A Serasa Experian suspendeu a partir desta semana, por tempo indeterminado, a divulgação do Indicador Serasa Experian de Inadimplência do Consumidor e Empresas e de Perspectiva da Inadimplência do Consumidor e das Empresas. A razão da decisão é uma nova lei, nº 15.659, implementada em São Paulo, que altera de forma relevante o processo de recuperação e de concessão de crédito do país. O fato distorce a realidade da inadimplência no Brasil, comprometendo os índices e pesquisas da Serasa Experian à sociedade e colocando em risco o mercado de crédito, pois impede a atuação dos órgãos de proteção ao crédito e estimula o protesto em cartório, deixando muito mais caro e demorado para o consumidor o processo de “limpar” o nome. Ainda assim, restringe às famílias a obtenção de novos empréstimos.
Esta é a segunda vez que a Serasa é obrigada a suspender os indicadores. A primeira foi no começo de março. A divulgação foi retomada ainda no mesmo mês, quando a liminar permitiu a normalização do processo de recuperação de crédito.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por maioria apertada, revogou liminar concedida em março que suspendia a eficácia da lei, de autoria do deputado estadual Rui Falcão (PT). A lei paulista, que voltou a vigorar em setembro, determina o envio de correspondência com Aviso de Recebimento (AR) para o consumidor com dívida em atraso antes de encaminhar seu nome à lista de inadimplentes.
A carta AR substitui a correspondência simples, a com aviso de postagem usada há mais de 30 anos e que tem eficácia comprovada. Ranking do Procon de 2014 demonstra que do total de reclamações contra os bancos de dados de inadimplentes, houve apenas 2 reclamações relativas à falta de comunicação. A estatística oficial derruba a finalidade da lei paulista, que seria a de comprovar que o destinatário realmente recebeu a correspondência, assumindo, equivocadamente, que haveria falhas significativas no processo atual.
A lei em nada contribui para a efetiva comunicação ou regularização da dívida por parte do consumidor. Pelo contrário, em setembro, como consequência dos efeitos da lei, apenas 3% da inadimplência do Estado de São Paulo que representa cerca de 30% do total do país, foi registrada, pois grande parte dos ARs enviados ainda não voltou ou voltou sem a assinatura dos devedores. Além disso, a maioria dos setores, principalmente os pequenos comerciantes e as concessionárias de serviços públicos, não tem condições de arcar com o custo do AR, sete vezes maior do que o da carta simples.
A lei paulista, que torna o Estado de São Paulo o único lugar do mundo a exigir a assinatura/consentimento do cidadão para ser considerado inadimplente, já havia sido vetada pelo governador de São Paulo, por entender que a matéria é inconstitucional, uma vez que o tema foi regulado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), como determina a Constituição.
Outro ponto questionável é o fato de a lei isentar a obrigação de envio da carta AR dívidas previamente protestadas em cartório ou contestadas judicialmente, contrariando o Código de Defesa do Consumidor. O incentivo ao uso do protesto em cartório gera burocracia e custo ao processo de “limpar” o nome. Antes da lei, “limpar” o nome nos cadastros de inadimplentes era automático com a quitação da dívida, sem taxas nem burocracia. Mas a quitação da dívida que foi protestada em cartório implica:
• Exposição pública da dívida se o devedor não for encontrado – O cartório enviará uma carta ao consumidor sobre a dívida em atraso. Se não o encontrar, publicará o protesto no jornal. Assim, o consumidor será exposto publicamente e protestado mesmo que não seja encontrado.
• Aumento da burocracia – O devedor deverá se deslocar fisicamente até ao cartório, perdendo tempo e mais dinheiro para baixar o protesto, ao invés de simplesmente pagar a conta.
• Custos elevados para baixar a dívida – O registro da dívida nos cartórios obriga o consumidor a pagar, além da dívida com o credor, taxas para ter seu nome limpo dos registros de cartórios, que podem chegar a 30% do valor protestado.
Levantamentos que dimensionam o impacto da alteração no sistema financeiro, elaborado pelo economista Marcos Lisboa, mostram que despesas dos consumidores com cartórios podem chegar a R$ 5 bilhões em um ano.
Com a carta AR, perde-se completamente a visão real da inadimplência
Ao dificultar a negativação nas empresas de proteção ao crédito e incentivar o protesto em cartório, tornando mais burocrático e caro o processo de limpar o nome para o devedor, a nova lei paulista impede que o mercado saiba qual é o real risco de inadimplência do consumidor, o que coloca em risco o mercado de crédito.
A lei também contribui com o superendividamento ao impedir o processo de negativação de 97% dos inadimplentes em setembro, pois o mercado passou a não mais conhecer o comportamento de inadimplência do cidadão, elevando o risco na concessão de crédito e, consequentemente, os juros cobrados de todos os cidadãos inadimplentes ou não. Isso porque, se o credor não consegue prever a probabilidade de o consumidor pagar a dívida, não arriscará conceder crédito e se o fizer, precisará cobrar taxas de concessão e juros suficientes para cobrir o alto risco de não receber.
Assim, a manutenção da exigência da carta AR poderá inviabilizar a continuidade dos serviços dos órgãos de proteção ao crédito no Estado de São Paulo, afetando o sensível equilíbrio que mantém vivo e pujante o crédito e o mercado, além de causar gravíssimos prejuízos para os consumidores e para todos os setores da economia.
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