O Desafio da rentabilidade dos cartões e a redução das taxas de juros
Por: Max Basile
Nos últimos meses, a progressiva redução das taxas de juros, especialmente os juros ao consumidor, em princípio capitaneadas pelos Bancos oficiais, colocou em movimento concreto aquilo que já se prenunciava como tendência há bastante tempo.
Seja por força da agenda político-econômica que recentemente ganhou força definitiva no Planalto, seja pela tendência apontada pelos mercados de economia estável e cultura de crédito arraigada, a redução das taxas de juros ao consumidor é um tema em pauta e nas agendas dos executivos financeiros há mais de uma década.
O terreno vem sendo preparado, com modelos, ferramentas e políticas sociais que, em primeiro lugar, criaram condições para a expansão do crédito como matriz de desenvolvimento e crescimento sociais, resultando em uma nova relação crédito / PIB, inédita em nossa economia de 49,1% em 2011, correspondente a mais de R$ 2 trilhões em crédito total concedido (não custa lembrar que até 2005 essa relação era de apenas 26%).
A ampliação da base social de consumo – graças à prodigiosa expansão da classe C, especialmente nos últimos 5 anos, efetivamente possibilitou a geração de um novo cenário de compras e consumo, em grande medida também feito possível justamente pela estruturação e proliferação da oferta de crédito – criou um novo mercado consumidor, que passa a entender que pode comprar e que pode ascender socialmente, com as novas ferramentas que tem à disposição. Essa nova massa de cidadãos passou de 62 milhões de pessoas (34% da população, quando o segmento D/E era 51%) para mais de 103 milhões (51% da população, quando a classe D/E, de onde emergiram, felizmente encolheu para 24% da sociedade).
Esse novo consumidor, como aponta, entre outros dados, a competentíssima pesquisa “Observador Brasil” edição 2012, do grupo Cetelem, realizada pelo instituto Ipsos – já está mais maduro e reflete consistentemente as oscilações da economia. Em 2011, embora ainda predominantemente muito otimista sobre o país e a economia, o seu entusiasmo já é menor que o do ano anterior, quando se operou a maior propulsão de crédito e consumo.
O consumidor nacional, segundo a pesquisa, considera que a economia estará estável em relação ao ano anterior. E, ao mesmo tempo, está rigorosamente dividido sobre a sua expectativa em relação aos juros do país: metade acha que as taxas serão reduzidas e a outra metade não acredita em reduções significativas.
O que se torna especialmente interessante quando confrontado com a informação de que, segundo análise do professor Luis Carlos Mendonça de Barros publicada na Folha de São Paulo no final do mês de Abril, a reação dos consumidores neste início de ano tem sido a de primeiro pagar suas dívidas e só depois voltar a comprar. O que, além de representar um eloqüente alento após a forte alta dos níveis de inadimplência do último ano, também sinaliza que o consumidor aprendeu e amadureceu muito rapidamente. E nada indica que ele retornará afoito a um endividamento acelerado.
O mesmo Observador Brasil apurou que há mais renda disponível em todas as classes sociais: na classe C, por exemplo, a renda disponível (livre para gastos de qualquer natureza, após o cumprimento das obrigações mensais) cresceu 50% sobre o ano anterior. Além disso, os consumidores acreditam que a oferta de crédito irá crescer / melhorar (49%). Mas não há euforia em relação aos juros (1/3 da população acredita que irão piorar, 1/3 acredita que ficarão inalterados e 1/3 acredita que poderão melhorar).
Nesse contexto, tudo somado, um novo mercado de consumo está pavimentado. A nota destoante, sob quaisquer argumentos e quaisquer variantes, segue sendo a elevadíssima taxa de juros. Parece ter chegado o momento de finalmente enfrentarmos esse capítulo.
Não é assunto que se resolva por decreto, é certo, mas o movimento iniciado nesta semana pelos Bancos federais torna o tema, que sempre foi importante e relevante, agora também candente e urgente.
Uma coisa é certa: esse movimento inaugura um dos períodos mais intensos de competitividade e pressão por resultados e alternativas de gestão no varejo financeiro em muitos anos.
