Por: Marcelo Brandão
Em entrevista exclusiva, Paulo Marcelo, CEO da Capgemini, fala sobre os desafios em Big Data & Analytics e um novo conceito em geração de valor para as organizações
Nos últimos anos, fortalecidas pelos avanços tecnológicos e pela transição para os canais de compras online, as fabricantes de bens de consumo empreenderam iniciativas significativas para coletar dados dos clientes. Essas iniciativas têm como objetivo obter uma compreensão mais profunda de padrões de comportamento e de compra dos clientes. Os benefícios são grandes para as empresas, uma vez que essas informações ajudam na melhoria de seus serviços, produtos e, principalmente, nas relações e atendimento ao cliente.
No entanto, apesar da importância das percepções dos clientes, as empresas não têm sido capazes de proteger os dados dos consumidores. Um relatório recente do Instituto de Transformação Digital da Capgemini Consulting, divisão global de consultoria em estratégia e transformação do Grupo Capgemini, revelou que muitas empresas estão correndo riscos com a segurança e privacidade dos dados de seus clientes.
O informe constatou que 46% das empresas ainda não conseguiram elaborar políticas claras e não negociáveis sobre a segurança e privacidade dos dados dos clientes, enquanto mais de 90% destas corporações já sofreram violações de segurança de dados de clientes.
Foi sobre este cenário em desenvolvimento e também sobre os “Princípios de Engajamento do Consumidor”, normas globais para todo setor, lançado pelo The Consumer Goods Forum, que conversamos com Paulo Marcelo, CEO da Capgemini.
CM – O conceito de Big Data & Analytics é hoje um dos temas mais debatidos entre lideranças e fornecedores de tecnologia para o relacionamento com clientes no Brasil. Como você analisa este momento no mercado brasileiro em relação a sua compreensão, adoção e aplicação para os negócios?
Paulo Marcelo – O mercado brasileiro amadureceu muito nos últimos dois anos com relação a Big Data & Analytics. Está claro hoje que se trata de um grande avanço em termos de tecnologia, mas, principalmente, de como se dá o entendimento do negócio – olhando o funcionamento das empresas e o relacionamento com seus consumidores.
O que o avanço da tecnologia nos permitiu foi a simplificação do processo de entendimento do negócio e como obter informações adicionais até então imperceptíveis à primeira vista. E, adicionalmente, as empresas tomam uma postura mais ativa no relacionamento. Por trás disto se forma uma cadeia de B2B e B2C, que até pouco tempo atrás era impensável. Ou seja, tem-se um efeito multiplicador de negócios, bastando para isso uma mensagem direcionada para o consumidor escolhido, na hora certa. E isto a tecnologia permite às empresas hoje, por meio de um motor inteligente de Big Data & Analytics funcionando por trás de tudo isto.
O que o avanço da tecnologia nos permitiu foi a simplificação do processo de entendimento do negócio e como obter informações adicionais até então imperceptíveis à primeira vista
CM – As percepções do consumidor estão se tornando engrenagens cada vez mais importantes dentro das organizações. Mas, com isso vem a responsabilidade. Você acredita que empresas estão realmente interessadas na segurança dos dados de seus clientes e prospects?
Paulo Marcelo – Atualmente há um volume imenso de informações sobre os clientes – seus hábitos, perfis, tendências, critérios de decisão e rede de relacionamento – aberta e plenamente disponível para as organizações. Saber usar esta rica massa de dados já é o primeiro passo, pois de nada adiantam informações disponíveis sem uso.
Adicionalmente, caso novas informações sejam geradas durante o processo de relacionamento com o cliente, as empresas têm a oportunidade de transformar isso em grandes diferenciais competitivos – principalmente se combinar essas novas informações com dados públicos já existentes. Estes dados, privados e confidenciais, precisam estar protegidos pelas organizações, pois, além de ativos de competitividade, são informações diretamente vinculadas à relação empresa-consumidor. Caso venham a vazar – e o cliente fique ciente disto – este associará o vazamento diretamente à organização; o que certamente será fatal para a relação entre as partes e uma publicidade negativa para a empresa.
CM – Como tratar esta confidencialidade das informações?
Paulo Marcelo – Comece pelo mais simples: dados do cliente somente podem ser acessados por ele mesmo ou pelos times internos. Ações de marketing, vendas ou aplicações móbile usam dados de perfil, hábitos e comportamentos, mas não podem expor diretamente a identidade do consumidor. Assim, um sistema simples de codificação das informações mais básicas do usuários/consumidor já reduziria a maior parte dos riscos.
CM – Como você analisa os próximos anos dessa relação entre empresas e marcas via web? Teremos de fato a criação uma espécie de entidade de segurança, padronização e normatização de dados digitais?
