Por: Natalia Viri
O forte aumento nas tarifas de energia impediu um colapso financeiro das distribuidoras, mas trouxe efeitos colaterais. A conta de luz mais salgada associada à atividade econômica fraca se traduziu em queda no volume faturado e pressão sobre os níveis de inadimplência, mostram os balanços das empresas do setor referentes ao segundo trimestre.
A analistas avaliam que a tendência deve se aprofundar no terceiro trimestre, já que o maior impacto do aumento das tarifas chegou para os clientes entre abril e maio. “A economia continua crescendo pouco e houve novos reajustes anuais. Além disso, a inadimplência em geral é contabilizada apenas meses após os atrasos”, afirma Ricardo Pinto, da consultoria Roland Berger.
A situação preocupa porque coloca pressão sobre o caixa das distribuidoras, que pagam o custo da energia para as geradoras, independentemente de terem recebido dos consumidores. Consequentemente, há impacto também sobre o endividamento. “As empresas trabalham com estratégias de dívida de longo prazo e esses ‘soluços’ atrapalham o planejamento”, afirma Carolina Carneiro, analista do banco Santander.
Há também efeito sobre a lucratividade. A maior parte dos reajustes cobriu apenas os custos maiores com a compra de energia e a fatia da receita que gera margens – a chamada “parcela B” – é pequena e altamente regulada. Com menos volume faturado, diminui a chance de se gerar retornos mais expressivos.
Apesar de a queda no consumo ser esperada, o movimento surpreendeu pela sua magnitude. “Não esperávamos uma queda tão acentuada no consumo residencial”, afirma a especialista. O segmento é o que mais afeta as distribuidoras, na medida em que traz as maiores margens. Apesar da expressividade da indústria em termos de volume, muitos consumidores são atendidos pelo mercado livre, com contratos diretos com as geradoras, no qual o pagamento à distribuidora ocorre apenas pelo chamado “uso do fio”.
A tendência foi mais acentuada no Sudeste, região mais industrializada no país e que passou pelos maiores reajustes tarifárias. O pior desempenho entre as empresas de capital aberto ficou por conta da Cemig, que registrou queda de 7,8% no volume faturado em relação ao segundo trimestre de 2014.
A AES Eletropaulo, que atende à região metropolitana de São Paulo, já projeta uma queda de 4% para o consumo em sua área de concessão neste ano. Somente no segundo trimestre, o recuo foi de 4,4%. Desde janeiro, as tarifas de energia para o consumidor residencial da companhia aumentaram 75%.
Na CPFL Energia, que atende o interior paulista, a queda de 1,5% no consumo residencial surpreendeu – foi a primeira vez desde o racionamento de 2001 que o consumo caiu na comparação anual. Ao todo, a demanda na área de concessão recuou 2,9% sobre o segundo trimestre de 2014.
Nas distribuidoras do Nordeste, por outro lado, o consumo cresceu. Na Cemar, que atender o Maranhão, houve alta de 5,2%, enquanto, na Coelce, do Ceará, o avanço foi de 5,8%. No caso da Neoenergia, que controla empresas no Rio Grande do Norte, na Bahia e em Pernambuco, o volume faturado subiu 3,3%.
De acordo com Carolina, do Santander, a diferença é explicada pela menor presença de indústrias no Nordeste e por reajustes não tão expressivos quanto no resto do país. Ainda assim, o desempenho da região ficou abaixo do esperado. “Esperávamos um crescimento maior”, pondera a analista, lembrando que, no Norte, a Celpa, do Pará, também registrou declínio expressivo na demanda, de 5%.
Enquanto os volumes mostram uma tendência distinta para as regiões, a inadimplência é uma preocupação generalizada. A Cemig relata um aumento de 5% nas contas em atrasos.
Já a taxa de arrecadação da Coelba, na Bahia, passou de 98,10% no segundo trimestre de 2014 para 97,45% no mesmo intervalo deste ano. Na Cosern (RN), saiu de 99,87% para 97,69%, enquanto na Celpe (PE), passou de 97,34% para 96,62%.
Além dos reajustes nas tarifas, o Nordeste foi a região mais afetada pelo descadastramento de 20% a 30% dos consumidores que eram pagavam a tarifa social do governo, aponta Carolina, do Santander. “Para esses clientes, em algumas localidades, a conta triplicou”, ressalta.
Outro efeito do aumento tarifário foi o aumento nas provisões para devedores duvidosos – valores atrasados que têm baixa possibilidade de serem recebidos e que são “baixados” do balanço. Esse fator impactou até mesmo o balanço da CPFL, que atua no interior de São Paulo – área considerada “premium”, dado o poder aquisitivo mais elevado da população. No segundo trimestre, o PDD aumentou 75%, para R$ 41 milhões. Na EDP, que tem distribuidoras no Espírito Santo e em São Paulo, essas provisões cresceram 23,1%.
Diante da situação, as empresas têm reforçado as ações de cobrança e negociações de débitos. No primeiro semestre, a Eletropaulo realizou dez feirões para renegociação de dívidas, número que deve se repetir na segunda metade do ano. Mas, mesmo com a postura de negociação, a distribuidora relata um aumento de 25% nos cortes de energia diários por falta de pagamento.
A CPFL também manteve os patamaníveis de atrasos sob controle, mas aumentou as ações mensais de cobrança, cortes convencionais ou no disjuntor em cerca de 50%. “Mantivemos os níveis de inadimplência, mas à custa de melhora nos processos e acompanhamento mais ativo”, disse o presidente do grupo, Wilson Ferreira Júnior, em teleconferência.
Pinto, da Roland Berger, afirma que, de forma geral, as distribuidoras têm sistemas ainda pouco organizados para conter a inadimplênica, o que deve se traduzir em despesas maiores com a mobilização de pessoal nos próximos trimestres. “A inadimplência tende a crescer e, num segundo momento, com os cortes de energia, pode se transformar em perdas não técnicas, por conta dos ‘gatos’”, afirma.
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.