Estar na mira de um headhunter não necessariamente significa, para quem está empregado, adotar táticas de guerra para não parecer um desertor aos olhos do chefe atual. Para alguns consultores, em primeiro lugar, o superior não tem de ser encarado como um inimigo. Sempre que possível, prega Sandra Finardi, diretora da divisão de negócios executivos do grupo DMRH, a melhor estratégia é abrir o jogo.
“Uma coisa é disparar currículos de maneira proativa, expondo-se demais. Outra é ser abordado”, pondera. “Não é preciso estar buscando outra colocação para ouvir o que o mercado tem a dizer. Dependendo da cultura da empresa e da relação com o chefe, acredito na comunicação transparente.”
Muitas empresas e gestores, de acordo com Sandra, compreendem que esses flertes são movimentos naturais e até valorizam quem passa por essa situação e decide pôr as cartas na mesa. Essa pode ser, inclusive, uma maneira de discutir a relação a partir de pontos que não estejam satisfatórios para o profissional.
Nem sempre, porém, esse canal é tão desobstruído. Organizações mais conservadoras – com líderes igualmente conservadores – podem facilmente se magoar com executivos que enxergam tapetes verdejantes no quintal de algum vizinho, especialmente quando se trata de um concorrente direto.
Na opinião de Luiz Valente, diretor geral da consultoria Talenses, mesmo nessa circunstância mais “delicada e crítica”, é de bom tom durante a seleção não abrir dados estratégicos e comerciais com aquele que pode vir a ser seu novo contratante – eventuais pressões nesse sentido eventualmente ocorrem. “O simples fato de dar ouvidos a um ‘inimigo de mercado’ pode ser mal recebido e deixar marcas se o atual empregador tem uma cultura mais fechada”, diz Valente.
Quando existe a percepção de que não é bom negócio abrir o jogo com o chefe a respeito de uma sondagem, surgem alguns impasses. De um lado, as etapas da seleção demandam uma disponibilidade de tempo nem sempre existente na rotina do profissional. De outro, os horários dos entrevistadores nas fases mais avançadas do recrutamento também não são exatamente flexíveis. “Casar as agendas é o maior desafio”, afirma Sandra.
Executivos em escalas hierárquicas mais elevadas conseguem contornar tais incompatibilidades mais facilmente. André Freire, presidente da consultoria Odgers Berndtson, explica que um CEO, vice-presidente ou diretor está mais apto a se ausentar do escritório sem ter de justificar cada passo que dará fora dele. “Em níveis gerenciais ou técnicos é mais complexo”, admite.
Freire é mais partidário da estratégia de guardar segredo até a fase conclusiva do entendimento com o futuro empregador – e justifica sua posição com um exemplo hipotético em que o funcionário “calha de falar” para o chefe que participa de um processo seletivo bem quando a companhia estuda cortes. “Ele poderá ser o primeiro a sair”. Além disso, o próprio headhunter pode querer manter sigilo sobre a ação em curso.
Em sua opinião, o melhor momento de revelar a verdade é apenas quando a nova empresa confirma a contratação e entrega uma carta formal ao executivo na qual explicita essa intenção. Com um documento desses em mãos, será possível acionar judicialmente a companhia caso ela, por alguma razão, volte atrás no propósito.
Até chegar a esse ponto, porém, é preciso percorrer o caminho das negociações que envolvem não apenas o headhunter, mas também o atual e o futuro empregador. Nesse trajeto, entrevistas em horários alternativos como café da manhã, almoço, jantar e happy hour, são bastante usuais. Também não faltam reuniões na casa do profissional ou na do recrutador e em aeroportos, táxis e mesmo aviões.
Freire cita ocasiões em que pegou um voo para o Rio, desceu no aeroporto, entrevistou um candidato lá mesmo e em seguida embarcou de volta para São Paulo. “Certa vez, fiz uma entrevista em minha casa porque o executivo não podia nem chegar perto da sede de quem o estava recrutando, pois se tratava de um concorrente direto da empresa em que trabalhava.”