Paulo Marcelo – Tecnologia para isso já existe tanto para as organizações quanto para os usuários. Torná-la padronizada e disponível para toda a imensa população que acessa a Internet é um salto na forma de uso deste recurso e na relação entre as empresas e as pessoas. Cada dispositivo que for usado para acessar a Internet – laptop, smartphone, TV, som portátil, central multimídia do carro – poderá ler as minhas preferências pessoais e se adaptar ao meu estilo. Outra pessoa que as use, terá estes aparelhos adaptados ao estilo dela. Ou seja, a padronização da tecnologia vai ampliar ainda mais as possibilidades de personalização da experiência do cliente.
Da mesma forma que existem comitês, agências e órgãos que regulam hoje o que se faz – e o que não se faz – na Internet, entendemos que esta regulação será necessária também para esta padronização de armazenagem de dados digitais. Porém vale lembrar que a Internet já tem mais de 30 anos e, para atingir a maturidade que temos hoje neste meio, aplicando-a às mídias digitais, não poderemos aguardar outros 30. Portanto, uma regulação simples, com o objetivo de evitar os principais riscos e abusos, poderia ser estabelecida em curto prazo.
CM – Num momento onde as relações digitais se intensificam como a Capgemini tem ajudado lideranças empresarias a se posicionarem com assertividade neste cenário?
A Capgemini entende que a jornada de transformação digital de seus clientes é um processo a ser feito a quatro mãos – o cliente, com a visão de seus objetivos de negócio, e a Capgemini, com sua experiência nas principais verticais de mercado e no modo como a tecnologia pode viabilizar esta jornada. Mais do que isto, só faz sentido este investimento se nosso cliente realmente pensar em rentabilização. Para tanto, nossa atuação busca a construção de parcerias duradouras – e não por meio de uma relação meramente transacional –, o que é imprescindível para o sucesso deste tipo de iniciativa.
Os fatores críticos neste tipo de iniciativa são: objetivos claros, um parceiro experiente e a ruptura do modelo tradicional de TI (as soluções precisam ser demandadas pela necessidade do negócio e não como um projeto de tecnologia). TI passa a ser o viabilizador do negócio, trazendo agilidade para o alcance rápido dos resultados e dos objetivos estabelecidos.
O cliente estará cada vez mais no controle, tomando decisões que têm impacto direto na rede de valor, o que acaba exigindo uma reação ativa do setor, ao contrário do que ocorre atualmente
The Consumer Goods Forum
CM – Do que se trata o informe “Princípios de Engajamento do Consumidor”, normas globais para todo setor, conforme lançamento feito pelo The Consumer Goods Forum? Ele se aplicará também no mercado brasileiro?
Paulo Marcelo – No início do ano, publicamos um relatório em parceria com o Consumer Goods Forum intitulado “Repensando a Cadeia de Valor: Novas Realidades da Colaboração nos Negócios”. O levantamento, que identifica as tendências do setor de bens de consumo e varejo, concluiu que as cadeias de valor tradicionais não são mais suficientes para acompanhar os avanços.
O material mostrou que o setor deve se organizar cada vez mais como redes em torno dos clientes, oferecendo vários canais e interfaces com diversos processos e empresas voltados à geração de valor. No fim, o cliente estará cada vez mais no controle, tomando decisões que têm impacto direto na rede de valor, o que acaba exigindo uma reação ativa do setor, ao contrário do que ocorre atualmente.
O relatório destaca três prioridades em torno das quais o setor pode trabalhar em conjunto e que devem trazer um retorno positivo dos investimentos, e que podem ser aplicadas por empresas de todo mundo, inclusive do Brasil:
Engajamento do consumidor: Participar de um diálogo honesto com os consumidores, fortalecendo sua confiança em nosso setor. É preciso tratar os dados dos consumidores sempre com responsabilidade, de modo a gerar valor ao atendê-los e interagir com eles. Isso requer que as empresas adotem princípios comuns e claros para engajar os consumidores.
Transparência: Manter o público informado sobre o tipo e rastreabilidade dos ingredientes, nutrientes e origem dos produtos, informando sobre o conteúdo, segurança, impacto ambiental e social e, ao mesmo tempo, aumentando a eficiência do setor. Isso requer uma mudança gradual na maneira de colaborar para a definição dos dados globais dos produtos, a qualidade e o compartilhamento dos dados, indo além de rastreamento e auditorias simples.
A última milha da distribuição: Reconsiderar a premissa de que a distribuição para lojas e consumidores seja uma área na qual as empresas operam independentemente umas das outras, explorando oportunidades para colaborar em certas situações para aumentar a agilidade, eficiência e satisfação dos clientes e, ao mesmo tempo, minimizando o impacto ambiental. O novo modelo deve se tornar uma nova forma de parcerias “em rede”. Para entender essas oportunidades, o setor precisará investir em tecnologias flexíveis, interoperabilidade de novos processos e culturas corporativas mais abertas.
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