Por: Denise Neumann e Camilla Veras Mota
Nos últimos meses, apesar da crise, Eduardo, Orlando, Marinalva, Henrique e Rodrigo pediram demissão. E eles não foram os únicos. No primeiro semestre de 2015, um em cada quatro trabalhadores formais desligados das empresas pediu para sair do emprego. No total, foram 2,5 milhões de pedidos de demissão em um universo de 9,8 milhões de trabalhadores desligados. Os demais foram demitidos ou tiveram o contrato de trabalho por tempo de serviço expirado. Uma minoria se aposentou.
De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o percentual de trabalhadores que pediu demissão (26%) caiu em relação aos primeiros seis meses do ano passado (29% do total), mas está maior que na crise de 2009, quando dois em cada dez foram desligados a pedido no primeiro semestre.
Um terço dos trabalhadores que pedem demissão neste ano são jovens (têm de 18 a 24 anos) e 58% deles recebem entre 1 e 1,5 salário mínimo. As histórias de cinco trabalhadores que pediram demissão nos últimos meses sugerem que a crise não acabou com a mobilidade do mercado de trabalho e que os trabalhadores continuam trocando de vagas em busca de melhor salário – seja de imediato, seja como plano para o futuro.
Eduardo Silva Abade tem 29 anos e trocou um emprego de sete anos em uma metalúrgica por uma função de conferente em uma construtora. Um salário 50% maior, mais vale alimentação, vale transporte e convênio médico foram argumentos suficientes para seu pedido de demissão. Também ajudou o fato de ele não sentir uma crise forte ao seu redor. A irmã foi demitida há poucos dias, “mas porque processou a empresa”. Outros dois amigos da empresa antiga, conta, foram dispensados depois que ele saiu, mas “já arrumaram emprego no shopping e estão gostando”.
“Trabalhador qualificado não fica sem emprego”, argumenta Orlando Henrique Souza Silva, mecânico eletricista. Casado, com uma filha, ele pediu demissão de uma oficina mecânica onde ganhava R$ 1,8 mil mensais para trabalhar em outra oficina por um salário de R$ 3 mil. “Não tenho medo de ficar sem emprego, não”, diz, explicando que já mudou de emprego a pedido várias vezes. “Foi assim que meu salário chegou aonde está”, conta Silva. “Se você não se valorizar, seu salário não melhora”, ponderou, enquanto esperava sua homologação da sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Aos 33 anos, o metalúrgico diz que sua qualificação vem da experiência e de um curso de mecânica básica no autódromo de Interlagos, quando tinha de 17 para 18 anos, de onde “saiu empregado e nunca mais parou”. Ele também não viu a crise chegar na sua família ou nos vizinhos e não lembrava de nenhum amigo demitido recentemente. “Eu sinto [a crise] um pouco na inflação e muito na hora de pagar os impostos. Por isso que eu não tenho a minha oficina até hoje”, conta. “Lá na oficina mesmo, o patrão tá procurando um ajudante e ninguém aparece pra vaga. O garoto marca de começar e some”, diz ele, reafirmando sua convicção de que há emprego para quem tem qualificação.
O consultor sindical João Guilherme de Vargas Neto acha que o elevado percentual de pessoas que pedem demissão na atual conjuntura recessiva sugere que muitos trabalhadores ainda estão “vivendo na conjuntura antiga”. “Eles não se deram conta do tamanho do problema que está aí [no mercado de trabalho]“, pondera.
Após a crise de 2009, lembra ele, o mercado viveu um bom período de crescimento, com absorção de muitos trabalhadores e com ganho de renda. Essa situação, que fez o desemprego médio nas seis principais regiões metropolitanas do país recuar de 8% para 4,8% ao ano, criou mais mobilidade no mercado de trabalho onde as pessoas, mais seguras, trocaram mais de emprego. “Aquele quadro mudou”, diz Vargas Neto.
O professor Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), acredita que a maioria das pessoas que pede demissão atualmente o faz porque tem outra ocupação em vista. “O que surpreende não é elas pedirem demissão, mas a existência da oferta de vagas por um salário maior”, diz ele.
Foi o que aconteceu com Marinalva Nunes Miranda, que trocou no início de março o emprego de costureira pelo posto de piloteira em uma fábrica de uniformes em São Paulo. O salário de R$ 1,5 mil é mais de 30% superior ao que ela recebia na empresa anterior, onde passou pouco mais de um ano.
Há cinco meses na nova função, já intermediou a contratação de quatro colegas do emprego antigo e recentemente passou a acumular a função de encarregada, responsável pelo treinamento de novos funcionários. Esse, para ela, é o principal reflexo das dificuldades da economia no cotidiano da fábrica. “O serviço ficou mais corrido”, diz.
Os dados do Caged também mostram que as empresas estão demitindo menos do que no ano passado. A maior parte do ajuste do emprego está sendo feito pela não reposição de vagas. Assim, esse trabalhador que pede demissão – e que poupa à empresa o pagamento dos custos adicionais de uma demissão sem justa causa – não está sendo reposto.
De janeiro a junho, as empresas desligaram 9,8 milhões de pessoas, número inferior aos 10,3 milhões de demitidos em igual período do ano passado. Ao mesmo tempo, elas admitiram 9,4 milhões de funcionários, resultado bem inferior aos 10,9 milhões contratados nos primeiros seis meses de 2014.
Esse é um quadro bem diferente do da crise de 2009. No primeiro semestre daquele ano, as demissões foram 7% maiores que as feitas entre janeiro e junho de 2008, mas as admissões cresceram muito mais, o que permitiu, inclusive, um aumento líquido de 1,3 milhão de empregos com carteira assinada no começo da crise.
A crise, lembra Vargas Neto, era diferente. “A perspectiva de recuperação veio logo”, lembra ele. Essa “confiança” ainda não apareceu para 2015, diz Zylberstajn. “Quando a empresa tem a percepção de que a crise será curta, ela posterga ao máximo a demissão do trabalhador qualificado porque demitir tem um custo alto. Mas agora, não se sabe até onde ela [a crise] vai”, acrescenta.
A reportagem encontrou, entretanto, dois trabalhadores que pediram demissão pela perspectiva de crescimento profissional que enxergaram no novo emprego. Henrique Silva, de 21 anos, trocou a carteira assinada em uma companhia de telemarketing pela vaga de aprendiz em uma empresa na área de administração, tema de seu curso técnico e setor para onde quer orientar a carreira. A remuneração é a mesma, cerca de R$ 800. “Mas daqui um ano tenho oportunidade de ser efetivado, já com um salário melhor”, contou na sala de homologação do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing de São Paulo (Sintratel).
Aos 33 anos, Rodrigo Dupim recebeu o convite de um ex-chefe para sair da companhia de telemarketing em que trabalhava há três anos e assumir um posto em uma operadora de telefone. A saída não foi motivada pelo salário – a proposta de R$ 3,6 mil é semelhante ao que Dupim já recebia na Vox Line -, mas pelo que ele pode aprender na nova função, que poderá “usar para crescer dentro da empresa”.
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