Por: Frederico Torres e Leandro Novais
Interessados em estabelecer um índice de monitoramento do sistema financeiro, almejando iniciativas de análise concorrencial do setor, escolhemos uma modalidade de crédito, crédito pessoal sem consignação, para elaborar um exercício empírico, de forma a responder a seguinte pergunta: e se todos os consumidores tivessem tomado crédito na instituição financeira que ofertasse o crédito mais barato, qual teria sido a diferença de juros?
Os números são provocantes, ainda que aproximados. O total de concessões pelo sistema financeiro para o crédito pessoal sem consignação para o ano de 2013 foi de R$ 83 bilhões. O prazo de pagamento da modalidade é de 41 meses (segundo o Banco Central). Considerando o curso completo da modalidade de crédito até o final, R$ 94 bilhões serão efetivamente pagos nestas operações. Se tivessem sido efetuadas na instituição financeira que ofertou o crédito mais barato, seriam devidos R$ 24 bilhões. Menos de um terço dos valores efetivamente contratados. Qual a razão dessa diferença? Se as taxas são efetivamente divulgadas pelo Banco Central, por que o consumidor não contrata sempre com a instituição financeira que oferece o crédito mais barato?
Antes da discussão, alguma metodologia. A escolha do crédito pessoal sem consignação não foi aleatória. A modalidade, sem garantias efetivas, evidencia uma brutal dispersão de taxas de juros. A intenção era, além de escancarar a dispersão, provocar reflexões sobre a forma de concessão de crédito nessa modalidade. Por que algumas instituições financeiras são tão mais eficientes do que outras? Ou existem outras razões que justifiquem a gritante dispersão?
Para isto, com base em dados divulgados pelo Banco Central, fez-se uma aproximação e comparação semanal da instituição financeira com a menor taxa de juros para aquela modalidade em face das demais instituições com taxas mais altas. Investigou-se sempre a campeã da semana. Depois, encontrada a diferença de juros entre a instituição que oferta o crédito mais barato e as demais a cada semana, somou-se semana por semana, até completar o ano de 2013. Levou-se ainda em consideração que a diferença de juros iria se projetar em um prazo médio de pagamento de 41 meses.
Agora, a discussão é muito polêmica. Provavelmente a instituição financeira campeã semanalmente não teria condições de receber toda a migração de tomadores ou como garantir todas as contratações originárias no curso de 2013. Mas estabelecer um corte para captar somente as principais instituições financeiras evidenciaria outros desvios como, por exemplo, a forte ação dos bancos públicos. A proposta, assim, foi realizar o exercício no sistema tal como ele se apresenta.
Pode-se apontar uma relevante preocupação sistêmica para o setor. Se houvesse uma migração em massa – ou contratações originárias – para a instituição financeira que ofertasse o crédito mais barato seguramente o sistema financeiro sofreria um risco importante de desequilíbrio. Essas instituições trabalham com uma cesta de produtos, uma estrutura de custos refletindo subsídios cruzados. Assim, se ela perde a receita dos produtos mais caros – razão da migração – como bancar os produtos mais baratos? Ou, em última instância, como sobreviver?
Na ponta consumidora, algumas reflexões são interessantes. Parte da significativa diferença pode ser justificada pelo perfil do tomador, o que por si só justificaria a dispersão e impediria que todos os tomadores migrassem para a instituição com o crédito mais barato. No entanto, há seguramente outros elementos para justificar a diferença de taxas – que necessitam ser bem dimensionados, de forma a isolar desvios que podem comprometer o exercício: 1- as instituições financeiras campeãs têm custos burocráticos muito menores? 2- o nível de inadimplência dessas instituições, razão do perfil dos consumidores, é muito menor? 3 – os custos de recuperação de crédito são menores? 4 – o lucro dessas instituições é menor?
Continuando ainda na interação consumidor e instituição financeira. Pode-se pensar que há um brutal efeito de desinformação do consumidor, ainda que o Banco Central divulgue rotineiramente as taxas de juros e venha trabalhando em campanhas de educação financeira. Associando-se à desinformação, é possível detectar um efeito inércia, de aprisionamento do consumidor pela instituição financeira, refletido em significativos custos de transação para a migração. Além disso, seria possível investigar, do ponto de vista sistêmico, se as próprias instituições não induzem tal comportamento (o de permanecer cativo), em uma espécie de “teoria dos jogos”. Ainda que eventual instituição financeira seja mais eficiente – pensando, particularmente, nas maiores -, ela não força a barra, jogando o jogo das demais (repetidas vezes), procurando não se aventurar em uma guerra de preços.
De qualquer forma, o que o exercício está a nos sinalizar é uma forte comprovação empírica contra a teoria dos “efficient markets” (a assimetria informacional vem sendo reduzida) e em favor da “behavioral economics”. De novo: o que fazer- ou quais os incentivos modelar – para estimular o consumidor a comparar efetivamente as taxas e procurar (ou migrar para) a instituição financeira que oferece o crédito mais barato?
Como já se evidenciou na metodologia, incentivos adequados podem não garantir todo o ganho do não pagamento de juros detectado pelo exercício. A portabilidade – por si só – redundaria em maior demanda pelo produto mais barato, o que provocaria um novo preço de equilíbrio, em patamar maior. No entanto, há um espaço significativo na diferença constatada que provoca reflexão e abre importante espaço para a atuação regulatória, visando incremento concorrencial. E a variável regulatória mais importante para essa atuação ainda é a variável informacional, complementada por adequados empurrões comportamentais. A agenda de pesquisa está dada!
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