Por: Rosemeire Meris Baird Ferraz
Introduzida no ordenamento jurídico com a finalidade de proteger o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) como um todo e inserir o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel como nova modalidade de garantia a empréstimos e financiamentos, a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, suscita debates interessantes, principalmente com relação à constituição de garantia de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operações de crédito bancário não relacionadas ao Sistema Financeiro Imobiliário.
Tais discussões se dão em razão do disposto no artigo 22, que prevê que a alienação fiduciária poderá ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, não sendo privativa de entidades que operam no SFI, dando margem ao entendimento de que, em que pese a lei ter sido criada com o escopo de incentivar o financiamento imobiliário, outras entidades não vinculadas ao SFI poderão também se valer deste instituto.
Cumpre-nos, de forma simplista, explicar a sistemática da lei: o devedor (fiduciante) aliena o imóvel ao credor (fiduciário) a título de garantia, ficando a propriedade do imóvel adquirida em caráter resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida. Uma vez paga a dívida, a propriedade do credor se extingue, com a reversão da propriedade plena ao fiduciante. Entretanto, caso ocorra o inadimplemento, o próprio cartório de registro de imóveis notifica o devedor, de modo a constituí-lo em mora, e, persistindo a inadimplência, a propriedade do bem se consolida em favor do credor, que já pode realizar a venda do imóvel por meio de leilão.
Todo o trâmite da execução da garantia se dá na esfera extrajudicial, o que a torna mais ágil, barata e, ainda, mais eficaz que a tradicional hipoteca, considerada pouco efetiva pelo mercado, garantindo ao credor a segurança e rapidez na recuperação de seu crédito.
Além da celeridade em recuperar o capital investido pelo credor e não devolvido pelo devedor espontaneamente na data aprazada, o bem objeto da garantia não poderá ser objeto de constrição em razão de suas dívidas, tendo em vista que o credor se torna titular do bem (mesmo que de forma provisória), não mais fazendo parte do patrimônio do devedor, só retornando a ele após o cumprimento da obrigação garantida.
Uma das finalidades mais relevantes da segregação patrimonial do bem alienado fiduciariamente é a exclusão dos efeitos de eventual insolvência do devedor ou do credor, não se submetendo, portanto, aos efeitos da falência ou da recuperação judicial, não concorrendo com os demais credores.
Diante dos benefícios trazidos pela lei, a alienação fiduciária passou a ser amplamente utilizada como garantia de operações de crédito ao invés da hipoteca.
Feitas tais considerações, passemos a analisar a problemática trazida pela lei sobre a possibilidade ou não de constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito, efetuada por pessoa que não opera no SFI.
Em decisões recentes (setembro/2013), o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) proferiu entendimento contrário à tese que defende a possibilidade de utilização da alienação fiduciária de imóveis em operações não relacionadas a financiamento imobiliário, sob o argumento de que a lei assevera que o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis somente poderia ser utilizado em crédito que fosse destinado à aquisição, edificações ou reformas do imóvel oferecido em garantia.
Entende-se que a finalidade perseguida com a edição da Lei nº 9.514, de 1997, é proteger o Sistema Financeiro Imobiliário e o de Habitação como um todo e que a constituição de garantia fiduciária sobre bem imóvel deve estar de acordo com o escopo da lei, que é o incentivo ao financiamento imobiliário, com vistas ao atendimento do direito constitucional à moradia (artigo 6º, CF).
Não obstante seja esse o entendimento de boa parte dos acórdãos proferidos pelo TJ-PR, da leitura do parágrafo 1º do artigo 22 da lei em análise, podemos extrair que a alienação fiduciária poderá ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, não sendo privativa de entidades que operam no Sistema Financeiro Imobiliário; ou seja: é permitida a sua pactuação em operações não diretamente relacionadas a financiamentos imobiliários. Seguindo nessa toada, o artigo 51 da Lei nº 10.931, de 2004, prevê expressamente que é possível a formalização de garantia de alienação fiduciária como garantia de obrigações em geral (não apenas em financiamento imobiliário), podendo inclusive ser prestada por terceiros.
Apesar da existência de julgados que entendem não ser possível a instituição de alienação fiduciária de bem imóvel em operações não relacionados a financiamento imobiliário, em contrapartida existem julgados favoráveis à constituição dessa garantia em outras modalidades de operação de crédito.
Ademais, esse tema ainda não foi submetido ao crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não havendo consolidação de entendimento negativo dessa Corte. Portanto, tem-se que a alienação fiduciária pode ser utilizada para garantir qualquer dívida, independentemente de sua natureza e pode ser instituída por pessoa física ou jurídica, ainda que não integrante do SFI.
Fato é que a alienação fiduciária de bens imóveis se mostra como uma excelente modalidade de garantia, efetiva, célere e de baixo custo, que pode estimular o mercado e facilitar a concessão de crédito com menores riscos e, por consequência, com menores taxas de juros.
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