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Por que os juros do crédito são altos no Brasil?

por: Afonso Bazolli
em: Crédito
fonte: Folha de S.Paulo
02 de novembro de 2015 - 18:08

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Por: Marco Bonomo

O mercado de crédito do Brasil tem dois segmentos bem diferenciados. O segmento livre, em que as taxas cobradas são de mercado, e o de crédito direcionado, em que as taxas seguem regras estipuladas pelo governo.

No segmento livre, a taxa média cobrada num empréstimo à pessoa física no final de 2014 era de cerca de 44% ao ano, uma taxa real (descontada a inflação) de 35%, entre as maiores do mundo.

Já as firmas pagavam no segmento livre uma taxa média de quase 23,5%.

É útil pensar na taxa de juros do crédito como a soma da taxa de financiamento do banco com a taxa de “spread” bancário, definida como a diferença entre taxa de empréstimo e de financiamento.

Vamos supor que a taxa básica de juros da economia, a Selic, controlada pelo Banco Central, seja o principal determinante da taxa de financiamento dos empréstimos.

Dessa forma, decompomos o nosso problema dos altos níveis das taxas de empréstimo em dois outros problemas: os níveis das taxas básicas de juros e os níveis dos “spreads” bancários, ambos muito altos no Brasil.

A TAXA DE JUROS BÁSICA

A taxa de juros básica (Selic) está entre as mais altas do mundo, e não há consenso entre economistas sobre a explicação para isso.

Alguns diziam que havia um problema de equilíbrios múltiplos e que, se o Banco Central reduzisse a taxa básica de forma voluntarista, aterrissaríamos num equilíbrio de taxa mais baixa, sem consequência ruim sobre a inflação. A tentativa malsucedida de 2012 nos mostrou que isso não era possível.

A teoria monetária moderna nos diz que o nível médio da taxa básica de juros deve flutuar em torno da taxa neutra, definida como a taxa de juros que faz a demanda agregada da economia ser igual ao seu produto potencial.

Nessa concepção, o alto patamar da Selic deve-se ao nível elevado da taxa neutra, o que nos remete à questão do porquê de esta ser tão alta.

Uma possível razão é a impaciência dos nossos consumidores, o que se traduz numa baixa propensão a poupar. Essa peculiaridade comportamental dos brasileiros pode ter vários motivos.

A nossa longa experiência inflacionária pode ter gerado uma percepção exagerada de risco na atividade de poupar. O paternalismo do Estado, refletido nos diversos mecanismos de poupança forçada e benefícios pré-estipulados, também nos habituou à omissão nesse tipo de decisão.

Por fim, nosso baixo nível de educação financeira certamente tem uma contribuição importante, interagindo com os aspectos citados.

A essa razão mais enraizada podemos adicionar dois fatores conjunturais recentes: a deterioração da política fiscal e a da reputação do Banco Central. O primeiro eleva a taxa neutra, e o segundo reduz o efeito da política monetária contracionista sobre a inflação, fazendo com que a alta de juros necessária para combatê-la seja maior.

O NÍVEL DE ‘SPREADS’

O nível alto da taxa básica de juros, que remunera aplicações com pouco risco, também contribui para um nível alto de “spread”, pois se constitui num piso para a remuneração da atividade de intermediação financeira.

Esta, por envolver risco, requer uma compensação ainda maior para ser atrativa, refletindo-se no “spread”.

Esse efeito é ainda exacerbado pela incerteza macroeconômica, que gera volatilidade nos preços dos ativos financeiros, contribuindo adicionalmente para o risco da intermediação financeira.

Um componente natural do risco de intermediação financeira é o risco de default no empréstimo. No Brasil, o risco de inadimplência médio é relativamente alto, especialmente em modalidades de empréstimos em que as taxas de juros são muito altas.

Assim, o alto nível de inadimplência é tanto causa como consequência das taxas.

Além disso, o custo da recuperação dos empréstimos inadimplentes também é alto no Brasil. Embora avanços como o crédito consignado, a alienação fiduciária e a Lei de Falências tenham contribuído para a redução desse custo, o processo judicial de recuperação de garantias ainda é lento e ineficiente.

A existência de um imposto indireto na intermediação financeira –o IOF– não é algo comum em outros sistemas financeiros e onera as taxas de empréstimo.

Os percentuais de depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a recolher também são extremamente altos diante dos de outros países. O fato de uma parcela expressiva desses depósitos não ser remunerada gera compensação na taxa de empréstimo.

Outra característica peculiar no nosso sistema de intermediação financeira é uma parcela grande de empréstimos direcionados. Esses empréstimos têm taxas reguladas e terminam por gerar “spreads” bem mais baixos que os empréstimos livres. A despesa com eles gera compensações nos juros dos empréstimos livres, num esquema de subsídio cruzado.

O fato de a parcela do crédito direcionado ter aumentado bastante nos últimos anos foi um fator importante para o “spread” ter se mantido em níveis tão elevados.

O Brasil também tem um setor bancário altamente concentrado e uma população com baixo nível de educação financeira. A conjunção destes fatores dá grande poder de mercado aos bancos.

Clientes menos informados e com baixo nível de educação financeira tendem a um alto grau de inércia nas suas relações financeiras, tornando-se reféns de seus bancos. Estes podem, por isso, cobrar mais de seus clientes e remunerar menos os seus recursos.

COMO MELHORAR

Há inúmeras medidas que podem contribuir para a redução das taxas de empréstimos. A recuperação de credibilidade das políticas monetária e fiscal certamente contribui a médio prazo para a redução do nível básico de taxa de juros e da volatilidade dos preços dos ativos, gerando também reduções no “spread”.

Reduções adicionais do “spread” podem ser obtidas imediatamente pela redução de IOF e pela eliminação de depósitos compulsórios não remunerados. Outras medidas requerem mudanças mais estruturais, como a restruturação do sistema bancário de forma a eliminar os empréstimos direcionados.

É possível continuar a progredir na redução do custo de recuperação de empréstimos inadimplentes com medidas que tornem o processo judicial de recuperação mais ágil.

Políticas que incentivem a competição bancária e o aumento do poder de barganha do consumidor, como o cadastro positivo e medidas que facilitam a portabilidade, poderão ter efeito adicional.

Por fim, vale ressaltar o risco ao tentar reduzir as taxas de juros dos empréstimos sem atacar as suas causas.

O governo fez uma tentativa de forçar a redução do “spread” dos bancos privados com uma atuação agressiva dos bancos públicos. Assim como no caso da taxa básica de juros, foi malsucedido e gerou custos: não só os “spreads” continuam altos como a experiência levou à deterioração da carteira de empréstimos dos bancos públicos.

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