Por: Felipe Marques
Terceiro maior banco do país em ativos, a Caixa Econômica Federal apresenta índices de qualidade de crédito muito piores que os de seus pares. O percentual de empréstimos feitos pelo banco estatal que estão há mais de 15 dias sem ser pagos costuma superar – e muito – o visto nos outros quatro grandes bancos de varejo do país. O indicador também cresce em velocidade superior à dos concorrentes. A análise considera os atrasos de cada modalidade de financiamento em separado, e não o índice de inadimplência agregado.
Entre as formas de crédito pessoa física, há casos em que o índice da Caixa é mais que o dobro do que registram as demais instituições. No crédito consignado, 4% da carteira de R$ 59,6 bilhões da Caixa está vencida há mais de 15 dias. A média entre Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil é de 0,92%. No crédito pessoal sem desconto em folha, o percentual chega a 17% na Caixa, ante 5,44% na média dos demais bancos. Já no cartão de crédito, o banco tem 25,27% da carteira em atraso, ante 8,59% das outras instituições, apesar de ter a menor carteira na modalidade dos cinco (R$ 10,4 bilhões).
Os dados são do Banco Central (BC), que disponibiliza apenas os empréstimos vencidos a partir de 15 dias, amostra mais ampla do que a normalmente usada para medir a qualidade dos ativos dos bancos. Usualmente, o índice de inadimplência bancária considera os créditos atrasados há pelo menos 90 dias.
Nos empréstimos a pessoas jurídicas, a Caixa também tem desempenho pior que os demais bancos, embora não necessariamente em todas as modalidades. Nas linhas de capital de giro, a instituição estatal tem 5,43% da carteira atrasada há mais de 15 dias, ante média de 2,31% em seus pares. Já nas linhas de crédito para investimentos, os atrasos batem 14,43% da carteira, ante apenas 0,98%, em média, nos demais.
Questionada pelo Valor, a Caixa relacionou o maior índice de atrasos ao tipo de tomador que acessa o banco. “A Caixa atua em segmentos comerciais com pessoas físicas e pequenas empresas de maior risco e mais suscetíveis às oscilações do ambiente econômico. Esse comportamento está alinhado ao planejamento da instituição e é considerado na definição das políticas de gestão de risco e cobrança, o que faz com que essa inadimplência inicial não se transforme em perda efetiva”, informa o banco em nota enviada pela assessoria de imprensa. “É importante considerar que as operações seguem o fluxo normal de quitação de juros, multas e/ou encargos”.
De fato, a visão mais agregada do índice de inadimplência da Caixa, porém, mostra um quadro um pouco menos adverso. O percentual de empréstimos com atrasos acima de 90 dias encerrou dezembro do ano passado em 3,55%, com alta de um ponto percentual em relação ao fim de 2014 – em linha com Itaú (3,5%) e abaixo do Bradesco (4%). A média do sistema financeiro no período foi de 3,4%.
Nesse caso, porém, o índice da Caixa é beneficiado pelo fato de o banco ter 76,8% de seu crédito a pessoas físicas em financiamento habitacional. Essa modalidade, que conta com forte garantia, tem uma inadimplência que não costuma passar de 1%. Portanto, leva o índice de calotes médio da instituição para baixo. Vale lembrar, a Caixa vendeu no ano passado R$ 3,7 bilhões em créditos podres que ainda não haviam sido tirados de seu balanço, o que também ajuda a reduzir o seu índice de inadimplência.
Os números de qualidade de crédito do banco estatal soam um alerta sobre a situação da instituição. Depois de um fortíssimo crescimento em sua carteira de crédito, em especial a partir do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), a Caixa colhe frutos amargos desse avanço.
Em 2013, quando a taxa básica de juros (Selic) bateu a mínima histórica e o governo usou os bancos públicos para forçar uma redução dos spreads bancários, a carteira de crédito da Caixa expandiu impressionantes 36,8%. No mesmo ano, a média de avanço do sistema foi de 14,6%, com os bancos privados nacionais crescendo apenas 6,6%.
O exuberante crescimento fez com que o banco ultrapassasse o Bradesco em ativos e passasse a deter a maior operação de financiamento à pessoa física do país, com um estoque de R$ 481,3 bilhões. Para fins de comparação, o Banco do Brasil, segundo colocado, tem um saldo de R$ 291,9 bilhões emprestados às famílias, também no critério do BC.
A deterioração da carteira de crédito da Caixa já cobra seu preço em resultados. No quarto trimestre, o banco registrou prejuízo operacional de R$ 303 milhões e uma queda de 64,7% no lucro líquido em relação ao mesmo período de 2014, para R$ 636 milhões. No ano passado, as despesas com provisão para calotes (PDD) do banco subiram 49,4% no ano para R$ 19,76 bilhões.
Há ainda outro dado preocupante sobre a qualidade de crédito da Caixa: a velocidade com que vêm crescendo os atrasos de pagamento de seus clientes. Em média, nas sete modalidades de crédito pessoa física observadas pelo BC, o índice de atrasos acima de 15 dias da Caixa subiu 3,9 pontos percentuais entre 2014 e 2015. Nos quatro outros grandes bancos de varejo, o incremento foi de 1,8 ponto, em média. Não custa lembrar, a base de clientes de menor renda em que o banco atua tende a ser mais suscetível ao avanço do desemprego.
Os números do BC usados para embasar esta reportagem podem diferir de outras publicações do próprio regulador ou mesmo das publicadas pelos bancos individualmente, de acordo com nota no site da autoridade. Isso porque as informações são geradas a partir do Sistema de Informações de Crédito (SCR) do BC, com base em operações de crédito superiores a R$ 1 mil.
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