Por: David Friedlander
O Brasil corre o risco de enfrentar uma crise de crédito, como a que os Estados Unidos e a Europa viveram em 2008. Num cenário assim, a inadimplência foge do controle, a concessão de empréstimos para e a economia entra em parafuso e tende a ficar pior do que está hoje.
A avaliação é do empresário Antonio Quintella, ex-presidente do banco suíço Credit Suisse no Brasil e nos Estados Unidos. Hoje sócio da gestora de recursos Canvas Capital, ele afirma que “o caminho é perigoso e essa trajetória precisa ser interrompida já”.
Para Quintella, 49, o risco de colapso no mercado de crédito ronda o país por causa de um componente novo, que não estava presente nas crises anteriores: as pessoas e a empresas nunca estiveram tão endividadas.
“Apenas de 2007 para cá, a dívida do setor privado cresceu de 34% do PIB para 54% do PIB. Isso aumenta os riscos da crise”, afirma.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Quintella à Folha.
Folha – Pelo cenário que temos hoje, quando a economia começa a melhorar?
Antonio Quintella – Não melhora de forma consistente. Sem reformas muito profundas, penso que pode piorar.
Por quê?
Hoje temos um componente novo, e de alto risco, que não estava presente nas outras crises que o país viveu: esta é a primeira vez que uma crise econômica pega o setor privado brasileiro tão endividado.
Nas vezes anteriores, não existia empréstimo consignado, por exemplo. Os estoques de crédito imobiliário, de financiamento de veículos, de crédito ao consumidor e de endividamento das empresas eram pequenos.
Hoje, o endividamento das famílias e das empresas é muito mais alto. Apenas de 2007 para cá, cresceu de 34% do PIB para 54% do PIB. Isso aumenta os riscos da crise.
Qual é o impacto que essa situação pode provocar?
Pode levar o país a uma crise de crédito ao longo dos próximos meses, como aconteceu com os Estados Unidos e a Europa em 2008.
Se isso acontecer, a inadimplência aumentará rapidamente e o acesso aos financiamentos ficará proibitivo.
O mercado de crédito deixa de funcionar.
Essa situação pode alimentar um círculo vicioso, que leva à redução da atividade econômica e a aumento mais expressivo do desemprego. É um caminho perigoso.
Em 2008 o Brasil não acompanhou o colapso dos Estados Unidos e da Europa…
Era diferente. Os bancos públicos preencheram o espaço deixado pelos privados, que recuaram na oferta de crédito. Isso não deve se repetir agora, já que os bancos públicos também parecem estar sob pressão.
A crise de crédito já começou?
Há alguns sinais. As empresas brasileiras já não têm acesso ao mercado internacional de capitais. É preciso interromper esse processo e precisa ser já.
Como fazer isso?
É preciso restaurar a confiança dos agentes econômicos no país. Não falo apenas do mercado financeiro, mas do consumidor, do empresário, do investidor estrangeiro. As idas e vindas do governo criam insegurança em todos.
Adicionalmente, hoje não parece plausível que o governo consiga atingir as metas de superavit primário e de inflação que ele mesmo traçou para os próximos anos.
O mercado não acredita no governo?
O mercado desconfia de que existe a possibilidade de uma trajetória de piora a perder de vista.
Por exemplo: recentemente, o Banco Central comunicou que pretende interromper o ciclo de alta de juros.
Apesar disso, os preços de mercado estão apontando para altas expressivas da taxa de juros nos próximos meses.
Se hoje o Tesouro Nacional fosse emitir títulos com vencimento em 2017, os juros seriam muito superiores aos 14,25% da Selic.
As altas dos juros e do dólar são consequência do nervosismo…
Entramos em uma fase bastante perigosa, em que o mercado financeiro está ficando disfuncional. Isso pode ter impacto sobre o custo das empresas, na taxa de juros do mercado doméstico, pode provocar queda de atividade, aumento do desemprego, queda dos salários. Um mercado financeiro disfuncional alimenta a crise.
O pacote de medidas proposto pelo governo na semana passada não é suficiente para tirar o país dessa situação?
Não parece. Se as medidas fossem aprovadas na sua integralidade pelo Congresso e depois implementadas, talvez fossem suficientes para o Brasil comprar algum tempo. Mas a necessidade do país vai muito além disso.
Mais do que um ajuste, precisamos de uma reorganização na frente macroeconômica. Temos de fazer de uma vez por todas as reformas estruturais bastante profundas para recuperar a capacidade de crescimento compatível com as necessidades sociais que o Brasil apresenta.
A todo momento aparecem especulações sobre a saída do ministro Joaquim Levy [Fazenda], por causa da falta de sintonia com outras áreas do governo. O sr. acha que ele aguenta no cargo?
Não tenho capacidade de fazer uma avaliação do cenário político. Mas a saída do ministro Levy não seria bem recebida.
Ele entende claramente a natureza das reformas necessárias e está comprometido com sua implementação.
A saída dele seria entendida como o fortalecimento da corrente dos que são contra essas mudanças.
Como os investidores estrangeiros estão reagindo em relação à crise brasileira?
Há uma redução de alocação de recursos para os mercados emergentes como um todo, não só para o Brasil. Mas é possível notar aumento no grau de ceticismo em relação ao país como oportunidade atraente de investimentos.
Estamos perdendo espaço para quem?
Para países mais confiáveis. Há a recuperação dos Estados Unidos, sinais modestos de melhora na Europa e há também países emergentes como o México, que acabou de tirar do Brasil o posto de maior Bolsa de Valores da América Latina.
Isso não tem cabimento, porque nossa economia é muito maior. Foi mais por demérito nosso do que por mérito deles.
Estamos sofrendo fuga de capitais?
Alguma fuga deve haver, ou o dólar não estaria no preço em que está apesar das intervenções do Banco Central.
Mas vocês estão captando recursos novos no exterior…
Uma de nossas áreas de atuação é o segmento de recuperação de crédito.
Nos Estados Unidos, esse é um mercado muito grande. Com a crise, aparecem oportunidades aqui também.
Os títulos de empresas brasileiras de primeira linha estão sendo negociados a preços incrivelmente aviltados. A gente tem capital disponível para investir nessas oportunidades.
Em boa parte, são recursos de investidores estrangeiros. São oportunidades que aparecem justamente por causa da crise.
Raio-X
Antônio Quintella
IDADE: 49
CARGO ATUAL: Sócio fundador da Canvas Capital, que tem R$ 3 bilhões sob gestão e o Credit Suisse entre seus sócios minoritários
CARREIRA: Foi presidente do Credit Suisse nas Américas (Estados Unidos, Canadá, México e Brasil). Antes foi executivo do ING Bank
FORMAÇÃO: É economista formado pela PUC do Rio de Janeiro, com MBA pela London Business School
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.