Por: Carolina Mandl e Felipe Marques
Depois de atingir níveis historicamente baixos neste ano, a inadimplência voltou a entrar no radar dos bancos. Cenários traçados por economistas – e por executivos das próprias instituições financeiras – para o fim de 2014 já contemplam um patamar mais elevado no nível do calote bancário.
Apesar de ninguém contar com um cenário catastrófico nesse quesito, um conjunto de fatores sinaliza que os atrasos nos pagamentos tendem a se intensificar daqui para a frente. Crescimento econômico anêmico, perspectiva de deterioração do mercado de trabalho, menor aumento da renda, endividamento das famílias ainda em níveis elevados e efeitos do recente ciclo de elevação da Selic devem colaborar para a piora da qualidade dos ativos dos bancos.
“Já existem sinais tênues de aumento da inadimplência. Por isso é que se espera uma alta gradual dos atrasos”, diz José Faria, economista-chefe do Deutsche Bank.
Os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central (BC) mostraram que, nas operações de pessoas físicas com recursos livres, o atraso entre 15 e 90 dias estava em 6,9% em abril, saindo de 6,2% em fevereiro. O indicador também subiu nos empréstimos para empresas, para 2,8%, ante 2,4% na mesma base de comparação. A taxa do calote acima de 90 dias ficou estável nos dois portfólios, em 6,5% e 3,3%, respectivamente.
Mais cautelosos, alguns bancos já demoram mais para liberar os empréstimos, exigindo um número maior de documentos e comprovações de capacidade de pagamento, afirmam executivos ouvidos pelo Valor. “Não mudamos nossos modelos estatísticos de aprovação de crédito, mas o fato é que a qualidade das propostas caiu”, afirma um executivo de um grande banco privado.
Em relatório, o Deutsche afirma que a taxa de aprovação de desembolsos de crédito no Itaú Unibanco, por exemplo, caiu de 45% para 19%.
Para executivos de grandes bancos, o maior risco está na inadimplência corporativa, em especial na indústria, dado o fraco desempenho do setor. A consequência é lentidão na análise de algumas operações, à medida que os bancos tentam se cercar de mais evidências da capacidade de pagamento das empresas.
“Há setores que estamos olhando com mais cuidado na hora de aprovar e que podem dar problema no segundo semestre”, afirma um executivo da área de crédito de um grande banco, que cita a cadeia da indústria automotiva. Na contramão, o agronegócio segue como importante vetor de avanço do crédito.
Na visão da Tendências Consultoria, o crescimento da inadimplência tende a se concentrar em 2015 e ocorrer tanto nas carteiras de pessoa física quanto jurídica, nas operações com recursos livres. Para os atrasos acima de 90 dias da pessoa física, em 6,5% em abril, a consultoria projeta índice de 7,3% em 2015. Para a pessoa jurídica, que registrava 3,3% em abril, a perspectiva é de aumento para 3,6%.
“As famílias estão tomando dívidas com juros mais elevados em um ambiente de fraco crescimento da massa salarial”, afirma a economista da Tendências Mariana Oliveira. Entre as empresas, a capacidade de pagamento é reduzida, segundo sua percepção, pelo fraco desempenho da atividade, o que deve fazer com que o índice de calotes fique acima da média histórica.
“Há um cenário marginalmente menos favorável pela frente, e a inadimplência dificilmente vai manter a tendência de estabilidade”, afirma Flávio Calife, economista da Boa Vista Serviços, que administra banco de dados de clientes inadimplentes. Os números divulgados pelo birô de crédito mostraram uma piora na capacidade de pagamento das famílias neste ano, com o número de registros de não-pagadores crescendo 2,3% no acumulado de 2014 até maio, ante igual período do ano anterior. Para Calife, contudo, a oferta mais seletiva de crédito e a demanda fraca por empréstimos colaboram para segurar a inadimplência.
A equipe de análise do Brasil Plural trabalha com uma deterioração do índice de inadimplência dos bancos já no fim deste ano. “Ciclos de alta da Selic são historicamente seguidos por uma piora da inadimplência”, diz o analista Eduardo Nishio. De abril de 2013 até abril deste ano, a Selic aumentou 3,75 pontos percentuais, a 11% ao ano.
Para Nishio, algumas alterações recentes feitas pelos bancos na composição da carteira de crédito podem estar retardando a aparição da inadimplência. Depois de tomarem um susto com os calotes nos últimos anos – principalmente de pessoas físicas -, as instituições financeiras refinaram seus modelos de avaliação de risco e migraram para operações com garantias mais fortes, caso do crédito consignado e do imobiliário.
É por isso que, para alguns especialistas, a piora na qualidade de algumas carteiras pode acabar sendo mais do que compensada pelo novo mix do portfólio de alguns bancos.
Um avanço nos calotes do cheque especial, por exemplo, pode ter impacto nulo no indicador médio de um banco se a participação desse tipo de crédito tiver caído no portfólio global da instituição, dando lugar a operações de crédito consignado e de financiamento imobiliário. Para se ter uma ideia da magnitude da mudança recente, em abril de 2007, 25,8% do estoque de crédito para pessoa física (que somava R$ 349,15 bilhões) era de crédito imobiliário e consignado. Sete anos depois, essa parcela subiu para 46,3% do saldo destinado às famílias, que está em R$ 1,29 trilhão
“É de se esperar que haja uma maior inadimplência, mas não chega a preocupar, porque recentemente houve um aperfeiçoamento dos modelos de risco de crédito dos bancos”, diz o vice-presidente de um banco de varejo de grande porte.
Em recente conversa com analistas, por exemplo, o Itaú Unibanco afirmou que o índice de inadimplência ainda pode chegar a 3%, ou 0,5 ponto percentual a menos do que no fim de março.
Com a fórmula adotada recentemente, Itaú Unibanco e Bradesco alcançaram os menores níveis de inadimplência dos últimos cinco anos. No caso do Santander, depois de atingir o menor patamar desde pelo menos a integração em 2009 com o banco Real, no primeiro trimestre o indicador teve ligeira alta, de 0,1 ponto percentual.
Há quem aposte, porém, que parte da deterioração vista recentemente seja temporária. “A sazonalidade do primeiro trimestre é ruim para a inadimplência e tende a ser melhor agora”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da associação que reúne as financeiras (Acrefi). Nos primeiro meses do ano, as famílias têm uma série de obrigações a pagar, como impostos e matrículas escolares.
Para ele, uma sinalização mais clara sobre o comando da economia pós-eleição tende a ajudar na gestão da inadimplência dos bancos. “Há uma preocupação maior com o tema da inadimplência, mas nada indica que a taxa vá sair dos trilhos.”
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