Os Bancos estão equipados e são extremamente sérios para entender a dimensão do desafio, mas demandam condições coerentes de competitividade: não há como não serem revisitados os gargalos tributários e regulatórios que estrangulam as margens dos Bancos se, de sua parte, também o governo estiver disposto a encarar a questão com seriedade.
Um corte abrupto, imediato e com a intensidade anunciada das taxas de juros não é compatível com um contexto de competitividade saudável. Não apenas a inadimplência segue como grande preocupação (e ferramentas como o cadastro positivo, por exemplo, ainda não oferecem o grau de maturidade requerido para reverter esse cenário), como a oneração regulatória e fiscal extraem capacidade competitiva fundamental para pavimentar uma queda sustentável dos juros.
Que as taxas irão cair, ninguém duvida. O tema não é novo, afinal. Em meu livro “E o dinheiro virou plástico”, Ed Cultura, publicado no ano 2000 (há mais de uma década, portanto), já apontávamos para essa tendência e os desafios que a indústria, por exemplo, de cartões de crédito, teriam pela frente com essa variável, cedo ou tarde, no front. Aquilo que apontávamos como tendência, agora já se tornou movimento. Assunto em marcha. A questão é a maneira e o momento.
Em todo o varejo financeiro nacional, as receitas com as operações de crédito são prevalentes e determinantes da rentabilidade dos Bancos. Não por acaso, as ações dos principais Bancos recuaram imediatamente após o anúncio do corte das taxas em Brasília. Crédito pessoal com gênero e, sobretudo, cheque especial, como espécie, têm papel preponderante na composição das receitas de todas as operações bancárias ao consumidor – mesmo aquelas voltadas à alta renda.
A queda abrupta das taxas é um golpe significativo em todo o mercado. Não que isso deva ser segredo para o Banco Central. Daí exatamente a questão ser mais interessante: o BC sabe (assim como o Ministério da Fazenda) da potencial dimensão depreciativa de valor para as instituições financeiras de um corte abrupto das taxas. Mas ainda assim acelera a sua implementação nos Bancos oficiais. É uma sinalização clara de direcionamento. Mas falta o ajuste fino. E aí é justamente que começam os desafios dos gestores, as rodadas de negociações e as lições de casa para toda a cadeia produtiva.
Algumas pistas serão de imensa importância para o direcionamento dos trabalhos de todos nós, gestores e responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento sustentáveis das diversas operações de financiamento ao consumidor do mercado nacional.
O nosso mercado de cartões de crédito tem 58% de suas receitas provenientes do crédito rotativo, hoje dentre os principais alvos de corte de taxas no crédito ao consumidor (último relatório cartões Bacen, dezembro 2010 – gráfico abaixo). Um corte hoje de mais da metade do valor das taxas pode corresponder a inviabilizar muitas operações de cartões, da maneira como estão constituídas.
Com décadas à nossa frente, o mercado norte-americano, recém emergindo da crise de 2008-2009, vem há anos em um movimento de análise de reengenharia e novas fontes de receita para os cartões, uma vez que o extraordinário grau de competitividade do mercado encarregou-se por si próprio de reduzir sumamente as taxas de juros na busca por novos clientes e, claro, veio dizimando grande parte das suas receitas nas duas últimas décadas.
O conceito de “intelligent pricing” vem sendo intensamente debatido e incentivado nesse período como alternativa de recompor as receitas que, por força da competitividade de mercado, foram reduzidas com baixíssimas taxas de juros.
Cobrar em função do perfil do cliente, do perfil de uso dos cartões (conceitos como tarifa por inatividade de cartão), perfil de risco (derivando em taxas de juros flexíveis e variáveis em função dos scores dos clientes).
O percentual de participação de tarifas (“fees”) nas receitas dos emissores de cartões nos Estados Unidos chegou a 48% em 2010, subindo de 31% de uma década atrás (The Wall Street Journal, 23 de janeiro de 2011, Marketwatch, A New Landascape for Credit Cards, Jennifer Waters), conforme as tendências e estratégias de gestão perseguidas pela indústria local. O balanço é claro: juros menores, tarifas (INTELIGENTES) maiores.
No Brasil, a participação das tarifas na receita dos cartões está na casa de 13%, contra quase 60% das receitas com financiamento (relatório cartões Bacen, gráfico acima).
