Por: Marcelo Loureiro e Aline Salgado
Empréstimo pessoal de baixo risco, cobrado aos clientes com taxas de juro perto de 40% ao ano, se destaca nos balanços dos grandes bancos impulsionando lucros e reduzindo níveis de inadimplência
O crédito consignado, que reapareceu na safra de balanços dos grandes bancos privados com ares de vedete, está caro. Conceder empréstimos descontados na folha de pagamento foi uma das opções encontradas pelas instituições para diminuir o risco da operação, cortar provisões para maus pagadores, e inflar os lucros líquidos no terceiro trimestre. Mas os juros cobrados por Itaú, Bradesco, Santander e HSBC nessa modalidade de empréstimo chegam até a 37,98% ao ano, contra uma taxa básica de juros de 9,5%.
O levantamento, feito pelo Banco Central (BC) com dados de outubro, identificou o Itaú Unibanco como o praticante dos juros mais altos no crédito consignado entre os grandes bancos privados. Os 37,98% são cobrados para os assalariados do setor privado. Na média com as outras categorias — funcionários públicos e beneficiários do INSS —, o Itaú Unibanco cobrou 30,56% dos seus devedores, mais de 4 pontos percentuais acima dos concorrentes Santander (26,38%), HSBC (26,37%) e Bradesco (26,24%).
O estoque do crédito concedido a pessoa física no sistema financeiro brasileiro estava em R$ 313,6 bilhões, de acordo com dados do Banco Central. Na mesma época, a modalidade consignada respondia por R$ 217 bilhões desse montante. Os maiores tomadores são os funcionários públicos, com R$ 133,7 bilhões, seguidos dos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS, com R$ 65,3 bilhões) e dos assalariados do setor privado, responsáveis por dívidas de R$ 17,9 bilhões em crédito consignado. “Acho os juros altos para os padrões de garantia que o crédito consignado oferece”, diz Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
“O ambiente com inflação de 0,5% ao mês e taxas de juros de 2%para serem descontadas em folha é difícil de entender.” O executivo, ex-diretor do Banco Central, aponta que o prazo estendido desse tipo de empréstimo é outro fator interessante para os grandes bancos que se beneficiam de menores taxas ao captar em linhas mais longas, o que é necessário para casar coma carteira de empréstimos. Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de estudos econômicos da Associação Nacional de Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), é outro a destacar o alto custo do consignado praticado no Brasil. “Mas eu só vejo as taxas caindo nessa modalidade quando a Selic recuar.”
Na mesma categoria em que o Itaú Unibanco cobra 37,98% ao ano de juros, a Caixa Econômica pratica taxa bem inferior, de 23,87%. “Vimos nos anos anteriores um esforço dos bancos públicos para baixar os juros, mas não vejo mais isso. Acabou o ímpeto. O próprio Governo vem dizendo que vai diminuir a ação dos bancos públicos na concessão de crédito. Não acho que esteja descartada uma redução do consignado por meio dos bancos públicos, mas não a vejo como uma solução viável no horizonte próximo. Até porque, o risco do consignado é baixo, mas não é zero.
O histórico de inadimplência, na casa de 2% a 3% é parecido como que se vê na carteira de veículos”, diz Flávio Calife, economista da Boa Vista Serviços, empresa administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SPC). O executivo adianta outra pressão que pode vir a aumentar os juros cobrados pelas instituições bancárias nos créditos consignados. “Está para ser enviada ao Congresso uma proposta de atualização do Código de Defesa do Consumidor. A preocupação como endividamento pode trazer regras mais rígidas.
Isto é, além de se consolidar o limite de 30% da renda mensal para empréstimo consignado, estuda-se estabelecer que as instituições financeiras sejam co-responsáveis pelo endividamento do consumidor. Uma espécie de responsabilidade compartilhada que os bancos terão de arcar, algo que deve ter como resultado o aumento nos custos das instituições, que terão de ficar muito mais cautelosas antes de emprestar dinheiro.
Dessa maneira, a perspectiva de uma redução de juros acaba ficando ainda mais longe, por causa desse aumento nos custos”. A concorrência poderia reduzir as taxas. “Imagino que os fundos de pensão poderiam atuar nesse setor. São carteiras interessantes, descontadas de funcionários que, inclusive, podem ser clientes de outros produtos dessas instituições”, diz Thadeu de Freitas, da CNC. Nos últimos anos, entretanto, o que se percebeu foi uma concentração na exploração desse setor com a entrada dos grandes bancos.
Dominado até pouco tempo por bancos médios, o crédito consignado era tido pelas grandes instituições como concorrentes de seus produtos mais rentáveis. Tê-los no portfólio poderia canibalizar outras operações com retornos mais elevados. O cenário mudou com a busca dos grandes bancos por menos risco. E eles entraram de cabeça nesse mercado.
“No consignado, há o custo da comissão dos representantes, que levam o produto até os clientes. Eles são conhecidos como “pastinhas”, numa alusão à ferramenta de trabalho, desses promotores de vendas. Chegaram a ser o vilão do lucro dos bancos médios porque passou a haver grande concorrência para contar com o serviço deles”, lembra Luis Miguel Santacreu, analista do setor bancário da agência de classificação de risco Austin Rating.
As comissões engordaram com a chegada dos grandes bancos, que os ajudou a dominar o acesso aos clientes desse mercado, que não conta mais com exclusividade de exploração e tem até portabilidade de débito. O sucesso da estratégia, contabilizado nos balanços do terceiro trimestre, dá a medida de quanto a taxa de risco menor pode ser, ainda assim, muito rentável. principalmente quando se pode liberar bilhões das provisões de créditos duvidosos.
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