Lei criou banco de dados que deveria baratear taxas em financiamento, mas não tem dispositivo que garanta o benefício
Por: Daiane Costa
Em vigor há mais de oito meses, com a promessa de as instituições financeiras baratearem o crédito para o bom pagador, a Lei do Cadastro Positivo (12.414/2011) tem falhado nessa missão. É o que indica pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) junto às três principais empresas de proteção de crédito gestoras do cadastro: Serasa Experian, SPC Brasil e Boa Vista Serviços. Além de os três órgãos não garantirem a redução dos juros de financiamentos, não se responsabilizam pelos dados dos consumidores fornecidos para o banco de dados. Para o Idec, os resultados dessa pesquisa confirmam o que a entidade já previa: o cadastro não traz benefício algum para o consumidor, que ainda corre o risco de ter dados pessoais expostos.
- Historicamente os juros são absolutamente descolados do histórico de consumo do consumidor, e duvido que isso mude algum dia. Além disso, o consumidor corre o risco de ter essas informações desprotegidas. Precisamos de uma legislação complementar, que estabeleça regras sobre privacidade de dados – avalia Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
A Lei do Cadastro Positivo criou um sistema no qual são registrados os hábitos de consumo e de pagamento dos consumidores considerados bons pagadores – aqueles que estão com as contas em dia. Com a autorização do consumidor, instituições financeiras e empresas públicas (concessionárias de água e energia) e privadas (operadoras de telefonia e de planos de saúde) fornecem esses dados a órgãos de proteção ao crédito que, por sua vez, os divulgam a estabelecimentos que concedem empréstimos. Dessa forma, bons pagadores deveriam ter acesso a juros mais baixos ao acessar financiamentos. No entanto, não há um dispositivo na lei que garanta o benefício.
O Idec enviou questionário às três gestoras, com 19 perguntas sobre o funcionamento do cadastro positivo e o tratamento dado às informações de quem adere a ele. De acordo com o instituto, Boa Vista e Serasa informaram que às gestoras cabe “apenas reunir os dados dos consumidores e repassá-los para as empresas que concedem crédito”, sendo que a decisão final sobre as taxas de juros é das financeiras e bancos. As empresas também afirmam que a formação do histórico de crédito demanda tempo, por isso não é possível informar quando o benefício dos juros mais baixos será garantido aos bons pagadores que aderiram ao cadastro.
O Idec também perguntou se há um sistema de pontuação que classifica os consumidores como bons e maus pagadores. A Boa Vista respondeu que não. Já a Serasa admitiu possuir um banco de dados estatístico, mas reforçou que a decisão de dar ou negar crédito é de quem o concede. “A Serasa não interfere no processo”, complementou. O SPC não respondeu as questões.
Boa Vista e a Serasa também deixaram claro que cada empresa segue regras próprias para administrar o banco de dados do cadastro, e que a responsabilidade pelo uso das informações é exclusiva das empresas que concedem crédito. Sobre a privacidade das informações, a Boa Vista disse que tem uma certificação que garante que o sistema é seguro e “atende plenamente à lei em questão, em relação ao controle de acesso e à criptografia de dados”. A Serasa disse proibir, em contrato, “o armazenamento, a divulgação ou o fornecimento dos dados obtidos pelas financeiras”.
Burocracia e ausência de padronização ao fazer o cadastro
Além do questionário a gestores, o Idec enviou, seis voluntários às unidades de atendimento da Boa Vista e da Serasa, em São Paulo (SP), para aderirem ao cadastro positivo. No caso do SPC, que não tem atendimento presencial, a adesão foi feita a distância. Desses seis voluntários, três não permitiram o compartilhamento de dados com outras gestoras e três deram a autorização.
Nesta etapa da pesquisa, os principais problemas detectados foram: o processo para a adesão ao cadastro não é padronizado; as informações não são confiáveis, já que cada atendente informa uma coisa; há muita burocracia; e os sistemas não estão preparados para fazer o compartilhamento de dados com outras gestoras, direito garantido pela lei.
A orientação do Idec é que o consumidor não tenha pressa em aderir ao cadastro positivo até que as empresas expliquem de forma mais transparente como ele funciona.
- Se há pontos positivos para o consumidor, eles ainda não estão claros – afirma Ione Amorim, economista do Idec responsável pela pesquisa.
