Por: Pedro Souza
A amizade continua. Mas a dor de cabeça, que ela deu, demorou a passar. Há alguns anos, o motorista Anderson Leandro dos Anjos ajudou um amigo, que enfrentava problemas. Emprestou algumas folhas de cheque no valor de R$ 1.300. O tempo passou. O dinheiro não voltou. E Anjos acabou enrolado no cheque especial. “Como ele não me pagou, fiquei por dois anos arrastando”, confessa o motorista. A dívida triplicou. “Eram quase R$ 5 mil”, lembra.
Anjos não pagou o que devia ao banco. Desconsiderou os altos juros do especial. Utilizou o crédito limite da sua conta como uma extensão do salário. Assim, ele entrou para uma estatística presente até hoje. Em 2012, quem utilizava esta modalidade de crédito demorava, em média, 22 dias para pagá-la. Isso significa que a maioria chegava, no máximo, até o dia 10 de cada mês com a conta azul. Depois disso, emprestava um pouco do especial e só pagava no próximo quinto dia útil.
Os dados sobre o prazo para a liquidação do especial são do BC (Banco Central). A autoridade monetária reúne as informações das instituições financeiras para chegar ao número de dias. E por isso, destaca o professor do Laboratório de Finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração) Keyler Carvalho Rocha, a situação é alarmante. “Se a média é de 22 dias para pagar, significa que tem muita gente correndo o risco de se enrolar no cheque especial.”
CUSTO – Esse crédito é mais caro do que os demais. Segundo a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), custava em fevereiro 7,75% ao mês, em média. É considerado como útil para emergência. Serve para gastos de última hora alguns dias antes do próximo salário. Isso, tendo em vista que o empréstimo pessoal, por exemplo, tem juros médios de 2,92% ao mês.
Com essa taxa, a cada R$ 1.500 emprestado e pago um mês depois, o contratante desembolsará R$ 116,25 a mais. Esse é o preço, em reais, dos juros de 7,75% ao mês. “Na primeira chance que tiver, transforme essa dívida em outro financiamento”, orienta o professor do curso de Administração da Universidade Anhembi Morumbi Osmar Rezende de Abreu Pastore.
Ele se refere a pegar, por exemplo, um empréstimo pessoal para liquidar a dívida do especial. Hipoteticamente, R$ 1.500 de crédito pessoal custaria, em juros, mais R$ 43,81 no mês. Restaria ainda a opção de parcelar a dívida, lembrou Pastore.
Anjos, depois de passar pelos dois anos enrolado conseguiu sair do buraco. Durante o período com a dívida, ele abriu uma pizzaria. O negócio salvaria a sua situação. Mas não foi bem assim. O estabelecimento não foi para frente. “Foi muito difícil. Mas parei, planejei e consegui limpar minha dívida”, afirma. O problema contribuiu para a sua educação financeira. “Pago quase tudo à vista. Evito utilizar crédito ao máximo”, declara. A estratégia foi tão bem sucedida que atualmente, além manter a conta no azul, Anjos conseguiu se organizar a ponto criar outra empresa. “Hoje, sou construtor”, diz, explicando que atua no ramo de imóveis populares.
EDUCAÇÃO – No caso de Anjos, foi necessário passar por apuros para aprender a lidar com os juros altos. Já no caso da funcionária pública e moradora de Santo André Marlene de Souza, a fonte de aprendizagem foi outra. Ela não se enrolou com o crédito. Mas conta que aproveitou os conhecimentos da época em que foi bancária. “Sempre evito o cheque especial”, garante. Marlene analisa todas as taxas de juros que encontra pela frente e está satisfeita por isso, já que não tem dores de cabeça financeiras.
Rocha, da FIA, concorda com a postura de Marlene e orienta a utilização apenas para imprevistos. “Cheque especial é muito cômodo. O problema é que os juros são muito altos.” A promotora e moradora de Mauá, Simone Regina Sanita também corre para longe dos juros altos. “Eu planejo gastar apenas aquilo que consigo pagar com o que ganho”, revela. Essa cultura financeira é da família, que tem origem em Alta Floresta, no Mato Grosso. “Vim do interior e lá as pessoas aprendem cedo a lidar com o dinheiro”, brinca.
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