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A classe C consumo, culpa e inadimplência

por: Afonso Bazolli
em: Cobrança
fonte: Observatório da Imprensa
30 de março de 2014 - 14:07

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Por: Afonso Caramano

O senso comum diz que aquele que nunca comeu melado se lambuza quando come – e esta parece ser a tônica em reportagens que trazem dados de pesquisas sobre os hábitos de consumo e anseios da chamada classe C, principalmente quando se trata de endividamento ou inadimplência. E a explicação mais recorrente para tal endividamento se dá pela falta de costume de consumir aliada ao crédito mais fácil e estabilidade econômica – explicação apresentada, por exemplo, no Jornal Hoje, em reportagem sobre pesquisa do Serasa Experian, que aponta a reincidência na inadimplência e o surgimento de 5,9 milhões de novos endividados, em 2013.

Não se trata apenas de uma explicação sobre hábitos econômicos, uma vez que a reportagem busca também a opinião de uma psicóloga para entender o porquê de pessoas que haviam zerado suas dívidas voltarem a entrar na lista de devedores, não somente por um descontrole financeiro, mas emocional, como modo de lidar com as frustrações, angústias e premências diárias. De qualquer forma a tônica recai sempre no consumidor, no indivíduo incapaz (por falta de costume ou déficit educacional) em “administrar” a própria vida financeira ou emocional adequadamente. E quem assiste a uma reportagem nesses moldes deve sentir-se um pouco culpado, embora sempre exista a possibilidade de se corrigir rumos.

Todavia, numa edição anterior do mesmo Jornal Hoje foram divulgados dados de outra pesquisa realizada com mulheres empreendedoras da classe C, apontando que 47% delas investiram na reforma da casa, 35% pagam os estudos dos filhos e 22% voltaram a estudar. E a pretensão das entrevistadas é de continuar a estudar (89%), fazer faculdade, 23% querem fazer melhorias na casa, e 21% pretendem adquirir a casa própria.

Com sede ao pote

As duas reportagens veiculadas, se comparadas, parecem contraditórias, ao menos confusas se não se levar em conta o universo dos pesquisados, uma vez que uma abrange a totalidade de consumidores (pesquisa do Serasa), enquanto a outra restringe-se a uma fatia de mulheres empreendedoras da classe C, menos preocupadas com o consumo pelo consumo, mas sim, na sustentação de qualidade de vida e estabilidade econômica, com elevação educacional.

Parece que o caminho tende a ser pelo consumo mais consciente, na importância do investimento em educação e nos ganhos que isso representa – um caminho longo certamente, e que não depende unicamente de cada um. A questão é sempre mais complexa do que parece, envolve políticas públicas e conjunturas econômicas. As abordagens jornalísticas, todavia, oscilam muitas vezes em polos extremos, e ora a classe C é tratada como “queridinha”, uma lucrativa (e gorda) fatia de mercado a ser conquistada, ora como a culpada pelo consumo desenfreado ou irresponsável.

O que a mídia pouco aborda sequer resvala são os aspectos desse consumo ou incentivo ao consumo, nas características da própria formação de novos consumidores (tão necessários aos anunciantes que pagam pela exposição midiática, pela inserção de publicidade etc., enfim, propagandas que sustentam jornais e mídia em geral). Ressalte-se que há pesquisas com jovens (entre 16 e 24 anos) que apontam que 36% deles querem investir em um curso de formação, embora 25% têm a intenção imediata de comprar ou substituir o smartphone, por exemplo, sem contar a preferência por roupas e acessórios de marca. Talvez se devesse discutir o papel da propaganda e do marketing nesse contexto – e há quem afirme o seu caráter educativo e de formação de cidadania (ou isso se deva justamente pela carência educacional) – mas não se trata disso, senão de abordagens jornalísticas às vezes adversas, culpabilizando o indivíduo, na verdade esvaziado até de sua individualidade quando tornado mero consumidor, ao mesmo tempo que se acena para ele com um universo de sonhos refletivos em vitrines radiantes de objetos de consumo.

Parece que há um caminho de aprendizado pela frente, não somente para os consumidores (indivíduos?), mas para a própria mídia. E para ficar no campo dos ditados populares, talvez fosse mais conveniente concluir que todos querem é vender o seu peixe, e não se deve ir com muita sede ao pote, sob o risco de se acabar lambuzado.

Afonso Caramano é funcionário público e escritor

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