Por: Fabiana Lopes
Empresas que fazem empréstimos online, ligando tomadores de crédito a investidores dispostos a financiar essas operações, sem a intermediação de uma instituição financeira, tornaram-se um fenômeno internacional nos últimos anos. A tendência foi coroada em dezembro do ano passado quando a maior dessas empresas, o Lending Club, fez uma oferta inicial de ações em Nova York e levantou cerca de US$ 1 bilhão. Agora, investidores começam a desbravar esse mercado no Brasil, onde a possibilidade de reduzir os elevados juros cobrados nas operações tradicionais é um enorme atrativo, mas a regulamentação obriga uma tropicalização do modelo.
Entrou no ar a plataforma de empréstimos online batizada de Geru, gíria japonesa para dinheiro. Não há, porém, japoneses por trás do projeto. Depois de trabalhar na criação de empresas como Ersa – Energia Renováveis, Geo Eventos e BR Towers, o economista Sandro Reiss decidiu deixar a carreira de executivo e empreender na área. Na companhia de dois sócios, levou dois anos para desenvolver a Geru.
“Queremos oferecer empréstimos pessoais a taxas que variam entre 25% e 80% ao ano”, diz Reiss, um entusiasta do modelo de negócios que se originou no Reino Unido. Ele explica que a Geru não é um exatamente um “peer-to-peer lending” (termo em inglês para as empresas que fazem os empréstimos diretos entre tomadores e investidores pela internet), porque a legislação brasileira torna obrigatória a presença de uma instituição financeira nas operações de crédito. Lá fora, uma mesma plataforma na internet oferece os empréstimos aos tomadores e permite que investidores comprem títulos lastreados nos vários empréstimos. E é essa ligação direta que possibilita a cobrança de taxas mais baixas.
Mas, diz Reiss, apesar disso, a ideia é oferecer todos os benefícios da modalidade para quem está tomando empréstimos, a começar pelos juros. “Neste modelo de negócio, o custo de originação é mais baixo por não haver uma estrutura física de agência”, diz. Taxas de até 80% ao ano não são exatamente uma pechincha, mas tornam-se bastante atraentes num ambiente como o brasileiro, em que a taxa média de juros para o cheque especial é de 214,2% ao ano, enquanto a taxa do crédito pessoal não consignado está em 108,1% e a do rotativo do cartão de crédito alcança 342,2% ao ano, de acordo com dados de fevereiro divulgados pelo Banco Central (BC).
Os juros pagos pelos clientes na plataforma online variam segundo uma nota de risco de cada consumidor. Reiss explica que a Geru desenvolveu um modelo de análise de risco que, além das consultas em birôs de crédito, agrega informações de fontes não convencionais, como localização geográfica, por exemplo.
Além dos juros, o tomador paga também uma taxa de serviço de 5% do crédito liberado – o que aumenta a taxa efetiva paga no empréstimo. É essa comissão que cobre os custos da empresa e remunera o negócio. No site, os clientes podem tomar entre R$ 2 mil e R$ 35 mil, com prazos entre 12 e 36 meses.
Para cumprir as normas brasileiras, a Geru firmou parceria com o banco Bracce, que provê os recursos e assume o risco de crédito tomado pela plataforma. Juridicamente, a Geru opera como um correspondente bancário do Bracce.
O banco Bracce é uma instituição de pequeno porte, com R$ 103 milhões em ativos, segundo o BC. Com sede em São Paulo, a instituição foi adquirida no ano passado pelo Andbank, banco de controle familiar de Andorra. Procurado, o banco não quis comentar.
Com esse modelo de parceria e cerca de 40 profissionais, Reiss diz que a Geru está preparada para fazer entre 500 e 1.000 empréstimos em 2015, com valor médio entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.
A Geru não é a única empresa que aposta neste modelo. O Valor apurou que diversos grupos de investidores têm se interessado. Apenas o escritório de advocacia Pinheiro Neto está assessorando sete grupos de investidores nacionais e estrangeiros que querem abrir negócios como esse no Brasil. Segundo uma fonte, os advogados do escritório têm conversado com o BC para alinhar modelos de negócios que se encaixem na regulamentação brasileira e aplicá-los à estrutura de seus clientes.
Dois modelos de atuação têm sido utilizados. Em um deles, por exemplo, os tomadores emitem cédulas de crédito bancário (CCB) tendo o banco como contraparte, processo utilizado pela Geru. Em outro modelo, o banco pode atrelar um depósito, que pode ser um CDB ou uma letra financeira, ao pagamento do crédito tomado no portal.
É com base nesses modelos que o Pinheiro Neto tem estruturado os negócios de seus clientes. O escritório recentemente assessorou a companhia americana Enova, especializada em crédito online, com operação nos Estados Unidos, Europa, Ásia e Austrália. A empresa estruturou uma parceria com a Sorocred, uma financeira de Sorocaba (SP), e criou o portal Simplic, no ar desde julho do ano passado.
Segundo Rafael Pereira, responsável pela operação da Enova no Brasil, a empresa passou os últimos dois anos pesquisando o mercado brasileiro de crédito e constatou que ainda há muito espaço para crescer em empréstimos sem garantia no Brasil em comparação com o mercado americano, por exemplo.
Além disso, o que torna o mercado promissor são as altas taxas de juros cobradas pelos bancos brasileiros. A originação online, com custo mais baixo, pode ter um forte apelo nesse aspecto. “Estamos operando em 1.035 municípios diferentes em um período de pouco mais de seis meses, com uma equipe de 30 funcionários e sem ter presença nesses locais”, relata Pereira.
Mesmo assim, os juros cobrados pela Simplic ainda podem chegar a 429% ao ano, bastante acima da média de mercado. O superintendente da Sorocred, Luiz Francisco Maciel de Lima diz, no entanto, que a expectativa é oferecer juros menores atrelados a outros produtos para ampliar, inclusive, a carteira da Sorocred.
Hoje, a principal oferta da Simplic ainda é de crédito emergencial, com ticket médio baixo, de cerca de R$ 500. Por isso os juros maiores. Com o tempo, a expectativa é aproveitar a estrutura enxuta de custos para ampliar a oferta de produtos para diferentes perfis de clientes.
Para Lima, da Sorocred, a parceria também deve colaborar com os negócios da financeira e ampliar a base de clientes. “Se a Sorocred montasse um site de empréstimos não teria a inovação que eles (Simplic) oferecem. Eles já têm a expertise de quem trabalha no mercado online.”
Lá fora, plataformas como Lending Club já ampliaram sua oferta de crédito e vão além do crédito pessoal, oferecendo também empréstimos a empresas. No último trimestre, a empresa emprestou US$ 1,4 bilhão. Na Europa, o Royal Bank of Scotland (RBS) anunciou no início do ano parcerias com duas empresas do setor – o Funding Circle e a Assetz Capital – para quem o banco recomendará clientes de pequenos negócios.
Diante dessa expansão mundial, segundo uma fonte, o Banco Central tem olhado com interesse o modelo e considerado que ele pode se tornar mais popular nos próximos anos. Procurado, o BC não quis conceder entrevista.
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