Sem adernar à arena do marketing, estamos falando de segmentação. Mas, sobretudo, estamos e estaremos falando de estratégia. No caso específico dos cartões, por exemplo, tudo recai e remonta à essência do principal pilar do negócio: fazer com que o cliente USE o SEU cartão. Quanto mais usar, mais poderá financiar. Quanto menos usar, menos receitas trará. Como fazer isso é um desafio cada vez mais presente e premente em nossa gestão. Por exemplo: cartões inativos, ou de baixa atividade, são tarifados, ou mais tarifados, incentivando os clientes à utilização do produto ou, gerando receita compensatória pela falta de uso, através de um sistema segmentado e inteligente de precificação.
Novas alternativas incluem segmentação mais rigorosa na composição do produto para suportar taxas menores, endereçando públicos específicos com perfil prevalente de utilização do crédito rotativo. O Barclays está lançando neste trimestre um novo produto, o BarclayCard Ring, com as menores taxas de rotativo de seu portfólio, isenção de anuidade, mas SEM nenhum programa de recompensas agregado. A mesma estratégia e mesma configuração norteou o Citi Simplicity, lançado no ano passado (Lowcards.com, 7 de Março de 2012, Lynn Oldshue).
Público segmentado, menores taxas, mas com menos prêmios e recompensas na outra ponta. É um desenho, dentre infinitas outras possíveis composições, de viabilização do negócio. Mais do que nunca, planilhas, calculadoras e criatividade deverão andar juntas.
Competitividade e diferenciação, definitivamente, será o nome do jogo.
Mais pistas, também do mercado americano: clientes estão adorando os cartões com cash back (um percentual de todos os gastos volta como crédito no cartão) e, como sempre, apontam a excelência no atendimento e na execução do serviço como fatores preponderantes na escolha de uso do produto.
Outra tese em curso é a de se atrelar programas de recompensas (de resto, sobretudo os de milhagem, com custos atuais exorbitantes na operação da maioria dos Bancos emissores) apenas aos cartões que paguem anuidade. Mais, os níveis do programa de recompensas passam a ser associados ao nível de anuidade efetivamente paga pelo cliente.
Dentre as principais causas de insatisfação e cancelamento dos cartões, lá como cá, léguas à frente do segundo lugar… a alta taxa de juros. Agregue-se a informação de que no BB e Caixa, o perfil de risco dos clientes – um dos principais argumentos para a sustentação das taxas de juros elevadas – é em sua maioria (55%) de alto risco (segundo as faixas de risco do Bacen, de B a H), enquanto nos Bancos privados 75,9% dos clientes pertence ao perfil de risco AA – A, o mais baixo do mercado, conforme as faixas do Bacen.
A contradição, neste momento, pode jogar contra a tese de que o mercado precisa da gordura das taxas para compensar os maus pagadores. A verdade é que, em melhor técnica, praticar taxas mais baixas e clientes com piores scores é um risco altíssimo, que o mercado não pode carregar.
Com efeito, outra tendência em marcha acelerada nos novos modelos do mercado americano, é distanciar ainda mais marcadamente as taxas dos clientes de maior risco (que irão subir), das taxas dos clientes de menor risco (que serão, estes sim, recompensados por taxas menores). Dentre as melhores práticas atuais de gestão, muitos Bancos já praticam esse modelo no Brasil. É de se aprofundar a prática. E são de preocupar movimentos de precificação em sentido contrário.
No final do dia, melhores pagadores e menores taxas, propulsionarão crédito, que por sua vez alavancará o consumo, que propiciará crescimento sustentável de longo prazo ao país, que é tudo o que todos nós queremos.
Por enquanto, o dia amanheceu mais difícil para toda a indústria. Há lição de casa para todos os elos da nossa cadeia produtiva.
Mas o desafio vale à pena. Entramos, finalmente, na era da maturidade do crédito ao consumidor. Bom para o mercado, ótimo para o país.
Max Basile tem mais de 20 anos no mercado de Varejo Financeiro, Cartões e Meios de Pagamento, Serviços de Informações de Marketing e Crédito e Informações Gerencias. Atuou em posições de liderança e gestão em empresas como Visa , Equifax, Experian, Citibank Brasil e Banco Safra.
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