Por: Erik Farina
Na tradicional muvuca antes de embarcar no avião, uma figura discreta anotava o linguajar, os gestos e a postura do atendente da companhia aérea. Passando-se por ingênuo, dizia não encontrar a carteira de identidade – um teste para ver se o funcionário o deixaria embarcar mesmo assim. Dentro da aeronave, sentou ao fundo, de onde usava um celular para filmar o trabalho dos comissários, inclusive o jogo de cintura para lidar com imprevistos, como alguém que embarcou com uma bagagem maior do que o permitido e não encontra lugar para acomodá-la. Esse não é um passageiro comum.
A coleta de dados é essencial para esse personagem. Quando chegar na frente de um computador, o elemento misterioso irá disparar um relatório detalhando o que viu diretamente a quem o contratou: uma companhia de clientes ocultos, chamada por empresas que querem aumentar as vendas ou saber como está o atendimento nas lojas, por exemplo.
– Passei um ano viajando por uma companhia aérea, fazendo relatórios e mais relatórios. Cheguei a voar três vezes em uma semana, sempre nos horários mais tumultuados. Não tenho dúvida de que ajudei a empresa a melhorar seu atendimento, e prestei um serviço a todos os seus clientes – diz João Zuchetto, 46 anos, que tem na advocacia o ganha-pão principal e nas atividades como cliente oculto algo entre um hobby e uma fonte de renda extra.
Mercado em expansão
A empresa na qual João é cadastrado garante ter cerca de 80 mil espiões espalhados pelo país. Eles não sabem quem são – a convocação chega pela internet e os relatórios são entregues a avaliadores que provavelmente jamais serão vistos pessoalmente. O único colega de trabalho que João conhece é a própria mulher: ambos são clientes secretos em Porto Alegre há quatro anos.
– O que nos move é o desejo de melhorar os serviços no Brasil. Sabemos que há muito, mas muito trabalho pela frente – diz a mulher de João, Nair de Cassia Zuchetto, que tem entre suas maiores aventuras uma simulação de mal-estar para testar a emergência de um shopping e a abertura de um plano de previdência para verificar o atendimento do banco.
O serviço de cliente oculto não é exatamente novo, mas tem crescido à medida que empresas tentam se blindar de processos e acirram a briga por consumidores cada vez mais criteriosos sobre onde gastar o dinheiro. As quatro principais empresas que atuam no ramo anunciam que têm, somadas, cerca de 200 mil clientes ocultos cadastrados. Uma das maiores prestadoras deste serviço no país, a Shopper Experience, tem visto os negócios avançarem 27% ao ano.
– Nossos clientes são empresas das mais diferentes áreas, de supermercados a bancos, passando por lojas de roupa, cinemas e tantas outras – diz a CEO da empresa, Stella Kochen Susskind.
O cliente oculto atua principalmente no segmento de serviços, em que a avaliação é mais subjetiva. Os relatórios não têm espaço para certo ou errado. São um compilado de impressões quanto a atendimento, organização de vitrine, limpeza da loja, conhecimento do atendente sobre o produto e o que mais chamar a atenção do atento consumidor.
– Temos muitos clientes e avaliadores no Rio Grande do Sul, onde há particularmente uma preocupação grande com a qualidade de serviços oferecidos – afirma Stella, sem citar números.
Teste antes de sair da fábrica
A participação de consumidores para melhorar a qualidade não ocorre só depois que produtos e serviços já estão sendo oferecidos – pode começar bem antes do lançamento. Empresas especializadas em pesquisa de mercado têm desenvolvido técnicas avançadas para conhecer a opinião de clientes antes que as mercadorias cheguem às prateleiras.
– Observamos não só o que os consumidores dizem, mas todo o seu comportamento enquanto interagem com o produto – descreve a empresária Raquel Siqueira, dona de uma empresa de testes.
Seguindo uma tendência do marketing de países desenvolvidos, Raquel usa a psicologia para avaliar a reação dos avaliadores enquanto mexem em um novo equipamento eletrônico, os comentários que fazem enquanto se olham no espelho com alguma roupa e as expressões ao provar uma nova marca de biscoito.
– Assim, eliminamos os filtros sociais e do politicamente correto que podem inibir algum comentário – explica Raquel.
Nem sempre esse teste é presencial. Nos últimos anos, têm surgido no Brasil empresas que prometem fazer o meio campo entre indústria e consumidores para enviar produtos para teste. O candidato se inscreve e aguarda até ser escolhido. O serviço é obscuro: há poucas credenciais dessas companhias, e as maiores são multinacionais. Quem se candidata pode se tornar um testador frequente ou jamais ser chamado sem entender o motivo.
– Há mistério no processo porque há contrato de confidencialidade para preservar os lançamentos – explica Genaro Gali, professor de Marketing da ESPM-Sul.
Sem telefone ou endereço nos sites, essas empresas evitam se expor. ZH tentou contato com duas das mais conhecidas – Clube dos Testadores e Toluna –, mas não obteve retorno. O ar de suspense cerca os próprios testadores, que usam redes sociais para questionar o motivo pelo qual não são chamados e cobrar pagamentos prometidos. No site Reclame Aqui, ambas são alvo de críticas, e houve apenas uma resposta para 20 reclamações. Consumidores interessados em testar podem atalhar intermediários e se cadastrar diretamente nos sites das indústrias.
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