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18 de março de 2020 - 17:04

Discriminacao-no-atendimento-atinge-55-dos-consumidores-mostra-pesquisa-do-procon-sp-televendas-cobranca-1

Casos estão ligados principalmente a aparência, raça e gênero e ocorrem mais em lojas de rua e bancos

A aposentada Neide da Silva, de 76 anos, foi ignorada pelos atendentes de uma loja de trajes de festa, no Recife, apesar de nenhum deles estar ocupado quando entrou no estabelecimento. Ela acredita que isso aconteceu porque vestia trajes simples e calçava chinelos. No Rio, o compositor Edilson Lourival dos Santos, de 64 anos, já perdeu as contas das vezes em que passou por situações de constrangimento no comércio. Na mais recente, foi seguido por um segurança quando entrou numa farmácia, em Copacabana.

-  Sou negro e isso acontece com frequência. Falei para ele (o segurança), que também era negro, que poderia denunciá-lo e pedir indenização à farmácia. Ele ficou sem graça quando reivindiquei meus direitos. No fim, comprei o que que precisava, mas é um constrangimento – queixou-se.

Casos como esses estão longe de serem exceção. Pesquisa inédita feita pelo Procon-SP com cerca de 1,7 mil brasileiros identificou que mais da metade deles (55%) já sofreu discriminação ao ir às compras. Na maior parte das vezes o preconceito está relacionado à aparência e é mais frequente em lojas de rua e agências bancárias.

- Todos os atendentes nos ignoraram na loja de roupas de festa. Podem ter achado que não conseguiríamos pagar pelas roupas. Acabamos provando algumas peças sozinhos – contou Neide, que estava acompanhada pelo filho.

Difícil comprovação

Segundo a pesquisa, negros e mulheres estão entre os principais alvos de preconceito, ainda que a maioria (60,8%) tenha declarado ter sofrido discriminação pela condição financeira. Na prática, isso se traduz em comportamentos como recusa ou demora no atendimento, resposta dada por 37% dos entrevistados. Agressões morais e físicas foram citadas em 20% dos casos.

- O Brasil é de fato um país racista, misógino e separatista por renda. O negro sofre preconceito pela cor e pela renda, na maior parte das vezes baixa. A mulher, porque não é vista como alguém capaz de tomar sozinha decisões de compras de valores mais altos e em áreas tipicamente masculinas, como automóveis -ressaltou o sociólogo do consumo Fábio Mariano Borges, da ESPM.

A discriminação nas relações de consumo devido a condição social e aparência é crime previsto no Código de Defesa do Consumidor e também na Constituição Federal, observa Marcus Vinicius ComenalePujol, diretor da Escola Paulista de Defesa do Consumidor do Procon-SP.

Denúncias podem ser feitas em delegacias especializadas, à Defensoria Pública e aos Procons. Mas é incomum vítimas buscarem reparação. Dos entrevistados que sofreram discriminação, 57% não tomaram nenhuma atitude.

Segundo Pujol, a baixa procura por reparação é fruto da dificuldade de comprovar a discriminação, pois na maior parte dos casos ela é velada, como ocorreu com mais de 70% das vítimas ouvidas:

- Em casos extremos, quando a pessoa é levada para uma sala de revista ou é impedida de entrar no estabelecimento, é mais fácil conseguir testemunhas ou gravação das câmeras de segurança. A partir da denúncia, o caso é investigado e pode resultar até no fechamento do comércio.

O sociólogo da ESPM também diz que é comum a discriminação passar despercebida. Portanto, o número de vítimas tende a ser maior do que mostram os números das pesquisas:

— As mulheres são as principais vítimas. Produtos semelhantes, como uma calça jeans da mesma marca e com as mesmas características, são vendidas a um preço mais elevado para as mulheres. Elas também são constantemente estimuladas pelos vendedores a comprar outros itens além dos produtos que estão procurando. Nos dois casos, isso ocorre porque há uma percepção equivocada de que compram mais por impulso.

Varejo admite a prática

Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, lembra que a prática pode configurar dano moral. Ela reconhece a dificuldade da vítima de juntar provas para ir à Justiça, mas observa que há outras formas de punir a empresa:

- Fazer propaganda negativa do estabelecimento, relatando o constrangimento em redes sociais, com responsabilidade e respeito, costuma ser eficaz.

Para a defensora pública, preconceitos e falhas nas políticas de treinamento das empresas explicam os casos:

— No varejo, aparência do cliente determina o tipo de atendimento que vai receber: sua cor, peso, como está se vestindo. Somos um país preconceituoso.

A diretora executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), PatriciaCotti, reconhece que situações de discriminação são frequentes no comércio. Ela aponta três razões: o preconceito embutido na sociedade; o fato de que mais de 70% do varejo estão nas mãos de pequenas e médias empresas, com menos estrutura de capacitação; e o próprio modelo de negócio:

— Quando um vendedor ganha por comissão e tem metas para bater, ele otimiza seu tempo. Prefere atender bem quatro clientes com potencial para fazer grandes compras do que dez que, acredita, farão compras de menor valor.

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