O impacto da nova força do cliente para destruir reputações está revolucionando o modo como às empresas lidam com seu público
Quer brincar de arqueólogo? Basta ler artigos sobre reclamações de consumidores ao longo das últimas décadas. Embora a publicidade paga tenha nascido no século XIX e o marketing no início do século XX, só a partir dos anos 1960 as empresas passaram a tentar aplicar alguma ciência ao tratamento individual de cada freguês. Elas passaram a estudar o tema por causa da onda anticonsumismo que percorreu os Estados Unidos, no embalo do movimento hippie. Naquela época, o cliente que quisesse falar com a empresa tinha de obedecer a regras criadas por ela. À medida que ganhavam força os embates por direitos de mulheres, negros, gays e outros grupos organizados, consumidores passaram a querer outro tipo de tratamento. O cidadão desejava que as empresas o ajudassem a ter “água pura, ar puro, proteção ao consumidor, produtos seguros e controle ambiental” e rejeitava a “entediante mesmice” dos produtos, nas palavras de Margaret Graham, professora de administração na Universidade McGill, nos Estados Unidos, e uma das autoras de A origem das corporações.
À medida que nos embrenhamos na caverna escura da pré-história do direito do consumidor, encontramos alguns sinais das mudanças que estavam por vir. Aproxime sua lanterna e leia algumas delas. Em 1970, alguns manuais de gestão ensinavam que um perigo para a empresa era não aprender nada com reclamações, já que o cliente insatisfeito poderia sofrer em silêncio por um tempo e, subitamente, trocar a empresa por uma concorrente. Em 1981, receber poucas reclamações era visto como um sinal ambíguo: podia mostrar que o produto satisfaz. Ou o contrário: que os clientes estão tão irritados que nem se incomodam em se expressar para tentar melhorar a empresa. Na década seguinte, surgiam pequenos sinais de mudança: consumidores insatisfeitos eram encorajados a comunicar suas reclamações aos representantes da companhia por telefone. Os consumidores ganhavam voz, e as empresas começavam a se aproveitar das sugestões para aprimorar seus serviços. Mesmo com a difusão dos computadores pessoais e da internet naquele período, os homens das cavernas no mundo do atendimento ao cliente não percebiam o asteroide que vinha em sua direção.
Hoje, a bomba caiu. O cidadão que se sente prejudicado ao receber um serviço ou produto não hesita em se manifestar. E ele faz isso, muitas vezes, com estardalhaço. Ignora os representantes designados pela companhia e os canais de comunicação criados por ela. Prefere reclamar de uma vez para o mundo inteiro. Usa sites especializados e redes sociais. Sua voz abala mesmo as maiores empresas. O impacto desse novo poder do consumidor para destruir reputações está revolucionando o modo como as empresas lidam com seu público.
Basta ver o caso de Priscila Derra, treinadora de vendedores e apreciadora de cinema. Numa segunda-feira de outubro, ela comprou entradas para a quarta-feira seguinte, para o filme Gravidade, por meio do site Ingresso.com. Ao imprimi-las, percebeu o engano: comprara ingressos para o mesmo dia. “Tentei falar com eles antes que chegasse o horário da sessão, mas no site não há telefone de contato para tratar de entradas para cinema”, diz Priscila. “Mandei um e-mail e esperei resposta. Passou a segunda, a terça, a quarta, e nada. Só quando publiquei o problema no site ReclameAqui eles responderam. Devolveram o dinheiro pelo cartão de crédito.” Priscila voltou a comprar os ingressos e assistiu ao filme. Ela deu dicas preciosas sobre um tipo de problema que a empresa não previra e como lidar com ele.
Priscila também fornece um exemplo do novo poder do consumidor que sabe usar as ferramentas digitais à disposição. Estão nessa caixa de ferramentas redes como o Twitter e o Facebook e sites especializados, como o ReclameAqui, caso mais impressionante dos últimos tempos. O site foi criado em 2001 por Maurício Vargas, então um dono de livraria irritado com o serviço de uma companhia aérea. No primeiro ano de funcionamento, cadastraram-se 1.023 consumidores. Eles registraram juntos 23 queixas. Talvez o mesmo que se ouviria em três ou quatro conversas de bar. Neste ano, o serviço aproxima-se de 9 milhões o número de usuários registrados e de 5 milhões o total de reclamações. Ao longo da jornada de 12 anos, Vargas, que estudou arquitetura, tornou-se um conhecedor das relações do consumidor com as empresas. “Antes, as equipes de atendimento tinham status menor, equipamento mais velho. Eram vistas só como custo para a companhia”, diz. “Hoje, existe diretor de atendimento, marketing de atendimento, e essa área tem acesso aos altos executivos e ao presidente da companhia.”
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