Há fases, contudo, em que será necessário sair do trabalho no meio da tarde para ser entrevistado por um gestor do alto escalão da organização interessada. Nesse contexto, a justificativa para o chefe, na opinião do presidente da Odgers Berndtson, deve enveredar pelo campo da questão particular. “Não é uma mentira, trata-se mesmo de um problema pessoal, e o funcionário pode dizer que vai compensar essa ausência com horas trabalhadas.”
Outras dicas dos consultores passam pela discrição. Isso significa, por exemplo, não usar o e-mail corporativo para combinar procedimentos relativos ao processo de seleção, pois é possível que ele seja monitorado pela companhia. Também não convém comentar sobre o processo com colegas de trabalho. “Pode ser uma exposição sem necessidade”, avalia Sandra Finardi, do grupo DMRH. Mas se esse colega é de fato alguém de convívio mais íntimo e em quem se deposita confiança, vale sondá-lo a respeito da oportunidade, especialmente se ele tem conhecimento do mercado ou da outra empresa, sempre deixando claro que o assunto requer sigilo.
Marcar encontros em lugares públicos, como em restaurantes ou cafés, é uma tática que disfarça o intento da conversa. “Não parece que é uma entrevista de emprego”, diz Ricardo Rocha, gerente executivo da empresa de recrutamento Michael Page. No entanto, reza a Lei de Murphy que uma pessoa que trabalha na mesma organização do entrevistado – ou até o próprio chefe – poderá casualmente estar nesse mesmo lugar, no mesmo dia e no mesmo horário. Mais ainda: dependendo do setor, aquele com quem se almoça correrá o risco de ser reconhecido pelo “espião”.
Em uma situação como essa, não é recomendado negar o óbvio para quem o flagrou. Sandra sugere o seguinte discurso: “Recebi uma abordagem e fui conversar para entender o que era. É o mercado, não significa que eu queira sair da empresa”. Se a réplica for “Por que não me contou?”, a tréplica pode seguir pela via do “Queria esperar o processo maturar, saber se valia a pena abri-lo para você”, enfatiza.
“Valer a pena”, por sinal, é um critério a ser fortemente levado em consideração antes de entrar em um processo de seleção mesmo estando empregado. “É preciso fazer filtro inicial de motivação, analisar os desafios e o que se espera do projeto apresentado”, afirma Rocha. “A relação com o headhunter deve ser muito aberta.”
Essa abertura não caracterizava o comportamento de Edvaldo Souza, de 41 anos, nas ocasiões em que foi sondado enquanto gerente de primeira linha em uma grande companhia brasileira. Em um ano em que ele tinha a expectativa de se tornar sócio da empresa, um diretor dobrou seu bônus com a condição de que não trocasse de emprego. “Naquele período recebi muitas ligações de headhunters. Achava que poderia estar sendo testado e fui muito radical, nem queria ouvir o que tinham a dizer”, conta.
Tal postura, segundo percebeu depois, fez com que seu network ficasse muito restrito. Quando precisou sair para o mercado, notou que deveria ter agido de outra maneira. A partir de então, passou a ver os recrutadores especializados de outra forma e a lhes dispensar outro tipo de tratamento. “São eles que orientam sobre o que você vai encontrar do outro lado.”
Hoje, Souza é presidente da Ledervinmatec, empresa de laminados sintéticos à qual chegou quatro anos e meio atrás como gerente de planejamento – ocupa o cargo atual há oito meses. Um relacionamento de total transparência com seus empregadores permite que tenha contatos amigáveis com headhunters, os quais ajuda até com indicações para vagas. Já chegou mesmo a conversar sobre convites para tirá-lo da companhia, mas julga a tarefa “bastante complicada” para quem pensa em empreendê-la atualmente. “A abertura é muito salutar, faz bem até para a própria empresa. Se o executivo recebe consecutivas propostas e permanece onde está, é um bom sinal.”
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.