“Naturalmente, diante de um reajuste tarifário pesado, indicadores de perdas comerciais e de inadimplência tenderão a subir. O furto e a fraude deverão crescer e as empresas terão forçosamente que se adaptar à nova situação”, afirma o ex-presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia (Abradee) e diretor da Bench Consultoria, Luiz Carlos Guimarães.
Por Natalia Viri e Rodrigo Polito | De São Paulo e do Rio
Apesar de trazer um esperado alívio no capital de giro, o forte aumento nas tarifas de energia estimado para este ano deve ter efeitos colaterais para o volume faturado pelas distribuidoras. Com o peso maior da conta de luz no bolso do consumidor, especialistas apontam o risco de elevação da inadimplência e de perdas via ligações ilegais e fraudes, o que pode comprometer as receitas e as margens já apertadas do setor. “Naturalmente, diante de um reajuste tarifário pesado, indicadores de perdas comerciais e de inadimplência tenderão a subir. O furto e a fraude deverão crescer e as empresas terão forçosamente que se adaptar à nova situação”, afirma o ex-presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia (Abradee) e diretor da Bench Consultoria, Luiz Carlos Guimarães. O impacto efetivo do aumento de até 40% na tarifa média para o consumidor sobre esses indicadores ainda é uma incógnita, já que não há histórico recente de reajustes da magnitude esperada para este ano. De 2002 até 2013, as tarifas mostraram uma trajetória de queda e, de lá para cá, a renda da população cresceu.
“Aumentos como o previsto para este ano só ocorreram na década de 1990 e a situação econômica naquela época era muito diferente”, afirma Gilberto Eggers, assessor da diretoria comercial da Celesc. Segundo ele, a expectativa não é de saltos nos índices de inadimplência e de perdas da companhia, que são pequenos em relação à média do país, mas o tema tem sido acompanhado de perto pelas áreas operacional e financeira. Uma experiência enfrentada pela Neoenergia em 2012 mostra que há alguma sensibilidade dos atrasos em relação ao preço. Em 2012, a companhia que controla distribuidoras na Bahia, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, aumentou em 65% o montante de provisão para créditos de liquidação duvidosa em relação ao ano anterior, alegando mudança das regras de enquadramento de consumidores subsidiados com tarifas sociais. As mudanças adotadas na época provocaram o descredenciamento de cerca de 2 milhões de clientes que recebiam descontos e que, de uma hora para outra, tiveram de pagar a tarifa cheia. A empresa não quis dar entrevista. Entre analistas de mercado, as preocupações recaem principalmente sobre as companhias com maiores índices de perda, como as distribuidoras do grupo Eletrobras e a Light. A concessionária fluminense luta há anos para reduzir as perdas com os “gatos” e, na revisão tarifária aplicada em 2013, firmou compromisso com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para reduzir o percentual de energia desviada no mercado de baixa tensão que inclui os consumidores residenciais de 43% para 39,9% em 2015.
Para isso, passou a receber uma contribuição do consumidor de R$ 750 milhões em “obrigações especiais” na tarifa de energia entre 2013 e 2018 e, se não atingir a meta neste ano, a Aneel pode reduzir o volume desses recursos.
Em setembro, último dado disponível, as perdas não técnicas atingiram 41,3% considerando também o mercado de alta tensão, o indicador é de 23%, contra média de 17% no país. Procurada, a companhia não quis se pronunciar sobre o assunto. O Goldman Sachs alerta ainda que o forte aumento nas tarifas da Light que já teve início em novembro, com reajuste de 19% pode interromper a trajetória de queda na inadimplência iniciada em 2011. Segundo cálculos do banco, há uma correlação de 70% entre aumentos nas tarifas e contas em atraso na área da companhia. “Os esforços para reduzir as contas em atraso estão diretamente ligados à redução das perdas e se beneficiaram de tarifas de energia estáveis no período”, afirma o analista Felipe Mattar em relatório. A equipe do Credit Suisse pondera ainda que a distribuidora fluminense tem a pior taxa de conversão de contas em atraso em receitas financeiras auferidas via juros e multas. Nos nove primeiros meses do ano, a inadimplência respondeu por 1,3% da receita bruta da companhia, enquanto as receitas financeiras decorrentes do atraso ficaram em apenas 0,8%. Com isso, se a taxa de inadimplência atua for mantida e houver um aumento de 40% nas tarifas, o lucro líquido de 2015 poderia ser reduzido em até 6% só por conta desse efeito.
Na Eletropaulo, a mesma conta produziria um recuo de 3% no lucro líquido deste ano. A distribuidora que atua na Grande São Paulo também tem um baixo índice de conversão, aponta o Credit Suisse, em que as receitas com contas em atraso apenas empatam com a inadimplência ambas representavam 0,5% do faturamento fruto ao fim de 2013. A concessionária do grupo AES espera algum impacto das tarifas maiores sobre os níveis de inadimplência, mas não espera um “grande desastre”. “As empresas tem processos operacionais sólidos para lidar com essas questões pontuais. Esse problema é de muito menor escala e o fundamental é a que postura mais realista em termos de tarifas é um passo para revestir o setor da consistência que ele tinha há anos recentes”, afirma o presidente do grupo, Britaldo Soares.
A Eletrobras também espera um “impacto pequeno” no nível de inadimplência neste ano e não acredita em aumento nas perdas comerciais. “A fraude e o furto estão muito relacionadas ao comportamento das pessoas e não são situações de curto prazo que podem levar à decisão de cometer irregularidade”, disse a companhia por meio de nota. Das cinco distribuidoras de energia com o pior índice de perdas no país, quatro são controladas pela estatal federal. Na Amazonas Energia, 38,3% da energia produzida em 2013 foi desviada via fraudes e furtos, enquanto na Eletrobras Piauí esse índice é de 30%. Em seguida, aparecem as concessionárias de Alagoas e Rondônia, com índices de 26,1% e 24%, respectivamente.
Na contramão, a CPFL Energia, que tem as distribuidoras com menor percentual de perdas do Brasil, virou a “queridinha” dos analistas de mercado para enfrentar a situação mais adversa para o setor a maior parte dos bancos e corretoras que acompanham o papel tem recomendação de compra. “A exposição a distribuidoras eficientes proporciona à companhia um diferencial em um cenário tão difícil para o setor”, afirma a equipe de analistas do Itaú.
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