As disputas fazem parte do dia a dia das organizações. Há estudos que indicam que a alta gerência das corporações dedica entre 30% e 42% de seu tempo para resolver conflitos. São situações que envolvem divergências entre sócios, com empregados, fornecedores, entre outras.
O surgimento de disputas também é bastante frequente no âmbito das relações com os consumidores. Nessa área, especialmente com o desenvolvimento da internet e o aumento do fluxo de transações on-line, houve um crescimento expressivo no volume de situações não resolvidas, atraindo preocupação cada vez maior das empresas e do Poder Público.
São milhões de reclamações registradas todos os anos em plataformas como Reclame AQUI e em órgãos de defesa do consumidor espalhados por todo o país. Parte desses problemas, que permanecem não resolvidos, geram milhões de ações que acabam aportando todo ano no Poder Judiciário, fazendo com que as questões consumeristas estejam hoje entre os três assuntos mais demandados em todos os tribunais.
A mediação tem sido apontada, com frequência, como um caminho eficiente para a prevenção e resolução dessa espécie de conflito, com a intervenção de um terceiro neutro e qualificado para facilitar a comunicação e criar um ambiente propício para o acordo.
Paralelamente, tem se procurado associar os métodos adequados a novas ferramentas tecnológicas, de forma a tornar a resolução dessas disputas algo mais econômico e escalável, apto a lidar com o imenso volume de disputas nessa área. Tais iniciativas acabaram por receber o nome de online dispute resolution – ODR.
Por outro lado, há também a preocupação sobre como são desenvolvidos tais sistemas, em especial no tocante à sua acessibilidade e à sua neutralidade, uma vez que os algoritmos utilizados nesses softwares geralmente não são de conhecimento público.
A partir dessas discussões, diversas recomendações e enunciados têm sido emitidos dentro e fora do Brasil sobre o assunto, por instituições públicas e privadas.
Alguns dos principais documentos sobre a matéria são as Recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE sobre resolução de disputas com consumidor.
Inicialmente cumpre recordar as Diretrizes para Proteção do Consumidor no Contexto do Comércio Eletrônico, desenvolvidas em 1999 e atualizadas em 2016. Sua principal finalidade é garantir que o consumidor que efetue a compra online não esteja menos protegido do que quem faz a compra presencialmente.
Consta do referido documento que os consumidores devem ter acesso a mecanismos efetivos, justos, fáceis de utilizar e transparentes para resolver disputas de uma forma rápida, sem custos desnecessários. Para tanto devem ser oferecidos mecanismos de resolução de conflitos fora do Poder Judiciário.
Além disso, quanto às ferramentas de ODR, esclarece que elas devem ser desenvolvidas de forma objetiva, imparcial e consistente, independentemente de quem estiver arcando com os custos da plataforma.
Em julho de 2007 o Conselho da OCDE aprovou a Recomendação sobre Resolução de Disputas com Consumidor. O documento foi produzido após a verificação de que os consumidores ainda tinham resistência com o mercado on-line por preocupações sobre a forma de resolução de eventuais disputas.
De acordo com a Recomendação, os mecanismos de resolução de disputas para os consumidores:
Não podem impor um custo desproporcional ao valor da reclamação;
Devem ser desenvolvidos para serem acessíveis e fáceis de utilizar sem a necessidade de representante ou assistência, tanto quanto possível;
Deve haver informações claras e compreensíveis sobre como iniciar o procedimento, assim como uma estimativa de custo e duração;
Podem incluir procedimentos para envolver a intervenção ativa de um terceiro neutro para facilitar a resolução da disputa.
Importante mencionar ainda as Notas Técnicas sobre Online Dispute Resolution da UNCITRAL, elaboradas com um foco maior nas transações comerciais transfronteiriças.
Após reconhecer que os mecanismos de ODR podem ajudar as partes a resolver uma disputa de uma forma simples, rápida e segura, fixam uma série de recomendações baseadas nos princípios de imparcialidade, independência, eficiência, devido processo, processo justo, responsabilidade e transparência.
Entre elas, ressaltamos as seguintes:
Adoção de políticas para identificar e lidar com situações de conflito de interesses;
Implementação de políticas de seleção e treinamento de profissionais que atuarão na plataforma;
Procedimento baseado no consentimento explícito e informado das partes;
Possibilidade de o administrador da plataforma indicar um terceiro neutro para auxiliar na resolução da disputa;
O sistema deve ser estruturado de uma forma que garanta a segurança dos dados.
Em âmbito nacional o tema tem merecido também cada vez mais atenção. Vale destacar, por exemplo, os enunciados emitidos durante a II Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho de Justiça Federal que teve como um dos seus eixos o tema “novas formas de solução de conflitos e novas tecnologias”.
No tocante à temática objeto da presente análise, destacamos os seguintes enunciados:
ENUNCIADO 144 – Recomenda-se a adoção de sistema gratuito Online Dispute Resolution (ODR) pelas plataformas de intermediação de comércio eletrônico para a composição de conflitos entre os seus usuários, sendo uma alternativa para disputas entre consumidores e fornecedores.
ENUNCIADO 156 – As plataformas de ODR, privadas ou públicas, buscarão, sempre que possível, atender a critérios de acessibilidade digital para grupos possivelmente marginalizados pela exclusão digital, como a compatibilidade com meios de tecnologia para viabilizar acesso a pessoas com deficiência.
ENUNCIADO 159 – Recomenda-se que as plataformas de resolução on-line de conflitos tenham um design centrado no usuário, com proteção de dados pessoais, como forma de estimular a sua utilização e aumentar a confiança das partes no uso da tecnologia.
ENUNCIADO 179 – Para que a plataforma digital ou outro meio de comunicação à distância sejam considerados mediação ou conciliação, o procedimento deve atender aos requisitos legais destinados a tais formas de resolução de conflitos.
Note-se que há um alinhamento entre os referidos enunciados e as diretrizes de âmbito internacional, especialmente quanto ao custo, à acessibilidade e à segurança dessas plataformas, para que elas possam constituir um instrumento efetivo de concretização de direitos e de acesso à justiça.
O Enunciado 179 ressalta também a necessidade de observância de todos os requisitos legais previstos para a realização de mediação ou conciliação, entre os quais estão a neutralidade e a devida capacitação desses profissionais, bem como a observância da confidencialidade do procedimento de mediação.
Essa preocupação tem fundamento no fato de que ainda há, no Brasil, empresas que, alegando desenvolver mediação, acabam agindo como verdadeiros negociadores, atuando na defesa do interesse de apenas uma das partes, ou até mesmo de forma similar a uma empresa de cobrança, sem qualquer preocupação com a utilização adequada do mecanismo.
É necessário, assim, se atentar para a existência de soluções e procedimentos que sequer podem ser considerados efetivamente como mediação, tornando discutível a validade jurídica dos acordos celebrados por esse meio e se afastando, igualmente, dos propósitos para que a mediação foi desenvolvida.
Karina Volpato é mediadora, sócia fundadora da CAMES Goiás, pós-graduada em Mediação de Conflitos e Arbitragem e administradora do Leegol.
Danilo Ribeiro Miranda Martins é mestre pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, diretor jurídico do CONIMA e sócio-fundador da CAMES Brasil.
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