Por: Flavia Lima
Em meio à escassez de recursos públicos, as sociedades de microcrédito buscam caminhar com as próprias pernas, deixando para trás a imagem de um setor movido a recurso subsidiado. Para isso, a associação que reúne as instituições privadas não ligadas a bancos – autorizadas a oferecer exclusivamente crédito ao microempreendedor – busca ampliar o acesso a funding por caminhos diferenciados.
Na linha de frente, há um esforço para obter autorização para emissão de letras de câmbio – título de captação típico das financeiras. O foco são investidores qualificados. A solicitação foi feita no fim do ano passado e aguarda posição do Banco Central. A regra atual não autoriza essas sociedades a captar recursos diretamente no mercado. Esse tipo de empresa também não pode oferecer poupança, aceitar depósito ou emitir letra financeira como faz uma financeira ou um banco comum.
Um segundo pleito inclui o fornecimento de serviços, como seguros, assistência financeira e até cartões. “Queremos que o Banco Central entenda que podemos levar um serviço de valor agregado alto. Como se fosse um private banking às avessas para esse público”, diz Ricardo Assaf, presidente da Associação Brasileira das Sociedades de Microcrédito (ABSCM). Ele ressalta que o foco são micro e pequenos empreendedores das mais diversas regiões, muitos deles desbancarizados.
Enquanto o posicionamento oficial sobre a emissão de títulos e o fornecimento de serviços não vem, a associação se movimenta em outra frente: a construção de um fundo de direitos creditórios único, de R$ 60 milhões, que funcionaria como fonte de funding conjunta para todas as associadas. A expectativa é captar R$ 30 milhões de investidores estratégicos (como bancos de fomento internacionais e o próprio BNDES), e ir a mercado para captar o restante.
No primeiro ano após a criação do fundo, a meta é aumentar em pelo menos de 20% a base atual de 130 mil clientes distribuídos entre 27 associadas espalhadas por 12 Estados. Hoje, a carteira de crédito da associação é superior a R$ 200 milhões. O valor dos empréstimos fica entre R$ 2 mil e R$ 15 mil e a inadimplência da carteira vai de 4% a 6%, com taxas de juro variando de 3,5% a 5% ao mês, em média.
“Funding para emprestar é o grande gargalo da indústria de microcrédito”, diz Assaf. Segundo ele, o microcrédito sempre foi pautado por subsídios no Brasil, o que vê como algo negativo. “O governo estragou esse mercado porque injetou dinheiro em instituições públicas que fizeram quase que doações aos tomares de crédito. Isso atrapalhou a tentativa de profissionalização do segmento. Fica difícil para instituições privadas competirem de igual para igual.”
Ele cita como exemplo a competição das sociedades de microcrédito com os bancos estaduais. “No Nordeste, um banco ligado ao governo oferece taxas de 1% ou 2% ao mês. É dinheiro subsidiado, não tem como competir. E isso acaba esmagando o setor [ou seja, as empresas que concedem o crédito]“.
Diante dos problemas de caixa dos governos federal e estaduais, diz Assaf, a associação quer tomar a frente do movimento de profissionalização. Isso não significa abrir mão de parcerias com bancos de fomento. A associação vinha de conversas adiantadas sobre o fundo de recebíveis conjunto com o BNDES. Com a mudança de governo, diz Assaf, a negociação voltou à estaca zero e a saída foi procurar outros investidores, também interessados no impacto social do fundo, como o Corporação Andina de Fomento (CAF) e o IFC, ligado ao Banco Mundial.
A ideia agora é atualizar o plano de negócios e começar a captação. Com a possibilidade de usar o fundo de aval do Senai para garantir as operações do FIDC.
Assaf explica que muitas das 27 associadas espalhadas pelo país têm seus próprios fundos de recebíveis, mas com a elevação do custo e do nível de regulação, a ideia do fundo único ganhou força. “Com isso, ganhamos volume e notoriedade e fica mais simples atrair o investidor”, diz ele, que também está à frente da Empresta Capital, sociedade de microcrédito baseada em São Paulo com um fundo – o Microfinanças FIDC -, com patrimônio de R$ 40 milhões e 10 mil clientes.
As operações de empréstimos feitos aos microempreendedores são empacotadas e vendidas para o fundo, que remunera as empresas de microcrédito. Segundo Assaf, é uma solução de mercado para fazer captação. Ele lembra que, por toda a América Latina, a concessão do microcrédito é concentrada na iniciativa privada, em parceria com governos, o que lhe parece um modelo mais adequado.
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