Por Gilberto Borça Jr.
Muito se discutiu sobre o papel do crédito público na economia brasileira nos últimos anos. O que poucos notaram é que, em 2014, foi a sua moderação que liderou a desaceleração do crédito total. É verdade que as operações de financiamento das instituições oficiais ainda crescem a taxas nominais anualizadas de dois dígitos (17,7% em novembro de 2014), mas seu dinamismo hoje é bem menor do que no passado recente. Em 2014, com dados até novembro, o sistema público de crédito foi responsável por mais de 70% da desaceleração do crédito bancário total. O ajustamento, portanto, já começou.
É fato que bancos públicos foram o motor do crédito ao longo dos últimos anos – mas já reduziram sua força em 2014 e não será diferente em 2015. Vários são os fatores limitadores: redução da própria demanda por financiamentos devido ao baixo crescimento da economia; restrições de ordem fiscal; aumento de alavancagem; queda nas margens de novos empréstimos – enfim, motivos não faltam.
Atualização da legislação de recuperação de bens em caso de inadimplência deve destravar crédito
O problema é que no crédito privado a postura de maior aversão a risco ainda prevalece, sobretudo diante de um quadro de crescimento anêmico e baixos níveis de confiança. A mudança no modelo de negócios de alguns bancos, resultado ainda da expansão excessiva de crédito em 2010, levou a um esforço de saneamento de suas carteiras nos anos seguintes, com redução dos indicadores de inadimplência e elevação de rentabilidade. No entanto, até hoje, importantes modalidades de crédito às pessoas físicas, como crédito direto ao consumidor (CDC) para aquisição de veículos, apresentam contração. Não parece haver, por ora, interesse das instituições privadas em inaugurar um novo ciclo expansionista.
Em suma, se anteriormente a desaceleração dos bancos privados era compensada pela atuação anticíclica das instituições oficiais, agora o comportamento de ambas se reforçam. Considerando que essa dinâmica deva continuar ao longo dos próximos anos, o crédito bancário tende a se reduzir como fonte de estímulo à demanda agregada da economia. Os ajustes já anunciados pela nova equipe econômica, tanto no campo fiscal (meta de superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 e elevação de 50 bsp da TJLP), quanto no campo monetário (ciclo de alta da Selic) e creditício (elevação da alíquota de IOF para crédito à pessoa física) reforçam essa tendência.
Existe, nesse cenário, alguma esperança? Há dois conjuntos de medidas recentes que podem suavizar a desaceleração do crédito bancário. A primeira refere-se ao crédito pessoal consignado. Em setembro de 2014, o Banco Central ampliou o prazo máximo das concessões via consignado para servidores públicos (de 60 para 96 meses) e para beneficiários do INSS (de 60 para 72 meses). A junção de servidores públicos e beneficiários do INSS compõem 92% das operações consignadas, haja vista a baixa participação de trabalhadores privados. Como o crédito consignado representa 32,3% da carteira livre destinada às pessoas físicas, e 8,4% do crédito total, tais medidas de alongamento de prazos tem potencial para mitigar, mesmo que parcialmente, as perspectivas pouco dinâmicas para o crédito privado em 2015.
De fato, ao observarmos as operações consignadas destinadas aos beneficiários do INSS, o prazo máximo anterior de 60 meses estava quase sendo alcançado (57,6 meses), atuando como fator limitador do crescimento desse segmento da carteira. A mudança, em apenas alguns meses, permitiu um alongamento médio para quase 70 meses. No que tange aos servidores públicos o movimento é semelhante, com salto de 64,5 meses para 76 meses.
Vale lembrar que alguns convênios públicos já permitiam operações consignadas com prazo máximo de 120 meses, o que tornava a média das concessões superior aos 60 meses permitidos antes da modificação das regras. O alongamento dos prazos não implica necessariamente expansão do crédito dessas modalidades, podendo levar apenas à renegociação de débitos já existentes em melhores condições. Mas, no mínimo, contribui para reduzir o comprometimento de renda das famílias com as despesas de amortização. Seus efeitos, portanto, serão positivos.
A segunda medida ocorreu em novembro, com a atualização da legislação de recuperação de bens em caso de inadimplência nos financiamentos, a qual, pelo menos em teoria, traz mais agilidade à retomada do bem por parte da instituição credora. A desburocratização, em conjunto com a redução dos custos e a maior celeridade nas decisões jurídicas fornece, a princípio, maior segurança na concessão de recursos. Há, por exemplo, esperanças no setor automotivo de que tal medida possa destravar o crédito bancário da modalidade, considerado grande responsável pela perda de vigor das vendas e da produção. Como as linhas de CDC à aquisição de veículos representam 23,7% da carteira de recursos livres às pessoas físicas, e 6,2% do crédito total, medidas de estímulos à recuperação de seu dinamismo tornam-se importantes na tentativa de redinamizar o crédito bancário privado em 2015.
Assim, tais mudanças tendem a estimular o crédito privado destinado às pessoas físicas, pois abrangem importantes modalidades dessa carteira. É relevante mencionar ainda que a despeito da postura conservadora dos últimos anos, as instituições privadas de crédito ainda detém dois terços dos financiamentos destinado às pessoas físicas (excluindo-se crédito rural e habitacional), os quais representam 27% do crédito total da economia. Especificamente no que tange às modalidades de crédito estimuladas pelas medidas mencionadas – CDC para aquisição de veículo e consignado, os bancos privados detêm, 90% e 50% das carteiras, respectivamente.
A efetividade dessas medidas certamente não reverterá a tendência do crédito bancário, que é de expansão mais moderada em 2015. Mas podem se constituir em instrumentos importantes para que as operações de financiamento à economia apresentem trajetória mais suave de desaceleração. Ao mesmo tempo agem no sentido de estimular o crédito privado na economia, o qual perdeu participação de mercado ao longo dos últimos anos. Sabe-se que 2015 não será um ano fácil. Os desafios são enormes. Mas, ao menos no que diz respeito à oferta de crédito bancário, há alguma esperança.
Gilberto Borça Jr. é economista e gerente da Área de Pesquisa Econômica do BNDES. As opiniões do artigo não refletem necessariamente a opinião do BNDES.
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