretor do Ipea. “Com a aquisição da casa própria, as famílias fazem um esforço de poupança, mas isso também afeta a renda que poderia ser usada para o consumo de outros bens”, acrescenta.
Em março passado, segundo dados do Banco Central, o endividamento total das famílias alcançou 45% da renda acumulada nos últimos 12 meses, três pontos acima do que era há dois anos. A composição, contudo, está mudando. Do total, 35% correspondiam ao crédito habitacional, uma parcela que era de 26% do total há dois anos. Enquanto a renda comprometida com a compra do imóvel aumentou, caiu a parcela destinada a outros bens financiados, como automóveis e eletrodomésticos.
Na avaliação do economista-chefe do banco J. Safra, Carlos Kawall, os fatores que alimentaram o consumo nos últimos anos – crédito e renda – perderam fôlego, o que reflete um esgotamento do modelo que sustentou a economia. Mesmo considerando a confiança do consumidor como uma realidade da conjuntura, Kawall pondera não existe uma boa correlação entre os indicadores de ânimo do consumidor e consumo. “A capacidade ociosa no mercado de trabalho e o espaço para tomar crédito já se esgotaram e é isso que os indicadores de demanda refletem”, observa Kawall.
A economista Fernanda Consorte, do banco Santander, também vê um esgotamento do modelo. Ela lembra que o estoque de crédito concedido às pessoas crescia 10% no início do ano passado e hoje já desacelerou para 5,8%, considerando o dado de maio na comparação com igual mês do ano passado, pelo segmento de crédito livre, enquanto o aumento real dos salários, que era de 6% ao ano no começo de 2012 hoje está em 2,5%.
“O crédito desacelerou absurdamente e explica muito do ritmo atual do varejo”, diz ela. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento do volume de vendas do varejo recuou de 7,7% em abril do ano passado para 2,5% em igual mês deste ano, considerando o total acumulado em 12 meses.
Fernanda dá menos peso que Santos, do Ipea, ao comprometimento da renda com financiamento imobiliário para explicar a menor capacidade de endividamento do consumidor. Olhada pelo critério de comprometimento mensal, as famílias mantêm seu endividamento em torno de 21% neste ano, percentual idêntico ao do ano passado e na renda mensal, o crédito imobiliário é cerca de 1,8 ponto percentual. “Ela não afeta tanto a renda mensal”, pondera ela, para quem o esgotamento é fruto da renda que cresce menos e da desaceleração do crédito.
Um pouco na contramão dos demais economistas, Julio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, avalia que a queda na confiança é um elemento bastante forte do momento de desaceleração do consumo. Ele vê o crédito morno – mas em parte por iniciativa dos próprios bancos – e a renda salarial mais fraca, mas ainda crescendo acima da inflação.
Como nos dois indicadores não há, ainda, uma parada brusca, Almeida acha que explicam parte da perda de fôlego da demanda, mas o fator subjetivo – a confiança baixa – não pode ser descartado. Assim, em algum momento pós-Copa e especialmente pós-eleições, diz ele, as famílias podem se sentir menos temerosas com o futuro e voltar com mais vontade ao consumo. Mesmo dando peso para os indicadores de confiança, Almeida não acha que o consumo terá, no futuro, capacidade para liderar o crescimento como no passado.
Para Fernanda, a demanda tende a crescer mais próxima do PIB nos próximos anos. “O peso do consumo no PIB será menor do que foi no passado”, diz ela. Para a economista do Santander, uma recuperação da confiança do consumidor pode dar um ânimo de curto prazo às vendas, mas será um “gás de curto prazo”.
Kawall, do J. Safra, partilha da mesma opinião. A recente decisão de manter as alíquotas do IPI sobre veículos e móveis, diz ele, no máximo ajudará a situação a não piorar. “A insistência em colocar estímulos ao consumo é um erro. Eles [estímulos] valem em momentos de crise, em uma situação específica, mas não como diretriz de política econômica”, diz Kawall.
O economista do J. Safra pondera que também a inflação futura – com a expectativa de recomposição dos preços administrados puxados pelas tarifas de energia – vai afetar a renda, reduzindo o orçamento das famílias disponível para outras despesas ou aquisição de bens. “O consumo já está fraco e tende a ficar ainda mais fraco em 2015″, avalia Kawall.
Santos, do Ipea, também levanta outra questão acerca do consumo. Para ele, o consumo é mal medido nas contas nacionais. No PIB trimestral, diz ele, o consumo é medido indiretamente. Quando saírem os dados definitivos, ele será maior. Mesmo deixando essa parte “técnica” de lado, diz ele, é natural que depois de anos de crescimento inclusivo, com maior acesso das famílias a um diferente conjunto de bens, via crédito e renda, o crescimento seja mais moderado.
“Ainda temos demanda reprimida, ainda tem muito espaço para inclusão e distribuição de renda, mas também espera-se que isso ocorra a um ritmo menor”, pondera o diretor do Ipea.
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