Na Serasa, o voluntário que autorizou o compartilhamento de dados com outras gestoras não conseguiu efetivar a adesão, pois o funcionário não sabia como inserir os dados das outras empresas no sistema. O pesquisador deixou os seus documentos e o formulário para que os funcionários dessem seguimento ao processo. No entanto, dez dias depois, o status apresentado no site era “aguardando documentação”.
- As gestoras não querem compartilhar os dados com outras empresas porque, segundo elas, a carteira de clientes é diferente, assim como os critérios utilizados e os benefícios oferecidos – explica Ione.
Desencontro de informações sobre acesso ao banco de dados
Os voluntários do Idec também perguntaram aos atendentes da Boa Vista e da Serasa como eles poderiam acessar o banco de dados. Na Boa Vista, foram dadas três respostas diferentes: duas indicaram que a consulta não era possível (em um caso, provisoriamente e, no outro, indefinidamente), o que fere os direitos garantidos pela lei; e a terceira, que seria enviada por e-mail uma senha para acesso. Já a Serasa informou que a consulta aos dados poderia ser feita apenas presencialmente ou por correio, mediante solicitação prévia.
Os voluntários também perguntaram a quais informações as financeiras terão acesso. O pior desempenho nesse quesito foi o da Serasa: em uma das adesões, o atendente não respondeu e, na outra, orientou o pesquisador a ler a lei.
Durante o processo de adesão, nem a Boa Vista nem a Serasa forneceram informações sobre o sigilo das informações, as regras para a utilização e o critério de avaliação desses dados, bem como sobre a vigência do cadastro e a possibilidade de cancelamento. Também não há orientações no site das gestoras.
Gestoras esclarecem que não legislam sobre juros
Dirceu Gardel, diretor-jurídico da Boa Vista Serviços, esclarece que não é papel das gestoras do cadastro garantir que os bons pagadores obtenham taxas de juros mais baixas ao contratarem empréstimos:
- Quem concede crédito é quem decide esses índices. Não temos poder sobre a política de crédito e como será feita essa aplicação. Mas a tendência é que, conforme o histórico do consumidor tenha mais dados, mais informações o concedente terá para avaliar a taxa mais adequada. O que deve ocorrer em dois ou três anos.
Sobre o desencontro de informações no atendimento verificado por voluntários do Idec, a empresa reconheceu que precisa “reciclar a equipe e padronizar as informações”. Dirceu informou, ainda, que o consumidor pode ter acesso aos dados de seu cadastro positivo, e saber quais instituições o consultaram, em uma de suas agências ou pela internet, mediante cadastro gratuito no Cadastro Positivo.
Na avaliação da Serasa, os resultados “são frutos de uma mudança cultural, e não se deve esperar que os benefícios aconteçam de imediato”. No que se refere ao tratamento das informações do cadastro, a Serasa informa que, “além de prever contratualmente as obrigações de seus clientes, possui rígidas políticas para o fornecimento de dados e regras de controle de qualidade”. Disse, ainda, que é assegurado aos cadastrados o acesso gratuito e a qualquer tempo às informações pessoais, e que todos os procedimentos “observam rigorosamente a complexa estrutura estabelecida pela legislação”. “Especificamente quanto a banco de dados estatístico, a Serasa não o mantém e nunca afirmou mantê-lo”. Esclareceu que, em resposta ao questionamento do Idec, informou “possuir modelos estatísticos baseados em fórmulas matemáticas que analisam e agrupam diferentes perfis de comportamento de crédito de acordo com informações preexistentes em um banco de dados sobre um grupo relevante de pessoas ou empresas”.
O SPC ressaltou que, com o cadastro, a expectativa é de que o processo de avaliação e concessão de crediários e de linhas de financiamentos seja desburocratizado, “podendo incidir em redução das taxas de juros e na flexibilização dos prazos para pagamento”. Um consequência direta “será a redução significativa dos índices de inadimplência e de superendividamento”, acredita o órgão de proteção ao crédito.
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De fato, não estou sentindo isso de facilidade pois, sou um bom pagador e, fui um dos primeiros a aderir tal cadastro.
Estou até hoje esperando algum tipo de facilidade e, nada.
Pior, uma empresa de serviço essencial, além de não verificar esse cadastro, ainda está me cobrando absurdo de valor pelo serviço.
lamentavel